Sábado, 23.10.10

O romance de Elvis Presley

Função Elvis - Romance de Laure Limongi

 

 

 

 

 

O livro Função Elvis é um romance de Laure Limongi sobre a temática da criação e formação de um mito mediático.

 

Um romance que conta numa linguagem clara, dinâmica, hipnótica, pop, em frases curtas, em capítulos de apenas uma página, de precisão cirúrgica e contemporânea, a trajetória de construção minuciosa da imagem do ídolo universalizado pelo poder de difusão dos meios de comunicação. A criatura imaginária e idealizada, permanente, fora do indivíduo. Uma função. A ascenção e a não queda do mito. Elvis vive. Em milhares de clones multiplicados pelo mundo, em imagens recorrentes, em filmes, em fotografias, em impressões reproduzidas, em canções de rock e baladas, em souvenirs, em imãs de geladeira...Um livro empolgante e magnético, como esses mesmos imãs triviais, como o próprio ídolo, permanente em copyrights, que lhe motiva o tema. Mesmo que sejam peças “únicas” fabricadas na China em quantidades monumentais.

Imagens fotográficas de Gilberto Perin.


 

Função Elvis

Autora: Laure Limongi

Tradução de Jean-Michel Lartigue.

Capa e imagens fotográficas de Gilberto Perin.

Edições ARdoTEmpo, a partir da edição original francesa de Éditions Léo Scheer.

88 páginas.

ISBN nº 978-85-62984-07-5

Edições ARdoTempo, 2010

publicado por ardotempo às 18:39 | Comentar | Adicionar
Quinta-feira, 07.10.10

Para aquele que disse que ler livros é muito chato

Vargas Llosa: "El goce que produce la buena literatura es incomparable"

 

 



El flamante Premio Nobel de Literatura ha comparecido esta tarde por primera vez en rueda de prensa, en Nueva York, donde se encuentra dictando un curso sobre Borges. Con el rostro feliz, Mario Vargas Llosa ha asegurado que "este premio no solo reconoce al escritor, sino también a la maravillosa lengua española y a la literatura latinoamericana". Durante toda la jornada, el escritor hispanoperuano ha confesado que lograr el premio "ha sido una gran sorpresa". Incluso ha revelado que en un principio pensó que se trataba de una broma. El autor ha tenido una cariñosa mención a España, por el enorme apoyo a su literatura. "España se ha vuelto un país mío", ha manifestado. El escritor tampoco se ha olvidado de sus lectores.


"Ha sido una sorpresa total", ha revelado Vargas Llosa, que no cree que el Nobel cambie su forma de escribir, "lo que sí espero es que cambie mi vida diaria". Y ha continuado: "Yo pensaba que estos meses aquí, en Nueva York, iban a ser muy tranquilos; pero mira, en cambio, la Academia sueca todo lo cambia". "¡Será una locura, pero sobreviviré!", ha apostillado.


El Nobel hispanoperuano ha detallado cómo se enteró de la noticia: "La llamada pensé que era una broma; cuando me llamó el secretario general de la Academia Sueca. Y le dije a mi mujer 'si se trata de una broma mejor no llamemos a los hijos hasta que se confirme'. Eran las cinco y media de la mañana y estaba leyendo, releyendo un libro maravilloso que es El reino de este mundo, de Alejo Carpentier, un libro que recomiendo, maravillosamente escrito. Vi que se acercaba mi mujer con el teléfono en la mano y sentí angustia, porque las noticias suelen ser malas cuando llegan a esas horas. Era el secretario general de la Academia Sueca. Se cortó y volvió a llamar cinco minutos después. Me dijo que en 14 minutos iba a ser anunciado".


Mario Vargas Llosa ha protagonizado una larga comparecencia en la que no evitado ningún asunto. Entre los temas por los que se han interesado los periodistas ha estado, lógicamente, la literatura, pero también la política. "No puedes dejar la política fuera de la vida", ha apuntado. El autor ha subrayado que en "América Latina existe un consenso que permite que la democracia eche raíces en nuestros países", pero al tiempo ha advertido de que "la tentación autoritaria seduce a algunos".


"Hay que estimular la literatura en las nuevas generaciones", ha reclamado, porque "el goce que produce la buena literatura es incomparable".

 

Publicado em El País

publicado por ardotempo às 20:02 | Comentar | Adicionar
Quarta-feira, 22.09.10

José Mário Silva - Efeito Borboleta

Efeito Borboleta e outras histórias - Contos

 

Autor: José Mário Silva

 

ISBN nº 978-85-62984-04-4

 

124 páginas

 

Capa: Mario Castello

 

Valor: R$ 30,00

 

 

 

 

 

Apresentação de Mariana Ianelli, sobre o livro Efeito Borboleta, contos de José Mário Silva:

 

Penso nos contos de José Mário Silva e logo me vem à memória o espelho mágico de M. C. Escher.

 

Há sempre uma dimensão inaudita em suas histórias, uma realidade da ordem do inefável, na qual diferentes mundos se visitam, regidos pela lógica do sonho. Seus personagens são incógnitas dentro de um grande esquema, um grande tabuleiro cosmológico, por assim dizer, em que todo e qualquer movimento “precipita a desistência ou o desastre”.


Um simples bater de asas na Amazônia pode provocar um tornado no Texas. Perplexo diante das infinitas variantes dessa hipótese, um homem teme executar um só gesto. Nesse conto que dá título ao livro, a perplexidade que se anuncia ainda é outra. Este homem pode ser ele mesmo a borboleta enredada na malha do conto, a letra de uma palavra fatal que se vai formando secretamente, enquanto o personagem, no epicentro da narrativa, ignora sua inexistência. Aqui o leitor reconhecerá, sem dúvida, os labirintos borgeanos, os intermináveis elos de uma cadeia, o sonho dentro do sonho, a concentração dos tempos em um único instante, o ponto do espaço que contém todos os espaços. Mas antes interessa lembrar, de Borges, aquela máxima que serve de postulado para todas as artes, a de que “não sabemos se o universo pertence ao gênero realista ou ao gênero fantástico”.

 

A partir daí, ascendemos da literatura, e de suas inevitáveis intersecções temáticas, a um imenso e extraordinário “sonho apócrifo” nos contos de José Mário.


Astros, números e letras se dispersam, se reordenam e assim gira o caleidoscópio a que chamamos, por espanto e maravilha, gênero fantástico. Nessa cópula de mundos, a lente de um microscópio oferece à vista do poeta a imagemdas galáxias. De fato, José Mário é um poeta, um sonhador de insondáveis matemáticas, um encantador do pensamentoque desperta, no espaço da narrativa, este terceiro olho capaz de entrever nas linhas de uma impressão digital uma “topografia do ser”.


A forma breve que aparentemente delimita as histórias de Efeito Borboleta é mais um expediente de prestidigitador, o espetáculo em ato da fração de um minuto em que um homem revê sua vida e pressagia o exorbitante. Há sombras, muitas sombras no livro, há uma “escuridão ardendo atrás de cada porta”, a iminência do caos atrás da ordem dos planos, inclusive o literário. Nada escapa ao colapso da banalidade. O absurdo, quando prorrompe no elemento mais sutil, põe o leitor diante de um acontecimento que lhe é tão sinistro quanto familiar, como um tsunami, um atentado terrorista, ou mais uma estrela emergindo no mundo das celebridades: o surreal de uma época, nossa época, típico de um quadro de Bosch.


Nas 38 Miniaturas, imagens de alta concentração poética que fecham o volume, está a síntese da criação mágicade José Mário. Tal como o “caçador noturno” de um dos textos, dali regressamos admirados, com “meia dúzia de estrelas à cintura”. Uma aventura e uma vertigem, Efeito Borboleta contém o índice de um livro infinito. Para cada história somos transportados, ou melhor, tragados, por aquela força de atração para além da física que sabemos ser o mais simples - e o mais desejável - prazer da boa leitura.


Mariana Ianelli - Escritora, poeta e jornalista

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Terça-feira, 14.09.10

Aldyr Garcia Schlee - CONTO INÉDITO


LA FOLIE ET L’AMOUR

Aldyr Garcia Schlee

 


Desde muitos anos antes de eu nascer, meu tio tinha um aparelho mágico que não sei bem como chegara a suas mãos: se fora como um presente, trazido da Europa pelo padrinho de minha irmã, juntamente com uma máquina de escrever; se fora como algo surrupiado em Jaguarão do espólio do sr. Tomazzo Aimone, que era pai de meu próprio padrinho e que havia explorado em Pelotas uma casa de cinematógrafo.

 

Aquele mágico ou pelo menos misterioso aparelho servia para ver as coisas como elas seriam, se fosse verdade; mas era de mentira, pois embora as mostrasse como verdadeiras, só nos deixava a impressão disso ao fazer de conta que ali elas não eram de mentira e ao gerar a ilusão de que ali elas existiam realmente.

 

Faz tempo. Eu não era nascido, meu pai e minha mãe ainda nem se conheciam, o irmão mais velho de minha mãe já era moço e se dizia sacrílego. Terá sido quando o futuro padrinho de minha irmã voltou da Europa, trazendo como grande novidade a inesperada e inacreditável máquina alemã Adler, uma alta, grande e rara “typewrite machine” – a primeira em que eu viria um dia a escrever. Ou foi quando se quedaram abandonados em Jaguarão os restos dos despojos do cinematógrafo de seu Tomazzo Aimone. O certo é que meu tio tinha aquele aparelho desde antes de eu nascer; desde quando fora a Porto Alegre fazer concurso para calígrafo da polícia civil.

 

Era uma caixa, uma simples caixa de madeira ornamentada que, fantasticamente se abria de dentro para fora dela mesma e se armava para a gente olhar como por um binóculo e ter ali, diante das vistas, imagens deslumbrantes das mais famosas batalhas, dos mais importantes monumentos e dos mais distantes e exóticos lugares do mundo.


A Lápia, a Hercínea, a Tingitânea

O Touro de Perilo, Hercule et Omphale, a medusa de Caravaggio.

A batalha de Ourique, a de Badajoz, a do Salado.


Faz muito tempo. Meu tio recém fora levado pelo futuro padrinho de minha irmã a conhecer mulher, num prostíbulo da beira da praia, onde haveria de ser apresentado a uma china chamada Ignez, suficientemente louca para atendê-lo de graça como o primeiro e último homem do mundo, para iniciá-lo enfim nas mais inesperadas e surpreendentes formas de fornicação humana e animal. Ele ainda era guri, contam; mas foi preciso arrastá-lo à força daquele puteiro imundo, de onde não queria mais sair, onde insistia em ficar o tempo que fosse, sem arredar pé da louca Ignez.

 

Faz muito, muito tempo. Seria de se pensar que tudo aquilo poderia ser esquecido, que nunca mais seria lembrado, que nunca seria revelado (como nunca foi revelado à minha avó, para não se somar como mais um desgosto no rosário de desgostos em que ela rezaria a vida inteira pela salvação da alma de seu pobre filho, meu tio). Assim, o esquecimento, a deslembrança, o segredo acabaram borrando o suceder da vida de meu tio desde antes que eu tivesse nascido. De modo que fica difícil agora rememorar o olvidado. Restou durante algum tempo a rejeitada máquina de escrever; resta comigo o instigante e maravilhoso aparelho que acompanhou meu tio a vida inteira como se fosse coisa de mentira; e já não resta mais nada que possa ser lembrado.

 

Esqueceu-se tanta coisa vista que aquele aparelho quase se perdeu no tempo e, para muitos, é ou foi como se não houvesse existido; mas, sendo um velho objeto que servia para ver as coisas como foram ou deveriam ser, não se pode dizer que era de mentira – pois só o que se via, isso era mentira (não propriamente mentira, mas sim umas figuras, umas imagens, umas estampas caprichosamente coloridas pelo avesso, devidamente emolduradas sob rubrica francesa como “tableaux vivants” e que, postas diante de nossos olhos deslumbrados, revelavam-se imediatamente como se nunca tivessem deixado de ser o que deveriam ser e eram de verdade).


