Vai uma pinguinha aí?

Crônica de Mauro Holanda

 

 

                               

Se há alguns anos atrás alguém falasse que passou a noite anterior tomando pinga, o cidadão seria digno de pena, tratado como um perdedor, pinguço, fim de carreira e todas as piores coisas que você pode imaginar. Já, se o nosso amigo estivesse lambendo a sarjeta porque encheu a cara de uísque (podia até ser do ruim) ele estaria apenas passando por problemas sérios na vida, precisando de um braço amigo...


Hoje tudo mudou! Cachaça, pinga, marvada ou, seja lá como você preferir chamar virou coisa de bacana. Quantas vezes alguém chegou em sua casa com uma descoberta do interior de Minas?


O maior problema é que ninguém conhece o que vem a ser uma cachaça da boa, já que todos nós somos iniciantes na degustação da branquinha. Isto contribui para que cachaça vagabunda venha sendo vendida como bebida de luxo ou da moda.

 

Os bares da cidade estão cheios de rótulos com nomes exóticos provenientes de lugares que você nem imagina onde ficam. È mais fácil pensar que o uísque vem da Escócia ou do Kentucky, lugares civilizados e limpinhos.


Como hoje tudo mudou é preciso entender que a roça... também é bacana.


Lembra daquela galinha caipira no sítio do avô ou do tio na interior? Não era bom?


Cachaça artesanal é igual. São pequenos produtores espalhados pelo interior que produzem milhares de garrafas em instalações no geral modestas e, hoje, até limpas. O Brasil produz cachaça desde sempre. No começo era subproduto do açúcar, depois ganhou valor, uma vez que os impostos pagos para beber a bagaceira (destilado de cascas de uva importado de Portugal) eram altos. Ficava mais barato e mais fácil encher a cara com a cachaça mesmo.


Em determinado momento da nossa história ela chegou a ser trocada por escravos na África. Nesta época já existiam Engenhos especializados em cachaça, especialmente em Parati.


Desse importante porto colonial a danada seguia viagem para a África ou para as minas das Gerais. Viajava em lombo de mula em grandes tonéis. Lá ficava guardada esperando para ser consumida e, conseqüentemente, envelhecia. Nascia a cachaça envelhecida.


Com a queda da exploração do ouro, os mineiros passaram a produzir a bebida, coisa que até hoje fazem com mestria, especialmente no Norte do estado. É de Januária, a beira do Rio São Francisco, e de Salinas, um pouco mais ao norte que saem algumas das mais notáveis cachaças do País. Lá o clima é perfeito, a terra é boa para o cultivo e a turma trata a cachaça com todo amor que merece este patrimônio regional. Todas as cachaças de lá passam pelo menos dois anos em tonéis de várias madeiras descansando. São várias as qualidades de madeira; bálsamo, umburana, jequitibá rosa, carvalho, amendoim, ipê amarelo, etc.. Cada madeira imprime um aroma e suavidade específica à bebida, deixando cada marca única.


A nossa cachaça é uma bebida variadíssima. Pode-se dizer que vale tudo para personalizar as suas garrafas. Tem pinga com cobra, lagosta, todo tipo de erva e até insetos dentro da garrafa. Tem gosto para tudo!


Acredito que a grande coisa que a cachaça nos deu foi a caipirinha. Este sim, é o nosso coquetel nacional! Podemos combinar a cachaça com virtualmente todas as frutas que crescem por aqui. Hoje já existem barmen especializados na preparação.


E purinha?


Beber cachaça pura deixou de ser uma coisa de pinguço para virar atividade de apreciador. No interior a turma, especialmente na roça, prefere aquela que pega na garganta. Algumas são quase como um coice de mula de tão fortes.


Hoje a tendência é produzir cachaças mais suaves, que descem redondo, isto sem abrir mão do teor alcoólico, que não é nada baixo (entre 38° e 54°GL).


Uma boa opção é passar em bom supermercado ou loja especializada em bebidas, comprar várias garrafas de marcas e procedências diversase experimentá-las com os amigos à beira da churrasqueira. O difícil é escolher qual levar, já que o preço da cachaça não é indicativo de sua qualidade. Existem garrafas baratas muito boas e caras bastante ruins. Portanto aproveite e cuidado, pois a danada derruba até os mais fortes.

 

© Mauro Holanda 

Foto de Mauro Holanda
 

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publicado por ardotempo às 01:58 | Adicionar