Para lembrar, ler, sentir, chorar e viver

 

 

 

 

Mostra-te.

 

És pela última vez

A região que nos orientou para a vida.

As tropas se apoderam da tua antiga superfície,

Um povo inumerável voltou

Para reconquistar a terra da família.

 

O trabalho é surdo e vagaroso:

Rebentar os rios, chamar a correnteza,

Vencer montanhas inimigas

Até que tudo novamente ressuscite

No deserto de um mundo indivisível.

 

Abre-te, mas não como antes

Para a nossa gente te abrias:

Tens de parecer generosa

Com quem assume tua hegemonia.

 

As paredes rangem: é o teu grito de partida.

E todo o resto que desaba contigo:

O caleidoscópio imaginário,

A esperança fraturada em mil antíteses,

Os espetáculos do meio-dia,

Quando represávamos um pouco mais

A nossa eterna angústia feminina.

 

Lembra que antes de nós nada havia

Que não fosse uma ausência tranquila,

O firmamento aprisionado

Dentro de um continente movediço...

 

Realizamos em ti a história dos nossos nomes

E, num surto de abstração, certo dia,

Levitamos sobre o jardim que te acolhia.

 

Hoje, um outro incendeia a torre

E põe abaixo a genealogia das tuas filhas.

Imita a nossa queda desmaiada,

Que surtirá numa implosão,

E juntas teremos submergido.

 

Age naturalmente:

entrega-te humilde,

Não te agarres a nada,

não resistas.

 

Nua, de braços abertos,

És pela última vez a deslumbrante cortesã,

Fonte da nossa mitologia.

 

Agora morre.

 

 

© Mariana Ianelli, 2011

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publicado por ardotempo às 00:13 | Comentar | Adicionar