Les vues stéréoscopiques

Meu tio era como um quarto de século mais velho do que eu; e desde pequeno fora capaz de ultrajes, profanações e sacrilégios. Uma vez, chegara ao confessionário da Matriz e dissera ao padre, de maneira a ser ouvido pelas beatas em volta: não me arrependo de ser pecador – sabe? –; e, por isso, não me importo de te mandar daqui mesmo pra puta que te pariu. Antes havia metido a mão por baixo do vestido de veludo da Virgem – e descobrira, aos berros, que a santa era só uma armação de madeira por dentro, com pés, cabeça e mãos de louça! E desde muito vinha mastigando hóstias, mantendo-as na boca mastigadas, trazendo-as mastigadas para casa, num lenço – e rindo com naturalidade daquilo.

 

Pois um dia meu tio fora a Porto Alegre fazer concurso para calígrafo da polícia. Como o convenceram disso, não sei; como também não sei bem se viajou no vapor Juncal ou no Jenny Naval, se minha avó deu-lhe dinheiro bastante e se ele levou consigo o mágico estereoscópio e suas vistas – os seus quadros vivos. O certo é que foi a Porto Alegre aparentemente com uma única finalidade: a de fazer concurso para calígrafo da polícia civil.

Les tableaux vivants


Os quadros vivos eram montados em molduras de cartão grosso, com duas figuras aparentemente iguais postas lado a lado, num retângulo de uns 9 x 18 cm, coloridas e sombreadas manualmente pelo reverso, em diferentes camadas de papel de seda muito fino e transparente, de maneira tal que observadas através de um visor binocular, contra a luz, davam a impressão e per-mitiam a ilusão de uma única imagem, apresentando relevo e profundidade.Ainda tenho comigo apenas e exatamente trinta dessas vistas, das muitas dezenas que pas-savam pelo visor, uma a uma, e a cada vez reviviam-se ante nossos olhos e nossa imaginação. Já não sobra quase nada das coleções de dúzias e dúzias delas, que foram se extraviando, se extraviando, e se perderam definitivamente no esquecimento. Também ainda tenho comigo a surpreendente caixa do estereoscópio: ela permanece fechada – ao lado do montezinho de vistas desusadas, presas entre si por um elástico – sem abrir-se e desencantar-se, avolumando-se sobre si mesma num prodigioso aparelho; tem só um palmo de comprimento por meio de largura, com guarnição de prata lavrada nos quatro cantos da tampa, fecho igualmente de prata, com um aplique posto no centro, talvez para a gravação do monograma do proprietário (mas sem qualquer inscrição).


Porto Alegre, 1929


Meu tio fez concurso para calígrafo da polícia numa quinta-feira à tarde (chegara três dias antes, depois de dois de viagem num vapor desde Jaguarão). Havia mais onze candidatos numa sala escura fedendo a creolina, onde foram dispostas doze largas classes escolares duplas, com tinteiro embutido – ficando cada um numa classe, fazendo-se ditado de duas páginas de um detalhado inquérito policial; e, depois, dispondo-se de até uma hora para copiar o maior trecho, com o menor número de erros e a letra mais parelha possível do Canto III de “Os Lusíadas”.


Agora tu, Calíope, me ensina

o que contou ao Rei o ilustre Gama


Desde a chegada, meu tio metera-se em Porto Alegre nos puteiros da Pantaleão Telles, ruela que se espremia pelo costado da Matriz em direção à velha ponte de pedra, lá embaixo. Embora estivesse ali com a única finalidade de fazer concurso para calígrafo da polícia; e, embora eu não seja capaz de afirmar que ele tenha levado e utilizado o estereoscópio, duvido que não o aproveitasse para impressionar e empolgar as mulheres, acionando-o com indispensáveis gestos estudados tanto de precisão como de encantamento – e as imagino cercando-o, atraídas pela maquina mágica, surpresas e curiosas, arrepiando-se alvorotadas com suas inimagináveis figuras como dos mais longínquos lugares desconhecidos e perdidos do mundo ou do outro mundo – os mais distantes e exóticos lugares sabe lá de onde, seus mais importantes e fantásticos e inacreditáveis monumentos, suas mais sangrentas e famosas e inimagináveis batalhas...


Esta é a ditosa pátria minha amada

à qual se o Céu me dá que eu sem perigo torne,

com esta empresa já acabada,

acabe-se esta luz ali comigo.


Então meu tio tirava de sua mala de papelão moldado a caixa do estereoscópio, a surpreendente caixa do estereoscópio abrindo-se e desencantando-se, avolumando-se sobre ela mesma no prodigioso aparelho que ainda guardo comigo. E apresentava às putas em volta os “tableaux vivants” que, postos diante de seus olhos deslumbrados, através da mágica binocular contra a luz, revelavam-se imediatamente como se nunca tivessem deixado de ser o que deveriam ser e eram de verdade: mulheres desnudas, de rostos insinuantes e cabelos insolentes, de largas cadeiras e generosos seios, em poses sensuais e gestos lúbricos, a exporem despudoradamente suas partes íntimas diante de um cenário onírico dominado pela perspectiva infinita de colunas e mais colunas quebradas sob seus respectivos capitéis.

 

 

 

 

 

 

Cada uma das mulheres do prostíbulo precisava então se despir toda e tentar repetir da melhor maneira que pudesse o mesmo gesto obsceno e provocador daquela que ela estava vendo pelo aparelho (isso tudo eu só imagino agora, pelo que sei que contavam e diziam de meu tio, e pelo que penso do que ele seria capaz – pois, infelizmente, não me restaram entre as “vues stéréoscopiques” mais que o montezinho de trinta, presas entre si por um elástico – nenhuma delas com ao menos a imagem de uma única mulher pelada; embora uma, extraviada como a número 3 e intitulada La Folie et l’Amour, propusesse as imagens de uma impossível mulher cor de rosa e de um provável tipo afeminado posando ambos com gestos imprecisos e cabelos dourados, entre pombas esvoaçantes ou asas de cisnes numa insuspeitada ribalta ou num improvisado picadeiro).


Meu tio dizia-se herege. Mas era desrespeitoso e ímpio, além de irreligioso, porque afrontava, insultava e ofendia quem quer que fosse, quando menos se esperava. Com um sorriso nos lábios era capaz de estragar uma festa, acabar com um velório, comprometer uma simples apresentação – fosse identificando um marido traído diante da mulher que o corneava, fosse anunciando secretas intimidades de quem estava sendo velado, fosse admitindo que não tinha prazer em conhecer quem lhe estendia a mão.


Nesta Chefatura de Polícia consta que N.N., brasileiro, pardo, de 23 anos de idade,

sem profissão fixa, residente à rua do Arvoredo, s/n,

foi identificado e compromissado nos termos constantes deste registro de investigação como depoente,

na condição de testemunha ocular da ocorrência anotada sob número 0117/29,

constante às folhas 34 e 35 do Livro de Ocorrências de numero 2-B desta Chefatura,

tendo respondido as perguntas de praxe


Meu tio fora expulso do seminário onde minha avó pretendia vê-lo transformado em padre e onde ele passava o dia lendo, lendo e contestando em aula o que fosse ante quem fosse; até comprovar-se que incluía em suas leituras os mais ten-tadores livros do index da Igreja – que manuseava às escondidas e distribuía fartamente entre os colegas (eu sei que depois, de volta a casa, ele até foi dado por doido: não tomava banho, não se arrumava, deixara a barba crescer à semelhança de Antonio Conselheiro e andava vagando pela rua arrenegado, a escarrar longe e a patear cachorros, sem cumprimentar ninguém).


1. se teve participação no ocorrido, disse que não;

2. se conhecia as pessoas envolvidas no ocorrido, disse que não;

3. se vinha passando pelo local do ocorrido, dis-se que sim;

4. se viu um homem atacando um outro com uma faca, disse que sim;

5. se sabe se era com uma faca ou facão, disse que não;

6. se sabe se a arma é a mesma que lhe foi apresentada nesta Chefatura, disse que não;

7. se chegou a ver que o agressor fugiu para um baldio, disse que sim;

8. se  sabia que a vítima resultou morta, disse que não;

9. se chegou a perseguir o agressor ou a ajudar a vítima, disse que não;

10. se ficou sabendo de algo mais no local do ocorrido, disse que não.


Não terá sido difícil para meu tio levar o estereoscópio em sua mala para Porto Alegre (o aparelho fechado, sabemos, tem só um palmo de comprimento por meio de largura, com guarnição de prata lavrada nos quatro cantos da tampa, fecho igualmente de prata, e um aplique posto no centro, mas sem qualquer inscrição). A mala de papelão moldado de meu tio, metida embaixo de muitas camas, antes e depois do concurso, terá disputado espaço com penicos cheios e panos sujos e frascos de desinfetantes (e baratas e ratos) em cada chineredo onde ele tratou de se meter a cada noite, tentando dispor de pousada e mulher, ainda que sem encontrar quem o acolhesse de graça ou lhe pagasse a despesa. Em Jaguarão era diferente: em pelo menos três dos nossos muitos puteiros, só pelo prazer do desfrute meu tio dispunha quando queria de ca-ma e mulher; uma destas, a velha e decadente louca Ignez, ainda lhe dava boa parte da féria do dia, para os vícios.


Ignez

 

Ignez da Silva Berneira

 


Meu avô bem que tentara colocar meu tio como seu ajudante no Banco Pelotense, ou de auxiliar de guarda-livros na Mesa de Rendas, ou de escriturário na Alfândega, ou de anotador na Ca-pitania dos Portos – afinal, tinha uma bela caligrafia! – mas meu tio só tinha cabeça para ler, ler e ler; e tanto no Porto como na Aduana e na Exatoria, até no Banco, deixava de fazer as devidas anotações, atrasava a escrita, trocava nomes e valores, escondendo na gaveta mais próxima o livro que mal-parava de ler. Era como se sonhasse com o mundo indizível das vistas maravilhosas.


Mas quem pode livrar-se, porventura,

dos laços que Amor arma brandamente

entre as rosas e a neve humana pura,

o ouro e o alabastro transparente?

 

O futuro padrinho de minha irmã, contudo, admirava meu tio por sua rara inteligência (aprendera francês utilizando apenas um manual de conversação, uma gramática, livros escolares e o dicionário), por suas variadas leituras (lera mais da metade da biblioteca do Clube Jaguarense), por sua boa caligrafia (copiava com letra admirável os trechos que mais lhe agradavam da melhor literatura) – e, vendo-o um dia limpo, enfim, e até falante, deu-lhe de presente a máquina de escrever que trouxera da Europa e falou-lhe em dactilografia. Meu tio, contudo, nunca acionou uma mínima tecla, nunca escreveu uma única palavra na poderosa Adler; jamais leu o manual de instruções em quatro idiomas que ensinava a manejar, lubrificar e manter limpa a imponente máquina negra.

 

q  w  e  r  t  y  u  i  o  p

a  s  d  f  g  h  j  k  l

z  x  c  v  b  n  m


Meu tio possuía uma letra magnífica: graú-da, arredondada, parelha, elegante, levemente inclinada à direita – e sempre primorosamente igual. Cada maiúscula, cada minúscula, fosse vogal, fosse consoante, abria-se e fechava-se sempre da mesma maneira nas suas correspondentes curvas e retas e no requinte de seus remates de pena. Era uma perfeição.

 

Pude constatar a excelência da letra de meu tio no dia em que arrombaram a porta do guarda-roupa do quarto do asilo de velhos em que ele morava (e morrera) e me alcançaram, além do precioso estereocópio, um amarelado caderno Vasquez de caligrafia com suas iniciais, resgatado entre roupas emboloradas e os mais triviais ou inesperados produtos comprados em Rio Branco. No guarda-roupa, havia ainda cubinhos de açúcar Rausa, pedras de anil Rekitt, duas garrafas de leite vazias (ambas de vidro verde, daquelas com boca larga e tampinha de cartão), um pacote de caixas de fósforos de cera Victoria, uma garrafa âmbar de Crush, uma lata de galletitas Cauci, um caixa de sabão Reuter, duas garrafas cheias de Malta Montevideana, uma garrafa vazia de mandarina Urreta, uma outra de pomelo Pomona, dois rolos de papel higiênico verde H-H, e uma lata de erva-mate Armiño.

