O Serial Killer de Porto Alegre
O terrível serial killer de Porto Alegre, o atropelador em massa de ciclistas, o valente do volante do automóvel Golf negro de rodas velozes, chama-se Ricardo José Neis. O “maverick” livre, macho, veloz e imperativo que ninguém bloqueia. O malvado que odeia bicicletas. O baby boomer hedonista que não suporta esperar, com seu potente veículo, atrás de algumas frágeis e lentas bicicletas.
Ele é alto funcionário do Banco Central do Brasil, está blindado com seus advogados e alega legítima autodefesa pois sentiu-se ameaçado ao ver tantas bicicletas à sua frente, todos de costas para ele, seguindo na mesma direção em que ele trafegava num automóvel reluzente, desafiadoramente com muito menos velocidade do que ele era capaz de imprimir ao seu novo e potente carro. Insuportável situação aquela que o impedia de ir em alta velocidade, como sempre estivera disposto a fazer, nas suas ruas, nas suas estradas. O seu ir e vir é mais importante, naturalmente, do que o ir e vir de milhares de outras pessoas na mesma cidade.
Se fossem tanques de guerra, ônibus, carros, cavalos ou até mesmo sólidas motos, ele aguardaria um pouco ou até desviaria pela rua lateral. Mas bicicletas e meros ciclistas... NÃO, aquilo era definitivamente insuportável. O serial killer odeia ciclistas, como odeia os pedestres e não estancaria frente a capivaras silvestres ou galinhas...
O alto funcionário do Banco Central não hesitou e acelerou gloriosamente, coração e instinto destemidos, como num vídeogame e os atropelou a todos, pelas costas, jovens, adolescentes, mulheres, crianças, cães. Nada seria obstáculo à sua confirmada valentia no trânsito. Um sucesso nas telas.
Sente-se ainda chocado pela visão apocalíptica e assustadora de tantos ciclistas obliterando o seu caminho e o seu natural ritmo imperativo; a ele, o piloto audaz do Golf negro, a quem ninguém ousaria desafiar.
Portanto, naquele seu gesto higiênico e industrial, ele expressara a sua mais profunda repulsa a todos e em especial à lentidão anacrônica das malditas bicicletas que ele tanto odiava.
Ele, o “maverick”, o funcionário do monumento ao dinheiro, passou por cima de todos, esmagando prazerosamente as bicicletas, convencido que está inocente desde o primeiro instante e com as razões de sua própria escolha, um mártir dos tempos de dinâmica velocidade e uma espécie de Muamar Kadhafi do trânsito de Porto Alegre, a quem todos devem aprender a respeitar e temer.