Três Corvos
The Raven, de Edgar Allan Poe, um dos mais célebres poemas em língua inglesa, começa com esta estrofe:
Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore –
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
"’T is some visitor," I muttered, "tapping at my chamber door –
Only this, and nothing more."
Um livrinho recentemente editado pela Relógio d’Água (O Corvo), já na onda do bicentenário de Poe, oferece-nos as traduções do poema feitas por dois dos maiores escritores de língua portuguesa dos últimos 150 anos: Fernando Pessoa e Machado de Assis. Cotejar as duas versões não deixa de ser interessante, no que cada uma delas revela (ou não) da estratégia literária dos respectivos tradutores.
Eis a primeira estrofe segundo Fernando Pessoa:
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
E agora a versão de Machado de Assis:
Em certo dia, à hora, à hora,
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há-de ser isso e nada mais."
Não resisto a juntar uma terceira versão: a de Margarida Vale de Gato, no livro que vai ser lançado esta tarde. Ei-la:
Era o meio da noite sombria, fraco e lasso eu reflectia
Sobre os tomos singulares dos saberes ancestrais;
E com sono, cabeceando, eis que ouvi algo raspando,
Seco som, ténue, tocando, tocando à porta de fora,
Visita decerto seria, batendo à porta lá fora,
Isso só e nada mais.