Largada no chão, desprezada e sem uso, a velha máquina de escrever, coberta de pó.


Adler Werke – Frankfurt


Meu tio nunca chegara a ter um emprego decente. Sobrevivera e envelhecera fazendo de conta que não recebia uma permanente ajuda de vovó, além de parte da féria diária do prostíbulo da louca Ignez. Quando a louca morreu, fora instalado no asilo, onde teve livre a fantasia e pôde dela desfrutar como e quando queria. Jamais deixara, entretanto, de redigir com todo o capricho de sua letra impecável todas as cartas que o padrinho de minha irmã dirigia à amante que deixara no Havre e que lhe ditava seguida e pausadamente em francês (dizem até que meu tio, de posse do endereço da mulher, passara um dia a se corresponder com ela, entabulando uma ardente e paralela correspondência íntima cheia de indecente lubricidade).


Mas quem pode livrar-se, porventura,

dos laços que Amor arma brandamente

entre as rosas e a neve humana pura,

o ouro e o alabastro transparente?

Quem de uma peregrina fermosura

de um vulto de Medusa propriamente,

que o coração converte que tem preso,

em pedra não, mas em desejo aceso?


Meu tio havia permanecido em Porto Alegre o tempo que dava. Para que voltasse, fora necessário mandar-lhe um dinheiro extra – que lhe pudesse garantir a passagem de retorno no vapor e mais um dia de mínimos gastos, evitando-se que ele chegasse a melindrar dona Ercília, solteirona comadre de vovó, que vivia sozinha com seus ga-tos e suas rezas na rua Riachuelo e em cuja casa ele ameaçava meter-se, para ter onde comer e dormir – quem sabe também para espiá-la pelo buraco da fechadura, às gargalhadas, como já fizera em Jaguarão.


A. E. G.      Jaguarão

 

Depois, de volta, não houve aqui quem pudesse convencer meu tio a assumir o cargo de calígrafo da polícia.

 

Foi identificado e compromissado nos termos constantes deste registro

de investigação como depoente, na condição de testemunha ocular da ocorrência anotada

sob número tal, constante às folhas tais tais do Livro de Ocorrências, tal, tendo respondido ...
Não houve conselho que ajudasse, ameaça que intimidasse, promessa que resolvesse.
1. se teve participação no ocorrido, disse que não;

2. se conhecia as pessoas envolvidas no ocorrido, disse que não...


Meu tio fora aprovado em primeiro lugar no concurso para calígrafo da polícia.


se ficou sabendo de algo mais no local do ocorrido, disse que não.


Ele fora aprovado no concurso com mais outros quatro; e fora classificado em primeiro lugar (vovô recebera um telegrama anunciando o resultado).

 

Meu tio fora aprovado em primeiro lugar no concurso para calígrafo da polícia. Mas não quis saber de nada. Com a mesma mala de papelão moldado, com que chegara de volta de Porto Alegre, ele saiu de casa no mesmo dia em que soube o resultado do concurso. Foi-se para não voltar: preferira ficar por conta da pobre louca Ignez em seu puteiro – com a imponente e inútil máquina de escrever Adler, com as maravilhosas “vues stéréoscopiques”, com os deslumbrantes “tableaux vivants”, e como se partisse feliz com La Folie et l’Amour para os mais longínquos lugares desconhecidos e perdidos do mundo (ou do outro mundo).

 

Quem viu um olhar seguro, um gesto brando

Uma suave e angélica excelência,

Que em si está sempre as almas transformando,

Que tivesse contra ela resistência?

 

 

 

© Aldyr Garcia Schlee - "La Folie et l'Amour" - Conto, 2010

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Sábado, 11.09.10

O jardim das azaléias

 

Setembro é quando rebentam o branco e o carmesim

 




Eu, que nunca antes tive um jardim de azaléias, descubro essa felicidade de casa nova como a abelha do poema de Emily Dickinson que entra na flor e se perde em bálsamo. A memória dos livros se mistura à memória das casas…

Ainda me lembro de penar com a leitura em letras miúdas de uma edição de bolso de Crime e Castigo e de ser esmagada pela cena daquele cavalo espancado até a morte. Na época, eu morava em um apartamento escuro ou foi esse livro que escureceu tudo em volta, perfeito catalisador de uma crise de adolescência. Anos depois, com o início de uma biblioteca, um mundo inteiro se abriu com o Quarteto de Alexandria, eu deitada no sol perto de uma cerca viva e Justine desaparecendo pelas ruas sombrias em torno do forte de Kom El Dick… Mais tarde, em um escritório com vista para uma torre de igreja, o sentimento de nuvem que foi atravessar as madrugadas raptada pelos anjos de Rafael Alberti… ¡Campanas! Gira más de prisa el aire./ El mundo, con ser el mundo, en la mano de una niña/ cabe… E não esqueço, não posso esquecer, um quarto de janelas fechadas e estantes completamente vazias, poucos dias antes de uma mudança, onde li sob uma lâmpada, estremecida, o desmesurado Kadosh, de Hilda Hilst…


Os espaços se interpenetram, é de repente uma vertigem que desperta em sonho físico. Agora chega setembro, numa explosão de azaléias, eu deixo minha biblioteca e vou lá fora sentir o cheiro fêmeo da terra, o mais sedutor dos livros…

 

Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve

publicado por ardotempo às 22:45 | Comentar | Adicionar
Quinta-feira, 26.08.10

A poeta na Bienal

Mariana Ianelli na Bienal do Livro de São Paulo

 

 

 

 

A poeta Mariana Ianelli, autora de Treva Alvorada (Editora Iluminuras) presente na Bienal do Livro de São Paulo, 2010

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Domingo, 15.08.10

A separação interminável

Flores AzuisAutora: Carola Saavedra

 

José Mário Silva

 



Segundo romance de Carola Saavedra, Flores Azuis confirmou esta autora como uma das maiores revelações da ficção em língua portuguesa recente. Além de ter sido finalista do Prémio Jabuti 2009, a obra ganhou a edição do ano passado da Copa Brasileira de Literatura – um curioso torneio na Internet em que vários críticos literários decidem o resultado de duelos directos entre 16 livros. Ao triunfar na finalíssima contra Galiléia, de Ronaldo Correia de Brito, após três eliminatórias, Flores Azuis ofereceu à quase estreante uma inesperada vitória sobre autores consagrados ou em vias de consagração, como Moacyr Scliar, Milton Hatoum, Patrícia Melo, João Gilberto Noll ou Lourenço Mutarelli. O protagonista do romance é Marcos, um arquitecto falhado e em crise (separou-se da mulher e da filha de três anos), incapaz de resistir à tentação de violar correspondência alheia. Todos os dias aparece na caixa de correio do seu novo apartamento um envelope azul, dirigido ao inquilino anterior. E todos os dias ele lê o que está lá dentro: cartas de amor desesperado de uma mulher anónima (assina «A.») que tenta compreender as razões de uma «separação interminável», para a reverter.

 

A narrativa intercala as nove cartas de A. (primeira pessoa, registo torrencial, lírico e cru) com igual número de capítulos sobre o quotidiano de Marcos e o impacto crescente das estranhas missivas na sua vida (terceira pessoa, frases curtas, estilo descritivo). A estrutura é simples – como que uma revisitação pós-moderna do género epistolar – mas Carola Saavedra consegue transformá-la num mecanismo inquietante, à medida que nos arrasta para o cerne das obsessões de A., contadas de forma cada vez mais visceral e perversa, uma escrita do corpo devorado pela ausência, mas também pela memória do prazer, da dor, da entrega e da violência mais extremas. De uma carta para a seguinte, a realidade desmonta-se, repete-se, anula-se, desfaz-se, recapitula-se (voltamos à mesma discussão, contada de vários ângulos; ou à última noite que os amantes passam juntos, descrita em versões antagónicas). As peças soltas não voltam a encaixar nos mesmos sítios e a contradição assumida parece ser a única regra: «Mas agora penso, talvez esteja justamente nessa contradição, nesse espaço que surge entre o que afirmo e o que nego, entre o teu sofrimento e a tua crueldade, entre o meu sofrimento e a minha crueldade, entre o meu corpo e o teu, justamente nessa incoerência a única forma de comunicação.»

 

Em princípio, A. escreve apenas para o homem que a deixou e só para ele. A dada altura, porém, refere-se à possibilidade de um outro «leitor para estas cartas», um «personagem que recebesse estas cartas em teu lugar». E assim se anuncia o nó essencial do romance. Porque aquele leitor/personagem imaginário só pode ser Marcos, progressivamente reduzido ao «reflexo» e «avesso» de uma figura cuja intensidade o fascina, porque o transcende. Ou então é o próprio leitor de Flores Azuis, oscilando entre as dúvidas que lhe inspira a misteriosa A. e as certezas quanto ao talento da escritora que a criou.


José Mário Silva - Publicado no blog Bibliotecário de Babel

Imagem: Anel de Ralf Shinke

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Quarta-feira, 14.07.10

Homenagem a Laure Limongi

Um escritora à beira do mar

 


 

 

 

Laure Limongi, escritora e editora de Editions Léo Scheer (Paris), autora de FUNÇÃO ELVIS.

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Domingo, 20.06.10

Herói de dois mundos

Torcedor do Uruguai, criador do uniforme da Seleção Brasileira: Aldyr Garcia Schlee

 

Thaís Bilenky e Anna Virginia Balloussier

 

Dona Marlene, 75, está revoltada. Desde que conheceu seu marido, há quase 55 anos, é a mesma história: chega a Copa do Mundo e Aldyr está lá, com o coração na mão pela seleção que, em 1950, tirou do Brasil o sonho do primeiro título. Aldyr Garcia Schlee, 75, criou há 57 anos a camisa verde e amarelo da seleção - um dos mais eficientes cartões de visita brasileiros, da Palestina aos Alpes suíços. Mas ele vai torcer pelo Uruguai, como faz desde que se entende por gente. Nada de birra, garante.

 

É que Aldyr nasceu em Jaguarão, cidade do Rio Grande do Sul que faz fronteira com o país vizinho, e cresceu "escutando na rádio tangos, boleros e notícias do Uruguai". Ele morava em Pelotas (RS) quando, aos 19 anos, soube do concurso aberto pelo extinto jornal "Correio da Manhã". O desafio: dar nova cara ao uniforme da seleção brasileira, até então azul e branco.

 

O jovem Aldyr correu para comprar "umas tintas gouaches holandesas, que foram pagas em prestações por quase um ano". E começou a rabiscar. Usar as quatro cores da bandeira no uniforme era uma das exigências da CBD (Confederação Brasileira de Desportos, antepassada da CBF). Um horror para Aldyr, já que "isso, quatro cores, não é uma tradição no futebol mundial". Para driblar o regulamento, ele decidiu "despejar o azul e branco nas meias e calções". A ideia colou. Reza a lenda que o modelo repaginado serviria para tirar a zica daquela derrota para o Uruguai no Maracanã. "Não é verdade. É preciso desmentir isso", diz. "Tanto que o Brasil perdeu em 1954, na Suíça".

 

 

 

 

No dia 15 de dezembro de 1953, o "Correio da Manhã" reproduziu pela primeira vez o modelo canarinho.O vencedor recebeu convite para estagiar como ilustrador no jornal, "uma bolada que dava para comprar um carro popular" e "uma cadeira 'perpétua' no Maracanã". Pouco depois, Aldyr foi entregar sua criação aos jogadores.

 

Na vez de Zizinho, craque do Bangu, escutou o que até hoje considera "a maior definição" para o esporte."Como torcedor, encaro futebol com paixão. Mas tenho certeza de que, em épocas de amadorismo ou hiperprofissionalismo, nada mais certo do que a frase do Zizinho: 'Futebol é uma merda'".

