Ferreira Gullar
Extravio
Onde começo, onde acabo,
se o que está fora está dentro
como num círculo cuja periferia é o centro?
Estou disperso nas coisas,
nas pessoas, nas gavetas:
de repente encontro ali partes de mim: risos, vértebras.
Estou desfeito nas nuvens:
vejo do alto a cidade e em cada esquina
um menino, que sou eu mesmo, a chamar-me.
Extraviei-me no tempo.
Onde estarão meus pedaços?
Muito se foi com os amigos que já não ouvem nem falam.
Estou disperso nos vivos, em seu corpo,
em seu olfato, onde durmo feito aroma
ou voz que também não fala.
Ah, ser somente o presente:
esta manhã, esta sala.
Ferreira Gullar
Dia Mundial da Poesia 21 de março