Meu sábado é o silêncio de um retrato
Sempre achei que toda crônica tem alguma coisa de sábado, algum prazer de sombra no meio de uma semana ensolarada. Quando penso no meu sábado, todos os dias, vejo na minha frente aquele quadro. Há tanto tempo o vejo que a primeira vez eu devia ter a mesma idade da menina do retrato.
Já vi muitos retratos, nenhum igual a esse. É uma menina de perfil, o cabelo cheio preso num laço, o rosto curvado para baixo. Tem uma sensualidade triste esse rosto, uma espécie de ar de esfinge ou de anjo em estado de repouso. A pálpebra se fecha esfumaçada sobre o olho, e isso me impressiona, essa fina membrana cobrindo um olho que mira a eternidade. A boca, feita de um pequeno rasgo, em tom de terra de Siena queimada, tem a mesma cor do laço. Não sorri. É uma criança que medita. Há uma pálida claridade no fundo do quadro, uma luz de três horas da tarde, talvez filtrada por uma cortina. Também isso me impressiona, que nada distraia essa criança, que seu rosto se esboce fora do tempo numa expressão instintivamente elevada. Ela tem seis anos de idade. É minha mãe.
Hoje não moro mais naquela casa, não posso ver o quadro na sala, mas o vejo em mim. Em algum momento do dia me vem essa infância intacta, não importa o quanto a vida tenha mudado, continua comigo esse olho de esfinge no silêncio de uma hora que não passa. Talvez minha mãe nem saiba que, nesse rosto que eu amo, vejo seu primeiro e último rosto, o de uma menina de avental azul sentada em uma cadeira, dentro de um ateliê, posando para um retrato.
Mariana Ianelli
Retrato de Katia - Pintura de Arcangelo Ianelli - Óleo sobre tela