 

Toda Copa ele faz sempre tudo igual. Com um mês de antecedência, começa a confeccionar um livrinho da Copa, uma espécie de álbum de figurinhas artesanal. Nele, registra todos os resultados, desenha a carinha dos jogadores de cada seleção e anota impressões gerais sobre o torneio. Ele e a mulher acompanharão todos os jogos - na primeira fase, são três por dia, ou 270 minutos diários de futebol.

 

Aldyr não gostou da escalação de Dunga. Mas não viu tanto problema no técnico ter deixado Neymar de lado na hora de montar a equipe. Garrincha, afinal, também ficou de fora em 1954. Quatro anos depois, deu no que deu. De 1953 para cá, Aldyr foi rebatendo todas as bolas que a vida lhe jogou. No passado, dividiu plantões de trabalho e mesas de bar com ilustres do jornalismo, de Samuel Wainer a Nelson Rodrigues. Também foi professor de direito internacional. Por conta disso, na metade dos anos 1960, virou persona non grata para a ditadura.

 

Chegou a ser banido de uma faculdade no Rio Grande do Sul por três anos, acusado de "atividades filocomunistas", segundo documento que afirma ter recebido em 1965. Tudo intriga da oposição, já que mexer com política não era a dele, garante Aldyr. Afirma, contudo, diz ter abrigado em seu apartamento de Pelotas algumas "cabeças a prêmio" do regime militar. No começo daquela década, ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (região Sul) por uma matéria, sobre combustível mineral, que entusiasmou o presidente João Goulart . A década de 1980 lhe rendeu dois prêmios na Bienal de Literatura.

 

Escritor criativo e de muita produção, Aldyr tem duas gavetas cheias de livros de sua autoria, com temas que vão de contos de futebol a uma suposta "identidade secreta uruguaia" de Carlos Gardel (Os limites do impossível - Edições ARdoTEmpo, 2009) Vive num sítio em Capão do Leão (perto de Pelotas). Numa parede da casa, a plaquinha da "Rua Uruguai". Dona Marlene nem esquenta a cabeça: prefere jogar na cara do companheiro a vitória contra o Uruguai, de 4 a 0, nas eliminatórias 2010.

 

 

Thaís Bilenky e Anna Virginia Balloussier - Publicado na Folha de São Paulo (desde Capão do Leão RS)

Imagem: Aldyr Garcia Schlee - Esboços originais da criação do uniforme da Seleção Brasileira, 1953

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Sexta-feira, 18.06.10

JOSÉ SARAMAGO

Sem palavras

 

 

 

(Ausência irreparável - 18 de junho de 2010)

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Sexta-feira, 07.05.10

Nova cidade, novo povo, novo país

A chegada da televisão em Taquara do Mundo Novo

 

Sergius Gonzaga

 

Acho que foi em 1960 porque naquele ano o leão fugido do Circo Águias Humanas, que há muito tempo vagava ameaçador por ruas e propriedades rurais, amanheceu morto no Rio da Ilha, interior do município, e, embora ninguém na cidade tivesse visto o cadáver da fera, já estávamos tão cansados do nosso próprio medo, tão fartos de dormir com as portas e as janelas fechadas, mesmo nas mais inclementes noites de verão, que resolvemos acreditar coletivamente no desaparecimento daquele animal aterrorizante. Foi como se então redescobríssemos a alegria de viver.

 

Antes disso, no fim do ano anterior, seu Trombini magnetizara Taquara, comprando o primeiro aparelho televisor da região para acompanhar a programação da recém-inaugurada tevê Piratini. E, sendo homem por demais generoso, a partir de janeiro do ano seguinte, escancarara as grandes janelas de sua casa em frente à Praça da Prefeitura, das segundas às quintas-feira, entre às 20h00 e às 21h30, permitindo que nos acotovelássemos na calçada, em meio a empurrões, tapas, gritos, risos e um sincero espanto diante daquelas imagens que procediam da tela luminosa e mágica.

 

 

Começava ali uma outra realidade, ainda subterrânea, ainda indecifrável, mas que mudaria para sempre as nossas vidas. Era uma multidão todas as noites. Algumas senhoras até levavam cadeirinhas de palha na tentativa de assistir sentadas à programação, contudo a ânsia pela visão deslumbrante que brotava na sala de seu Trombini fazia com que ninguém respeitasse o direito daquelas mulheres ao conforto de suas varizes e de seus reumatismos imemoriais.

 

Atordoado pela novidade, o público emitia comentários diversos. Havia os que celebravam a chegada do futuro.Havia também os que desconfiavam do poder maléfico daquela geringonça.

 

Dona Olga, mãe de Arnaldo Cambota, após assistir um episódio da série Lanceiros de Bengala, sintetizou a perplexidade dos taquarenses mais idosos:

 

Xô égua! Essas invenções do diabo não vão terminar bem!

 

Certa noite, em que havia pelo menos umas trinta pessoas diante das janelas da casa de seu Trombini, o Percival, escondido na praça, pôs-se a berrar:

 

Cuidado com o leão! Cuidado com o leão!

 

Em pânico, todos correram em busca de abrigo. Como um lorde infenso aos medos da plebe, Percival emergiu das sombras, caminhou até uma das janelas e ali ficou acompanhando as emoções de um páreo do Pradinho Sinimbu, em que cavalinhos mecânicos com nome de marcas de cigarro disputavam a vitória, premiando os telespectadores que houvessem enviado maços vazios dos produtos da Companhia de Fumos Sinimbu. Percebida a fraude do leão, vários taquarenses de escol tentaram espancar o Percival que fugiu dali aos gritos:

 

Meu pai também vai comprar uma tevê! Meu pai também vai comprar uma tevê!

 

Todos riram do Percival.

 

Olha aí o rato de esgoto querendo se passar por fino.

 

Sabíamos que apenas os muito ricos poderiam dar-se ao luxo de possuir um daqueles maravilhosos aparelhos eletrônicos. A nós – integrantes da remediada classe média de então – restaria somente a esperança de ser convidado para uma visita noturna à casa de algum dos poucos abonados da cidade, pois estes certamente, nos meses seguintes, também adquiririam um televisor.

 

Vários de meus amigos (e eu mesmo) chegamos a sonhar, naqueles dias, que nas salas de nossas residências, pulsava uma luz branca e fria, trazendo consigo filmes e séries emocionantes. Mas quando acordávamos, descobríamos a impossibilidade concreta desses sonhos.

 

Acho que tudo isso ocorreu efetivamente em 1960, porque naquele ano os candidatos a Presidente da República passaram por Taquara, sendo que um deles – Jânio Quadros – tinha caspa nos ombros e, antes de discursar, mordeu um sanduíche de mortadela para mostrar que era um homem simples, vulgar e confiável, como qualquer um de nós.

 

Nesse mesmo ano, surpreenderam meu colega Jacques em obscenas intimidades com uma jovem donzela nos matos do morro do Colégio Santa Terezinha; ele teve de fugir da cidade e os pais da moça a internam num convento. 1960 foi também o ano em que, ao contrário de todos os taquarense, eu chorei (secretamente) pela morte do leão fugido do circo, pois de alguma forma compreendia a solidão da fera, dividida entre o horror da jaula e a hostilidade brutal das gentes que o caçavam sem pena.

 

Mas, acima de tudo, 1960 foi o ano em que a televisão chegou à Taquara, com suas antenas escama de peixe, seus teleteatros improvisados, suas séries ingênuas, seus simplórios programas humorísticos, seus noticiosos sem imagens, seus equipamentos canhestros, suas falhas, sua modernidade imperfeita.

 

A partir daí, o velho mundo em que vivíamos, um mundo lírico e preconceituoso, educado e autoritário, frugal e arcaico, começou a desabar. O que parecia de ferro, era de areia. Séculos de tradição dissolveram-se sob nossos pés. Foi tudo muito rápido. As mensagens que vinham dos televisores em preto e branco traduziam a nascente ordem econômica industrial e solapavam valores, mentalidades e costumes, anunciando uma outra era, mais aberta, mais libertária, mais hedonista. E assim, simultaneamente, surgiam uma nova cidade, um novo povo e um novo país.

 

(Quase meio século depois, costumo visitar minha irmã, que ainda mora na antiga casa de nossos pais em Taquara do Mundo Novo. Nessas ocasiões, faço questão de sentar numa antiga poltrona marrom, e fechar os olhos e me fixar naqueles tempos de há muito perdidos. Então, como um médium em transe, ouço vozes do passado, meus irmãos correndo e gritando no pátio, o rugido do leão do circo Águias Humanas, e vejo cenas fulgurantes, uma manhã de sol na Rua Grande, um peixe que salta preso ao anzol no rio dos Sinos, e – ó velho nostálgico! – consigo ver, em meio à neblina que um dia dissolverá toda a memória, consigo ver as babosices sedutoras de Papai sabe tudo, o cinismo inocente de Bat Masterson, as carícias mornas entre John Herbert e Eva Vilma e vejo, acima de tudo, as inefáveis coxas bronzeadas de Lélia Parizotto, garota-propaganda de nosso delírio juvenil, infinita promessa de liberdade amorosa, tudo isso na telinha da tevê Piratini, Porto Alegre, canal cinco.)

 

© Sergius GonzagaEscritor, Professor de Literatura e Secretário Municipal da Cultura, Porto Alegre - OS TELEVISIONÁRIOS - Edições ARdoTEmpo

Imagem: © Gilberto Perin / Televisão Predicta Preto&Branco (Os Televisionários, 2010)

 


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Sexta-feira, 26.03.10

A próxima atração

Livro recorda os 50 anos de televisão no Rio Grande do Sul – OS TELEVISIONÁRIOS

 

Denis Gerson Simões


Em um evento digno de show internacional, com cerca de 1.000 convidados presentes, foi lançado, nesta quarta-feira, 24/05, o livro Os teleVisionários, trabalho do jornalista Walmor Bergesch, profissional que foi um dos visionários da televisão no sul do Brasil. A recepção aos convidados ocorreu no Teatro do Bourbon Shopping Country, em Porto Alegre, contando com a presença de autoridades e muitos dos personagens que construíram a história do veículo de comunicação mais popular do Rio Grande do Sul.

 

A publicação, que conta com 400 páginas de textos e 300 fotografias, faz um apanhado do transcurso da TV no passar de cinco décadas no sul do país, pincelando, também, fatos nacionais que repercutiram em âmbito regional. Mesmo não se tratando de um trabalho acadêmico, o conteúdo tem a seriedade e comprometimento de quem esteve presente nos principais acontecimentos que deram forma a este veículo em terras sulinas.

 

O prefácio é de Alexandre Garcia e conta também com participações de Luiz Fernando Veríssimo, Fabrício Carpinejar, Luís Augusto Fischer, Aldyr Garcia Schlee, Ignácio de Loyola Brandão, Claudia Tajes, Sergius Gonzaga, Gilberto Perin, entre outras personalidades.

 


Homenageando os primeiros visionários dessa epopéia, o autor, em solenidade, doou ao Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa uma placa comemorativa ao cinqüentenário da televisão no estado, tendo citados nela todos os profissionais que trabalharam na TV Piratini quando do lançamento do veículo, em 1959. Segundo Bergesch, aqueles foram os pioneiros do primeiro canal de televisão da região sul, o canal 5.


O autor realiza no livro um verdadeiro passeio pelo tempo, de modo descontraído, ao lembrar os personagens e as diversas emissoras que deram corpo a esta história.


Não ignorando a atualidade, o evento de lançamento trouxe uma projeção do futuro da televisão: as imagens em 3D. Em um telão, foram exibidos trechos de eventos captados com tecnologia de terceira dimensão, como o Planeta Atlântida 2010 e o Desfile das Escolas de Samba do Carnaval do Rio de Janeiro. Os convidados receberam óculos especiais para ter a recepção diferenciada, mas o autor de Os TeleVisionários ressaltou: "logo não será necessário o uso desses óculos". A ação não deixou de destacar o potencial midiático e tecnológico da Rede Brasil Sul (Grupo RBS) e da Rede Globo de Televisão.


O livro contou com patrocínio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Grupo CEEE e do Governo Federal, através da Lei do Mecenato do Ministério da Cultura.  Este financiamento mostra que é possível, através dos dispositivos de incentivo à cultura, buscar alternativas aos custos de lançamento de publicações pertinentes à sociedade, seja como audiovisual, seja como impresso. Bergesch acabou por marcar um acontecimento histórico que a própria mídia televisiva, figura central do cinqüentenário, acabou por ignorar. Trata-se de uma voz do mercado que passa a ser uma referência do tema, mesmo para o ambiente acadêmico, já que a questão da televisão no RS carece de maiores publicações dentro das próprias universidades gaúchas.


Denis Gerson SimõesMestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), membro do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e licenciando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

E-mail: <denis@portal25.com>.
Fontes: http://projeto.unisinos.br/cepos/ e http://projeto.unisinos.br/oddd

Imagem: Fotografia de Rafael Jacques (Na imagem, Alexandre Garcia, Chico Anysio e Walmor Bergesch)

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Domingo, 21.03.10

Conto inédito de Mariana Ianelli

 

YOLANDA

 

Mariana Ianelli

 
Uma palavra teria sido o bastante, mas veio outra, mais outra e outra ainda, então eu explodi pelos ares. Era uma bomba tão estrategicamente escondida entre baús e móveis estragados que eu já nem me preocupava. Estilhaços. Disseram-me Yolanda, depois acidente, depois hospital e, tudo o que eu mais temia, inconsciente e reanimada. Ia bater o telefone quando a última lasca voou: quarto 49. Isto é a realidade – um enorme, invisível, medonho e ultrajante sorriso de sarcasmo. O suco azedo da videira carregada de respostas. Yolanda de pés descalços, Yolanda cobrindo o corpo, ligeiramente envergonhada, Yolanda na entrada do cinema, se desculpando pela demora, Yolanda muito séria, debaixo da chuva, tempos atrás. Eu precisava ir até lá, só um completo covarde não iria. E de repente eu estava ali, parado diante da porta, de novo massacrado, contrafeito, dividido – um covarde. O homem para quem tudo que existe tem um só nome. Yolanda, quarto 49. Entrei, contornei a cama, cento e trinta batimentos por minuto, eu te olhei, eu precisava te olhar. Fomos apresentados pela primeira vez no meio de uma corja de bêbados e de velhos mal-educados, e não tínhamos mais o que fazer entre eles senão dar início à nossa própria história. Yolanda, vinte e oito anos. Agora eu te reencontro entre aparelhos de oxigênio, bolsas de soro, agulhas e ventosas, e na minha frente vejo uma garotinha recém-saída da escola, os olhos arregalados. Extirparam a tua memória, Yolanda. Deixaram do lado de cá esta mentira viva, como que uma saudação distraída para honrar o plantão de emergências, simplesmente um olá. Nada mais diz teu nome, nada, em nenhum lugar. Eu quero voltar para casa e arrebentar a lâmpada, o relógio, o copo d’água. Vê-los no chão, iguais a mim: os olhos arregalados.
 
© Mariana Ianelli
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Quarta-feira, 17.03.10

Conto inédito de Mariana Ianelli

O rabo da Salamandra
 
Mariana Ianelli
 
 
Já estivemos entre os primeiros da fila, pelo menos, é o que consta nos registros. Havia muito o que perder naquele tempo, mas quem sabia disso? Ninguém sabia. Naquele tempo é o que dizemos quando a simples tarefa de atravessar a rua se tornou um verdadeiro sacrifício, ou quando o espelho do banheiro converteu-se na vitrine de um museu pessoal de arqueologias.
 
Continuamos na fila depois de dar a meia-volta e lentamente vamos chegando à outra ponta, vencidos por um par de sapatos velhos, uma cirrose e o espanto de uma agenda telefônica cada vez mais defasada e fictícia. Nossos antigos colegas de classe bem poderiam ter permanecido naqueles bancos caquéticos, decorando o teorema de Tales, o futuro do pretérito, a Questão das Investiduras ou a estrutura molecular dos polímeros. Mas não. Existe sempre um mensageiro do sinistro que vem, não se sabe de onde, só para dizer que Ana, vocês se lembram de Ana, a campeã dos torneios de basquete?, pois então, nas últimas férias de julho ela voltava de uma viagem com a família, à noite, pela via expressa, quando um caminhão desgovernado simplesmente; e o Gordo, vocês se lembram dele?, pois não foi que o coitado teve um surto, sozinho num sítio lá onde o mundo faz a curva e, sabem como é, de repente o desespero, o vazio por todo lado, a ronda do caipora, as ratazanas, as serpentes, o mato gritando noite adentro e aquela irresistível espingarda na parede. De quando em quando também chegam notícias dos que deram certo e conservaram os dentes fortes, a cabeça razoavelmente lúcida e o sangue, apesar dos pesares, limpo. Entre eles, o Toninho, que nós já desconfiávamos, finalmente ali, na capa de uma revista, com seu rosto lânguido de Psiquê enrolado num manto de caxemira; ou ainda, as famosas pernas do colégio, que de um dia para o outro começaram a desfilar pelos corredores de uma clínica de estética, atendendo a madames e falsas atrizes.
 
Assim vamos passando, nós, montículos de areia no funil de uma ampulheta depois de amanhã mais cheia embaixo do que em cima. Com os pés enfiados nos chinelos, vamos até a mesa da cozinha e invadimos as novas páginas da História para ver quem são agora os vanguardistas, os milhões de meninos e meninas se acotovelando no início da fila. São eles que nos empurram adiante, que sacodem o rabo da salamandra, estas crianças de mãozinhas estendidas, cheias de barro e de fuligem, estas caras alarmadas, esculpidas pela fome e estas patas mansas de filhotes instruídos pela hedionda estupidez televisiva. E nós amamos, nós aprendemos a amar uma geração nascida da loucura e do sublime, que ainda insiste na esperança, quem sabe se por ignorância ou por delírio, e que oferece à roleta do jogo a própria vida, como antes nós arriscamos e perdemos a nossa aposta em um Deus impossível.

 

© Mariana Ianelli 

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Sexta-feira, 26.02.10

Bonecos falam, cantam, agem corporativamente...

Ventríloquo

 

 

 

Veja o vídeo de Tom WaitsBlow Wind Blow

 

 
"...esa formidable mutación fractal de novela-en-cuentos que es Una casa para siempre"
(Rodrigo Fresán, Letras Libres)
 
En el capítulo La fuga en camisa de este libro se incluye un relato con este mismo nombre, La fuga en camisa, que es una leyenda jasídica que al parecer fascinaba a Franz Kafka. La leyenda dice así:
 
      "Se narra que en un poblado jasídico una noche, al final del Shabat, los judíos estaban sentados en una mísera casa. Eran todos del lugar, salvo uno, a quien nadie conocía, hombre particularmente mísero, harapiento, que permanecía acuclillado en un ángulo oscuro.
      La conversación había tratado sobre los más diversos temas. De pronto alguien planteó la pregunta sobre cuál sería el deseo que cada uno habría formulado si hubiese podido satisfacerlo. Uno quería dinero, el otro un yerno, el tercero un nuevo banco de carpintería, y así a lo largo del círculo.
      Después que todos hubieron hablado, quedaba aún el mendigo en su rincón oscuro. De mala gana y vacilando respondió a la pregunta.
      Dijo: “Quisiera ser un rey poderoso y reinar en un vasto país, y hallarme una noche durmiendo en mi palacio y que desde las fronteras irrumpiese el enemigo y que antes del amanecer los caballeros estuviesen frente a mi castillo y que no hubiera resistencia y que yo, despertado por el terror, sin tiempo siquiera para vestirme, hubiese tenido que emprender la fuga en camisa y que, perseguido por montes y valles, por bosques y colinas, sin dormir ni descansar, hubiera llegado sano y salvo hasta este rincón. Eso querría”.
      Los otros se miraron desconcertados. “Y ¿qué hubieras ganado con ese deseo?”, preguntó uno de ellos. “Una camisa”, fue la respuesta."
 
Blow Wind Blow
 
Ya hemos visto antes, hablando de fados, que la música es otro de sus intereses. ¿Podemos decir que tiene una influencia relevante en su escritura?
 
Recuerdo que mientras escribía Una casa para siempre estuve oyendo días y días, obsesiva-mente, una canción de Tom Waits [Blow wind blow] que creía que tenía que ver con un ventrílocuo, porque en el videoclip aparecía uno. Fuera verdad o no, yo quería que el tono de la canción fuera el del libro; la utilicé como fondo permanente para que el libro tuviera unidad...” 
 
Enrique Vila-Matas
Imagem: Boneco marionete de Antônio Carlos Sena

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Sábado, 13.02.10

Para literatura de verdade, publicada em 2009

Inscrições Abertas

 

Estão abertas as inscrições para a oitava edição do Prémio Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, que contempla romance, conto, poesia, crónica, dramaturgia e autobiografia, escritos em língua portuguesa e publicados no Brasil em 2009. Os autores ou editores já podem inscrever os seus livros no site www.premioportugaltelecom.com.br até dia 7 de Março de 2010. Os livros com primeira edição fora do Brasil devem ter sido editados no país de origem entre o dia 1 de Janeiro de 2006 e 31 de Dezembro de 2009.

 

 

O Prémio Portugal Telecom 2010 conta com uma curadoria formada por Benjamin Abdala Jr., Leyla Perrone-Moisés e Manuel da Costa Pinto, com coordenação da consultora literária da Portugal Telecom, Selma Caetano.
 
Publicado por Isabel Coutinho, no blog Ciberescritas

 

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Segunda-feira, 04.01.10

O imitador de vozes

Literatura além da morte
 
Mariana Ianelli
 
Em conversa com o jornalista Kurt Hoffman pouco antes de sua morte, Thomas Bernhard comentava que “a vida é um sucessão de disparates, coisas com pouco sentido, mas quase só disparates”. Essa constatação do absurdo, que a nenhum destino conduz senão ao fim, marcou tanto a linguagem como a existência deste escritor considerado um dos mais polêmicos e inovadores da literatura austríaca moderna. 
 
Convém lembrar a epígrafe de Pascal que o autor escolheu para encabeçar seu relato “A respiração”, publicado em 1978: “Incapazes de superar a morte, a miséria e a ignorância, os homens, para serem felizes, concordam em não pensar no assunto”. O texto, autobiográfico, narra a experiência assombrosa de Bernhard aos 18 anos, hospitalizado por conta de uma doença grave nos pulmões que o levou a receber a extrema-unção. Tendo, portanto, sobrevivido à própria morte, Bernhard pôde, desde muito jovem, enfrentar o assunto em sua obra literária com legítima intimidade e ironia.
 
Datam da mesma época de “A respiração” as histórias do livro “O imitador de vozes”, lançado apenas agora no Brasil. Ali se concentram alguns dos temas mais caros a Thomas Bernhard, como suicídios e catástrofes, em cenários igualmente familiares ao escritor, como manicômios e asilos. Conhecido por sua linguagem copiosa e estilo musical, Bernhard, neste livro, de fase anterior aos seus romances mais célebres, investe em relatos breves, num tom de impessoalidade jornalística, exibindo a miséria e a loucura que, para além do ramerrão dos acontecimentos, fazem do absurdo o melhor sinônimo da vida. 
 
Os personagens dessas histórias são filósofos, professores, atores, funcionários públicos, camponeses, lenhadores, todos náufragos de um organismo político e social que os asfixia a ponto de um colapso repentino. A reincidência temática de eventos trágicos encontra seu paralelo sintático na repetição de frases tão peculiar à escrita de Thomas Bernhard. Os relatos têm quase sempre como paisagem de fundo a neve dos Alpes, e a Áustria, que viria a ser o alvo das arremetidas do escritor em “Extinção”, já se mostra ali seu foco predileto de denúncia ao desprezo das instituições por intelectuais e artistas.
 
Nascido na Holanda mas criado na Áustria, especialmente pelo avô materno, escritor, que o iniciou no “grande gosto pelo pensamento anarquista” e que o “salvou do embotamento”, como diz sobre sua infância, no livro “Origem”, Thomas Bernhard aprendeu desde cedo a odiar o Estado, a Igreja Católica, a escola, a burguesia, tudo o que, segundo os ensinamentos do avô, colabora para a aniquilação do ser humano. Filho ilegítimo, educado em um internato nacional-socialista, doente dos pulmões, Bernhard parece sempre ter se havido com sua condição de deslocado, inclusive do próprio meio literário, cujas rivalidades e oportunismos o horrorizavam. Uma espécie de compensação, o suicídio era uma possibilidade permanentemente disponível de se livrar do mundo caso necessário, e esse pensamento, tão natural ao escritor, entre outras lições incutidas pelo avô, jamais o abandonou.
 
Na galeria de personagens de “O imitador de vozes” sobejam, pois, os suicidas, dos bem-sucedidos aos fracassados, aqueles que desistem de si mesmos e continuam vivendo como fantasmas. Em “Alheamento”, um marceneiro que escreve poemas afoga-se “motivado pelo desespero com a falta de reconhecimento”; em “Dois bilhetes”, um bibliotecário da Universidade de Salzburgo enforca-se deixando em um bilhete a explicação de que “não aguentava mais ordenar e emprestar livros que só haviam sido escritos para causar desgraça”. Isso apenas para citar dois dentre vários relatos do livro que abordam o tema, cada um com requinte próprio. 
 
Vale destacar ainda o relato “O príncipe”, em que Bernhard conta a história do tio suicida de uma princesa, morto no dia de seu quinquagésimo primeiro aniversário, por “ser da opinião de que precisar viver cinquenta anos neste mundo, sem, em última instância, ter sido consultado, era mais que suficiente para um ser pensante. Quem seguia vivendo além disso demonstrava deficiência ou da mente ou do caráter”. O escritor retomará adiante sua “teoria dos cinquenta” no romance “O Náufrago”, na voz do personagem Wertheimer. Curiosamente, embora tenha escapado ao suicídio, Thomas Bernhard morreu três dias após completar 58 anos de idade.
 
Outro aspecto interessante em “O imitador de vozes” é a tênue linha entre o absurdo e o fantástico, como na história da ossada de um homem de dois metros e setenta e quatro centímetros de altura, encontrada em um cemitério de Elixhausen, ou de gritos que se ouvem em um desfiladeiro, de escolares que ali despencaram há quinze anos. Desolação e morbidez se condensam neste livro, e toda ruína ou sentimento de abandono assume aqui proporções descomunais, à semelhança do gigante de Elixhausen. É o caso do relato intitulado “O agricultor aposentado”, em que o personagem, um velho solitário e inválido, em pleno inverno na Alta Áustria, queima sua perna de pau na lareira para tentar esquentar-se.
 
Como dizia Bernhard a Kurt Hoffman, podem-se fazer “dúzias de Bernhards. Pode-se fazer um dramático, um trágico, um mentiroso, um asqueroso, um divertido, como se quiser”, a partir de uma só entrevista. O mesmo acontece a partir de um texto crítico. Exemplo disso é que, embora exista um Bernhard sem dúvida sombrio e corrosivo em “O imitador de vozes”, também ali há um Bernhard sensível aos talentos massacrados de sua época, cúmplice da grande arte e zeloso da amizade, igual àquele que homenageou seu amigo Paul em “O sobrinho de Wittgenstein”. Este é o Bernhard que aparece em um dos últimos relatos do livro, “Em Roma”, um elogio do escritor à poeta austríaca Ingeborg Bachmann, que, como ele, “encontrou muito cedo a entrada para o inferno e nele penetrou sob pena de, nesse inferno, perecer cedo demais”. 
 
Se, entre a vida e a morte, o jovem Bernhard escolheu a vida, diante da possibilidade de silêncio em resposta ao desprezo alheio, sua opção foi pela escrita. Hoje, sua obra literária revida à indiferença e ao abandono exatamente como canta a poesia de Ingeborg Bachmann: “Com o soluço impuro, / com o desespero / (e eu desespero ainda com o desespero) / por tanta miséria, / pelo estado do doente, pelo custo de vida, / sobreviverei”.
 
 
 © Mariana Ianelli  (São Paulo) 2009
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Quinta-feira, 31.12.09

Saída de cena no Da Literatura

Uma pena

 

Uma pena a saída de João Paulo Sousa do blog Da Literatura. Importante encontrar ali rotineiramente o seu pensamento agudo e sábio sobre o universo da literatura. Escreveu ali criticamente sobre vários autores brasileiros, auxiliou na sua difusão entre tantos e indicou-nos, didático, outros magníficos talentos da lingua portuguesa. Nessas descobertas, aprendemos a selecionar os melhores para ler e agradecemos a João Paulo pelo esforço dedicado e pela honestidade intelectual.Terá seus motivos, que serão respeitáveis, mas o mais desconfortável deles é a sua afirmativa do cansaço, porque significa que não o encontraremos noutro blog. O que será uma lástima porque perderemos o contato com sua letra e seu pensamento. Ao autor de O Mundo Sólido, excelente romance de linguagem e forma singular, a nossa saudação e o desejo de um ótimo 2010 com novas realizações, novos textos e o lançamento de um novo livro. 

 

Da Literatura é um excelente blog e conseguiu sê-lo pelas presenças diárias de Eduardo Pitta e até o dia de hoje, João Paulo Sousa. Uma pena sua ausência para 2010.

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Domingo, 29.11.09

Só para lembrar, o Brasil fica na América Latina

El triunfo de la diversidad
 
Alberto Manguel
 
Las definiciones literarias se hacen siempre a posteriori. Para poder definir, con una lista de libros, un continente entero, es necesario primero presuponer una definición de ese continente. Algunos ejemplos: para quien América Latina es un mundo conquistado, sometido y explotado, el Popol Vuh de los mayas, la Brevísima historia de la destrucción de las Indias de Fray Bartolomé de Las Casas y la vasta literatura indigenista de José María Arguedas, Ciro Alegría y sus discípulos serán publicaciones esenciales.
 
Para quienes vean en esa América un crisol en el que la cultura de lengua castellana forjó su segundo renacimiento, libros imprescindibles serán la renovadora Gramática de Andrés Bello, la lírica de Rubén Darío, el barroco cubano de Lezama Lima y de Severo Sarduy, y la novela cuyo autor es el lector: Rayuela, de Julio Cortázar. Para los extranjeros que, como Virginia Woolf, imaginen esas "tierras lejanas" como "una selva mágica llena de mariposas azules", las obras que confirmarán esa visión serán las novelas del mal llamado "realismo mágico" y la ficción metafísica del Río de la Plata. Finalmente, para quienes América Latina es emblema de una mesiánica revolución social, la biblioteca definitiva deberá contener los escritos de Simón Bolívar, del Che Guevara, de Rigoberta Menchú, y el Nunca más, la compilación de testimonios contra la dictadura militar argentina, que se publicó bajo la valiente dirección de Ernesto Sábato. Ninguna de estas obras aparece en la selección final (salvo, como era previsible, Cien años de soledad, obra, por cierto, definitiva en más de un sentido).
 
Es obvio que nadie, razonablemente, puede objetar la presencia de Gabriel García Márquez, Juan Rulfo, Eduardo Galeano, Octavio Paz y Mario Vargas Llosa en este quinteto triunfador. Pero es obvio también que a este Parnaso, declarado summa cum laude para América Latina, le faltan temas esenciales: la poesía, el ensayo político y filosófico, el teatro, el diario de viaje, el texto humorístico, las dictaduras noveladas, el relato policial contemporáneo, el nuevo periodismo y, misteriosamente, las voces de mujeres.
 
Definir América Latina sin Pablo Neruda y sin César Vallejo, sin Ariel de José Enrique Rodó u Otras inquisiciones de Jorge Luis Borges, sin las obras de Florencio Sánchez y Griselda Gambaro, sin los Viajes de Cristóbal Colón y Una excursión a los indios ranqueles de Lucio V. Mansilla, sin las desopilantes personajes de Manuel Puig, y Concolorcorvo, y Quino, sin Yo el Supremo de Augusto Roa Bastos y La muerte de Artemio Cruz de Carlos Fuentes, sin Rosaura a las diez de Marco Denevi y las sangrientas sagas de Paco Ignacio Taibo II, sin las crónicas de Tomás Eloy Martínez, Martín Caparrós y William Ospina, y, sobre todo, sin los escritos de Sor Juana Inés de la Cruz, Gabriela Mistral (¡hélas!, como dijo André Gide de Victor Hugo), las hermanas Victoria y Silvina Ocampo, la o el anónimo redactor de las "memorias" de Evita Perón, sin Elena Garro, Rosario Castellanos, Juana de Ibarbourou e Ida Vitale (con moderación), y Alejandra Pizarnik, me parece una empresa, si no injusta, al menos incompleta.
 
Pero quizá ésa sea su virtud. Los cinco libros elegidos para resumir el vasto continente, en lugar de condensarlo, lo extienden, obligándonos a recordar otras lecturas. Nos ofrecen, por decirlo así, una definición in ausentia de la inconmensurable biblioteca latinoamericana. -
 
Alberto Manguel - Publicado em El País
 
PS: Falar de literatura latino-americana, ser apenas monoglota e deixar de citar Machado de Assis, Guimarães Rosa, Aldyr Garcia Schlee, Erico Verissimo, Jorge Amado, Clarice Lispector, Mariana Ianelli, João Ubaldo Ribeiro, Cristovão Tezza, Adélia Prado, Luiz Ruffato e Ignácio de Loyola Brandão é algo que se possa justificar? (ARdoTEmpo)
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Domingo, 01.11.09

Novo Livro de Aldyr Garcia Schlee

LANÇAMENTO

 

Os limites do impossível
 
 
A 24 de junho de 1935, Carlos Gardel morreu carbonizado, vítima de um misterioso e até hoje inexplicado desastre aéreo ocorrido dez minutos depois das quinze horas daquele dia, no aeroporto de Medellín, na Colômbia.
 
Só um passageiro sobreviveu ileso ao trágico acidente: foi um tal Flynn, que no momento da decolagem sentara-se junto à porta ainda destrancada do trimotor F-31 onde estava Gardel; e, vendo que o seu avião se projetava sobre outro, parado na pista, surpreendentemente atirou-se da aeronave em movimento, conseguindo escapar com vida.
 
Isso foi presenciado pelas pessoas que estavam no aeródromo e que, aterrorizadas, quase no mesmo instante viram o pavoroso choque, o estatelar-se dos aviões; ouviram o estrondear, a explosão espantosa; e já não puderam se aproximar do fogo, do aterrador fogaréu que se seguiu − queimando e queimando tudo lentamente, irremediavelmente, até que se dissipasse a fumaça, até que se pudessem ver os cadáveres calcinados espalhados pelo chão, enquanto prevalecia no ar o cheiro, o repulsivo cheiro dos queimados, o horripilante cheiro de carne humana torrada pelas labaredas.
 
De Carlos Gardel sobrariam uns dois ou três mínimos objetos; algumas moedas de ouro; e, apenas chamuscado, o seu passaporte, com a indicação do nome do cantor e a seguinte anotação:
 
Nacido en Tacuarembó
......................... Uruguay
 
Flynn nunca mais foi visto. E jamais se teve uma explicação para o acontecido. 
 
Para o nascimento de Carlos Gardel em Tacuarembó, mais precisamente na Estância Santa Blanca, em Valle Edén, há muitas explicações.
 
Os contos deste livro transitam por algumas dessas explicações − imaginando e inventando como tudo terá acontecido − de forma a alcançar uma realidade ficcional que se proponha verdadeira à percepção do leitor. Assim, qualquer semelhança entre os fatos aqui narrados e algo que tenha realmente ocorrido ou deixado de ocorrer não será apenas mera coincidência:
será a prova de que a realidade muitas vezes vai além dos recursos da ficção, alimentando-se do improvável e do inacreditável para chegar ao impossível − que nossa fantasia, geralmente, não consegue alcançar ou frequentar.
 
Aqui enfrentamos os limites do impossível.
 
 
     
 
 
Os limites do impossível - Contos gardelianos
© Aldyr Garcia Schlee
Livro de contos - 204 páginas - 2009
Capas: imagens fotográficas de Mário Castello
ISBN nº 978-85-62984-00-6

Edições ARdoTEmpo 

 

 

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A fumaça azul de um havana diz a paz

Havana para um Infante defunto
 
João Ventura
 
 
Há em Havana uma rua, a 23, que desce para o mar. Talvez, por isso, o troço final que desemboca no Malecón se chame La Rampa. Desci essa rua que mergulha no mar muito antes de alguma vez ter ido a Havana e de ter sentido o aroma achocolatado dos charutos cubanos. Subi-a e desci-a vezes sem conta em Três Tristes Tigres, de Guillermo Cabrera Infante. E, depois, em Havana para um Infante Defunto, espécie de crónica pessoal de uma Havana pobre, carregada de sons, de intersecções. E, a partir daí, desde La Rampa, perdi-me na Havana dos anos cinquenta, no labirinto sonoro de rumbas e son, do rum Bacardi e dos charutos habanos. Uma Havana nocturna, insular, «com os seus cafés ao ar livre, cheios de novidade, e as suas inusitadas orquestras de mulheres que amenizavam os cafés do Paseo del Prado».
 
Quando alguns anos depois visitei a cidade, Havana já não era a Lost City do filme de Andy Garcia, baseado no romance Três Tristes Tigres que ontem, revisitei como quem regressa a uma cidade desaparecida. Ao descer La Rampa, e depois caminhar a pé ao longo do Malecón até ao Centro, num começo de uma noite quente de Verão tropical, amenizada por uma brisa refrescante vinda da vizinha corrente do Golfo, foi ainda a cidade nocturna fundada por Cabrera Infante que atravessei. Ali estava, pelo menos eu via-a assim, a mesma cidade reflectida na patine luminosa dos edifícios recuperados do Centro Histórico. Via-a, ainda, no contacto caloroso das pessoas, na sensualidade imediata dos corpos, no perfume adocicado dos charutos, na música omnipresente nos bares e cafés de Habana Vieja. Reencontrei-a, também, em algum imaginário e em alguma iconografia que moldaram a minha juventude. Paradoxalmente, Cabrera Infante já não veria, se ali estivesse, a mesma Havana que eu via, porque aqueles elementos dispersos que agora eu ia recuperando, pertenciam a uma certa mitografia de uma felicidade talvez mais sentida pelos estrangeiros do que pelos cubanos, à qual juntaria, depois, algumas imagens de uma decadência de charme.
 
Três Tristes Tigres, que Cabrera Infante começou a escrever ainda em Cuba, antes de se exilar, é uma homenagem a uma Havana sem tempo à qual ele não mais regressou, por culpa de um rancor quase irracional que marcou até ao final da sua vida a sua relação com o Estado cubano. Assim se compreenderá a amarga ironia que atravessa os seus livros. Trágica dissidência que o tornou ausente de uma cidade que foi sempre o centro festivo dos seus livros. E, talvez, nem ele nem Havana merecessem esse afastamento, pois cópias clandestinas de Três Tristes Tigres sempre circularam em Cuba, formando gerações de escritores, não obstante a opinião injusta e pouco amável de Cabrera Infante sobre os escritores que não abandonaram a ilha. A ausência preencheu-a Cabrera Infante regressando sempre aos mesmos temas com uma nostalgia feroz: a Havana dos anos quarenta e cinquenta, as mulheres, a música, o cinema.
 
O primeiro sinal de fumo de Cabrera Infante encontrei-o em Três Tristes Tigres: «O charuto [...] aceso é outra fénix: quando parece apagado, morto, a vida do fogo surge entre as suas cinzas». Em Havana, quando fumei o meu primeiro charuto, no bar do Hotel Ambos Mundos, onde viveu Hemingway, juntando assim mais um elemento à tal mitografia da felicidade, ainda não tinha lido o que Cabrera Infante escrevera sobre o prazer de fumar: «Llamo felicidad a sentarme solo en el lobby de un viejo hotel después de una cena tardía, cuando se han apagado las luces de la entrada y solamente se distingue, desde mi cómoda butaca, al portero en su vigilia. Es entonces cuando fumo mi puro en paz, tranquilo en la oscuridad: lo que fue antaño una hoguera, transformado ahora en las ascuas civilizadas que relucen en la noche como el faro del alma».
 
Puro Humo conta a história da relação entre o cinema e o fumo. Porque para Cabrera Infante, sabemo-lo desde Havana para um Infante Defunto, os filmes são feitos de sonhos. Como os puros. Por isso, em Puro Humo viagja-se de Cuba para o cinema, reacendendo na memória do leitor-espectador um certo voyeurismo: um cigarro lânguido nos lábios de Marlene Dietrich, uma beata rude entre o indicador e o polegar de Bogart, o universo opaco de maldade nos clássicos negros como A Dama de Shanghai ou A Sede do Mal. Também outras páginas que exalam o mais puro fumo literário, com referências a Daniel Dafoe, Edgar Poe, Conrad, Stevenson, Dickens, Mallarmé, Lewis Carrol, Conan Doyle, Raymond Chandler, Hemingway, Jack London, Lorca, Lezama Lima… – e J. M. Barrie – autor, talvez, do mais belo título de todos os livros que fumam: My Lady Nicotine. Pura literatura, portanto, que se esfuma e perfuma como um puro fumado em Havana. Como uma paixão consumida.
 
 
 
 
João Ventura - Publicado no blog O leitor sem qualidades

 

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Terça-feira, 27.10.09

Os limites do impossível - Aldyr Garcia Schlee

Os contos gardelianos

 

Pré-lançamento: 55ª Feira do Livro de Porto Alegre

Dia 10 de novembro - 19h30 / Praça de autógrafos (terça-feira)

Praça da Alfândega s/nº - Centro - Porto Alegre RS

 

Apresentação: Palavraria

Dia 19 de dezembro - 19h (sábado)

Rua Vasco da Gama, nº 165 - Bom Fim - Porto Alegre RS

(51) 32 68 42 60 

 

Apresentação: Instituto Simões Lopes Neto

Dia 05 de dezembro - 21h / Noite Branca (sábado)

Rua D. Pedro II, nº 810  - Pelotas RS

(53) 30 27 18 65

 

 

 

Un compatriota nada disimulado” 

 
No dia 11 de outubro de 1991, por ocasião do lançamento em Montevidéu do livro de Aldyr Garcia Schlee, El dia em que el Papa fue a Melo, o poeta maior do Uruguai, Washington Benavides – nascido em Tacuarembó (como Carlos Gardel) – apresentou o escritor de Jaguarão–Yaguarón como “Un compatriota nada disimulado”, dizendo entre outras coisas o seguinte:
 
No tendríamos que agregar accidente alguno para saber a qué atenernos con este fronterizo doblemente fronterizo. Porque Aldyr es el bizantinismo mayor; mayor que aquello de

¿dónde comienza el mar, dónde la playa?
¿cuándo comienzas a salir del bosque?
¿ésta hora es la hora pasada o la presente o la futura?
¿Aldyr es fronterizo con Brasil?
¿Aldyr es fronterizo con Uruguay?

Eh, Aldyr: ¿y qué importa –nos dirás– la línea divisoria? Lo único que importa en esta vida es encontrar un sitio mágico (el Aleph), donde ocurrieron, ocurren y ocurrirán siempre “pendencias, batallas, desafíos, heridas, requiebros, amores, tormentas y disparates” posibles y imposibles.

Eh, Aldyr: cuénteme un cuento. Pero que sea lindo y feo “como la vida”.
 
Washington  Benavides
                    
 
Aldyr Garcia Schlee
 
Desenhista e jornalista premiado nacionalmente. Professor universitário nas áreas de ciências  humanas e literatura. Ensaísta, tradutor e ficcionista. Autor de seis livros de contos – Contos de sempre, Linha divisória, Uma terra só, O dia em que o Papa foi a Melo, Contos de Futebol e Contos de verdades – além de Os limites do impossível. Vencedor duas vezes da Bienal de Literatura Brasileira (1982, 1984) e três vezes do Prêmio Açorianos de Literatura (1997, 1998 e 2001).
 
Os limites do impossível - Contos gardelianos
© Aldyr Garcia Schlee
Livro de contos - 204 páginas - 2009
Edições ARdoTEmpo
 
Imagem: Antonio Segui - " Te fuiste sin que nos diéramos cuenta" - Pintura - Carvão, lápis e pastel, sobre tela (Montevidéu, Uruguay), 1977
 
 

 

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Domingo, 25.10.09

Poema (Mariana Ianelli / Inédito)

Vibrações
 
  
O prazer que te dão as chuvas
Porque derrubam sem chance de luta
As árvores centenárias, os muros, 
Um templo com sua esfarrapada figura,
Um pouco é sonho, um pouco insulto
Da tua resistência ao rés do absurdo
Viver quarenta noites no dilúvio
Atado a uma cama, o corpo no escuro
Ao abrigo de uma mente lúcida.
 
O que ainda vibra nesse homem
Se ele nada mais quer, nada pode,
- Demasiada realidade exposta -
Como aceitar que no sono suporte
O lodo se intrometendo pelas bordas,
Perguntam por dentro os que estão à tua volta
E não veem a enguia se movendo,
Se esquivando, ludibriando o tempo, 

Quinze côvados abaixo das tuas pálpebras.

 

 

 

 

 

 

© Mariana Ianelli - Iluminuras, 2009

Imagem: Páteo dos Leões - Alhambra, Granada  (Espanha)

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Sábado, 17.10.09

Bibliotecário de Babel

 

 

José Mário Silva é excelente escritor e poeta. Além disso, é respeitado crítico literário do Expresso de Lisboa, colaborador permanente da revista Ler e editor do blog Bibliotecário de Babel, blog que vale pelo menos uma visita diária. Autor do livro de contos Efeito Borboleta e outras histórias; e do livro de poesias Luz Indecisa, ambos editados e disponíveis apenas em Portugal, por enquanto.

 

Veja o blog Bibliotecário de Babel

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Sexta-feira, 16.10.09

Ave, Flor - de Cleonice Bourscheid e Anelise Scherer

 

 

Amor-perfeito

 

 

Neste lugar imperfeito

Onde as pedras calam

E o ar é rarefeito

 

Nesta terra árida

Onde répteis rastejam

E o fruto é amargo

 

Nestes galhos secos

Onde as aves recolhem

Seus ninhos vazios

 

Aqui, bem-amado

Plantei um canteiro

De amor perfeito 

 

 

 

 

 

© Cleonice Bourscheid

© Anelise Scherer - Aquarela botânica / Amor-perfeito / Viola x cornuta

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Sábado, 05.09.09

Prêmio+prêmio+prêmio+prêmio+prêmio

O Filho Eterno, de Cristovão Tezza
 
(Será O Filho Eterno o melhor de livro de literatura brasileira de todos os tempos? AT)
 

Depois de ter ganho quase tudo o que havia para ganhar no Brasil em 2008, do Jabuti de Romance ao Prémio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa, O Filho Eterno acaba de ser distinguido com o Prémio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura, no valor de 100 mil reais (38 mil euros). Se este excelente romance de Cristovão Tezza não é o livro brasileiro mais premiado de todos os tempos, anda lá perto. (José Mário Silva - Bibliotecário de Babel)

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Segunda-feira, 31.08.09

O silêncio é fácil

 
Um rectângulo de papel rugoso
 
José Mário Silva
 
 
Tens a fotografia nas mãos. A velha fotografia. À esquerda, o contorno das dunas, o brilho fosco da areia, o mar apenas sugerido, três gaivotas de asas abertas, nuvens imensas a encher o céu. Ao centro, numa espécie de penumbra, a casa: alvenaria batida pelos ventos, janelas rasgadas diante do furor oceânico, vigas de madeira carcomidas pela humidade salina, restos de cal e de um esplendor antigo. 
 
À direita, a imensa sombra da lagoa, o pinhal estendendo-se terra adentro – voraz – e com ele o princípio da estrada de todos os regressos, de todas as despedidas.
 
Olhas para o pequeno rectângulo de papel rugoso, agora cheio de riscos, amarelado nas pontas. Quem captou aquela imagem morreu há muitos anos. A casa já não existe; é só areia, corrosão, ruínas. E aquele que tu foste, dentro da casa, também desaparece aos poucos, devorado pela máquina ferrugenta da memória, perdido nesse passado que se vai tornando difuso, frágil e inútil.
 
Sabes muito bem o que o tempo faz às coisas. Monta o cerco. Expande o deserto. Seca por fora e por dentro. Transforma tudo em pó. Nada lhe resiste. Nada. Nem sequer a imagem de uma casa frente ao mar que alguém, um dia, com paciência e nitrato de prata, fixou. Nem sequer esta velha fotografia que se desfaz, aos poucos, nas tuas mãos demasiado gastas.
 
Segues agora, com o olhar, cada uma das linhas da imagem que se desvanece, as gradações de um preto e branco cada vez mais submerso na irrealidade das coisas extintas. Percorres, às cegas, as fronteiras de um mapa imaginário: o mar escondido, as paredes onde a cal nunca se demorava, o crepúsculo violento atravessando as salas, as tábuas de madeira que rangiam nas noites de ventania, a bruma sobre a lagoa, vozes saindo da escuridão com a forma do teu nome.
 
Acendes, uma última vez, a memória. Ficas à espera. Mas a memória calou-se. As vozes não regressam, não há ninguém que te chame neste agora que veio depois de tudo o que se apagou, não há variações dentro da brancura espessa do esquecimento. A névoa engoliu tudo. Já não há azul, já não há verde, já não há ouro, já não há prata.
 
Ainda assim, a fotografia continua entre os teus dedos. Intacta. Olhar para ela tornou-se uma violência. O que foi belo, magoa. O silêncio devora-te. O vazio é uma faca apontada ao coração. Sabes que nunca ninguém virá, nunca mais. Por isso aproximas do lume o rectângulo de papel rugoso. E vês arder tudo aquilo: a casa, o mar, as nuvens imensas, a tua infância.
 
 
© José Mário Silva - Efeito Borboleta 
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Sexta-feira, 07.08.09

O lápis

No território do lápis
 
João Ventura
 
Herisau, dia de Natal de 1956. Entre faias e abetos, na ladeira que desce do Schochenberg, um homem jaz no chão, confundindo-se com o deserto branco que o rodeia. A neve é o mais perfeito esconderijo. Antes, depois de ter almoçado no sanatório, errara durante horas até ao coração do bosque, perdido. Ao longe, talvez, o toque lamentoso de um sino. A cabeça está apoiada sobre a raíz de um abeto que emerge da neve. Não há tristeza no seu rosto. Apenas uma réstia de um olhar eternamente extasiado perante a neve pura, com o espanto de quem descobre, finalmente, o mais secreto dos desejos.
 
Daqui a pouco, um grupo de crianças encontrará um corpo num bosque gelado e saberemos tratar-se de Robert Walser, o "poeta mais escondido que alguma vez existiu", como escreveu Elias Canetti. E que num nos dos seus romances, Os irmãos Tanner, pusera premonitoriamente na boca de um personagem uma elegia a Sebastião, o poeta encontrado morto na neve: "Com que nobreza escolheu a sua tumba! Jaz no meio de esplêndidos abetos verdes, cobertos pela neve. Não quero avisar ninguém. A natureza inclina-se a contemplar o seu morto, as estrelas cantam suavemente à volta da sua cabeça e as aves nocturnas grasnam: é a melhor música para alguém que não tem ouvido nem sensações".
 
Conta Max Brod que um dia Kafka apareceu em sua casa para dar conta do seu entusiasmo pelo livro Jakob von Gunten, de Robert Walser. E conta, ainda, como Kafka leu, depois, em voz alta, fragmentos desse livro, rindo às gargalhadas, com o mesmo riso de quando leu O processo aos seus amigos. A irmandade entre Kafka e Walser seria comentada por Robert Musil como "um caso particular do modelo de Walser". Em Jakob von Gunten [tal como A rosa, O salteador e O ajudante, editados em Portugal pela Relógio d´Água], o protagonista é aluno do Instituto Benjamenta, inventado Walser, uma escola para formar criados. Em vez de formar a personalidade dos alunos, o instituto apaga-a. O principal obstáculo a ultrapassar é o da própria consciência. Por isso, praticam a repetição, em obediência mimética. Obedecem a toda e qualquer ordem para não pensar. O seu objectivo é apagar-se. Jakob pensa: "Se me afundo e me desmorono, o que é que se perderá? Um zero".
 
Li de um só folgo este romance-diário com uma prosa despojada de clímax narrativo e densidade psicológica, uma espécie de emanação lúdica segregada pela sucessão de derivas mentais e livre associação discursiva, mas também com um lado sombrio e funesto, delicadamente omnipresente. "Uma história singularmente delicada", segundo Walter Benjamin, em que Jacob descreve os seus colegas, passeia pela cidade, observa o autoritário director e a sua irmã Lisa, penetrando no mistério das suas vidas, numa experiência, ao mesmo tempo, real e onírica que nos faz lembrar, precisamente, Kafka que provavelmente "teria sido ligeiramente diferente se não tivesse, ele próprio, lido Robert Walser", como escreveu Enrique Vila-Matas. "Um escritor verdadeiramente magnífico que nos parte o coração", segundo Susan Sontag, cuja obra desdobrada em quinze livros é "um estranho e fascinante espelho da vida". De uma vida que foi um percurso de incompreensão, de penúria, de dor, mas da qual nunca se queixa nos seus livros em que um niilismo aparente é atravessado por uma ingenuidade espontânea.
 
"A singularidade de Robert Walser como escritor", escreveu Canetti, "consiste em nunca falar de motivações. É o mais oculto dos escritores. Está sempre bem, sempre encantado com tudo", cultivando a insignificância da qual, achava, poderia extrair algo "vivificante e purificador". Por isso, entre os seus múltiplos empregos de subalterno, trabalhou como empregado bancário, escriturário, empregado numa livraria, operário numa fábrica de máquinas de costura e, finalmente, mordomo numa castelo na Silésia. Mas o seu único capital era a sua bonita caligrafia, minuciosa e precisa. Todas as noites, depois do trabalho, num pequeno quarto de pensão, Walser continuava a escrever. Em vez de ordens de compra, cartas comerciais ou registos contabilísticos, escrevia peças de teatro, poemas, contos, romances com uma micrografia que cada vez se aproximava mais da extinção.
 
Uma escrita em que as palavras eram a corrente natural da sua imaginação, com paixão total, onírica. Às vezes, ocultava-se em Zurique, na sua "Câmara de Escrita para Desocupados", e aí sob a luz crepuscular de um candeeiro de petróleo deixava que a sua mão indecisa o conduzisse pelos territórios do lápis, cujo traço o empurrava lentamente para o desaparecimento, para o eclipse, mimetizando-se para não ser descoberto.
 
Numa espécie de vagabundagem estilística, indecisa, associativa, feita de ligações imprevistas e ricochetes - "Caneta, se não me ajudas, não sei como avançar" -, Walser devolve a escrita à sua precariedade, enquanto ele próprio se vai consumindo escrevendo, "na sua busca de libertação da consciência de Deus, do pensamento, e de ele mesmo", como escreveu Vila-Matas, em Doutor Pasavento. À semelhança de Hölderlin que passou os últimos trinta anos da sua vida encerrado nas águas-furtadas do carpinteiro Zimmer, em Tübingen, praticando a ilegibilidade, também Walser se dá como desaparecido, passando os últimos vinte e oito anos da sua vida num "manicómio, o mosteiro da época moderna", primeiro em Waldau, depois em Herisau, escrevendo em tudo o que encontrava à mão - envelopes usados, cartões de visita, formulários oficiais, margens dos jornais, farrapos de papel - numa caligrafia microscópica, secreta, uma espécie de retratos de momento, esse género literário tão apreciado por Witold Gombrowicz, os 526 microgramas que só muitos anos depois haveriam de ser decifrados e publicados sob o mais walseriano dos títulos, Território do lápis.
 
Publicado no blog O leitor sem qualidades
publicado por ardotempo às 12:42 | Comentar | Adicionar

Borboletas amarelas

Gabo
 
José Saramago
 
Os escritores dividem-se (imaginando que aceitem ser assim divididos…) em dois grupos: o mais reduzido, daqueles que foram capazes de rasgar à literatura novos caminhos, o mais numeroso, o dos que vão atrás e se servem desses caminhos para a sua própria viagem. É assim desde o princípio do planeta e a (legítima?) vaidade dos autores nada pode contra as claridades da evidência.
 
 
Gabriel García Márquez usou o seu engenho para abrir e consolidar a estrada do depois mal chamado “realismo mágico” por onde logo avançaram multidões de seguidores e, como sempre acontece, os detractores de turno. O primeiro livro seu que me veio às mãos foi Cem Anos de Solidão e o choque que me causou foi tal que tive de parar de ler ao fim de cinquenta páginas. Necessitava pôr alguma ordem na cabeça, alguma disciplina no coração, e, sobretudo, aprender a manejar a bússola com que tinha a esperança de orientar-me nas veredas do mundo novo que se apresentava aos meus olhos. Na minha vida de leitor foram pouquíssimas as ocasiões em que uma experiência como esta se produziu. Se a palavra traumatismo pudesse ter um significado positivo, de bom grado a aplicaria ao caso. Mas, já que foi escrita, aí a deixo ficar. Espero que se entenda.
 
© José Saramago - Publicado no blog Caderno de Saramago
publicado por ardotempo às 04:48 | Comentar | Adicionar

Os dez finalistas

Os dez finalistas ao 6º Prêmio de Literatura da Jornada de Passo Fundo
 
O 6º Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Literatura entra na reta final. A Universidade de Passo Fundo acaba de anunciar, em Porto Alegre, nesta quarta-feira (05), os 10 finalistas da sexta edição da premiação, que vai dar ao vencedor R$ 100 mil, uma das mais altas premiações do país na área.
 
Dos autores e obras inscritos, continuam na disputa: A chave de casa, de Tatiana Salem Levy; A viagem do elefante, de José Saramago; Acenos e afagos, de João Gilberto Noll; Galiléia, de Ronaldo Correia de Brito; Heranças, de Silviano Santiago; Leite derramado, de Chico Buarque; O filho eterno, de Cristovão Tezza; O livro das impossibilidades, de Luiz Ruffato; O livro dos nomes, de Maria Esther Maciel e O vento assobiando nas gruas, de Lídia Jorge.
 
A coordenadora das Jornadas Literárias, professora Dra. Tania Rösing, manifestou o reconhecimento à Comissão Julgadora do Prêmio e agradeceu a parceria efetivada desde 1998 entre a Prefeitura Municipal de Passo Fundo e a empresa Zaffari & Bourbon para o seu oferecimento. Além disso, comentou a mudança de datas da Jornada, adiada para 26 a 30 de outubro como medida preventiva à disseminação do vírus da gripe A (H1N1), e a expectativa para a manifestação literária. “Reuniremos mais de 22 mil pessoas, vindas de 245 diferentes municípios de 19 estados brasileiros. Estamos trabalhando para que esta seja, mais uma vez, uma grande festa de incentivo à leitura, aos leitores e aos escritores”, garantiu a Dra. Rösing.
publicado por ardotempo às 04:20 | Comentar | Adicionar

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