Cenário em preto e branco

Jogos diferentes

 

Cláudio Moreno

 

 


 

 

De algum lugar do Oriente – Índia, Pérsia ou China, não importa –, os árabes que invadiram a Espanha no século 18 trouxeram consigo o jogo de xadrez, que logo se difundiu por todo o continente e terminou conquistando até jogadores improváveis como os truculentos viquingues. Houve mudanças mínimas nas regras originais, mas, na sua essência, nunca deixou de ser o mesmo jogo: no território representado pelo tabuleiro de sessenta e quatro casas, dois exércitos completos, com seus reis, rainhas, cavaleiros e peões, começam a se enfrentar a cada nova partida.

 

Por volta do século 12, surgiu na Espanha o jogo de damas, que alguns enxadristas da época chamaram desdenhosamente de “xadrez das mulheres”, cometendo um preconceituoso erro de avaliação: o jogo de damas jamais tentou ser um substituto ou uma simplificação do xadrez. As peças são diferentes, seus movimentos são diferentes, as regras são muito diferentes – apenas o tabuleiro é o mesmo, certamente adotado por ser mais prático e econômico. Isso criou um inevitável vínculo entre os dois jogos, inclusive na maneira de comercializá-los: nos natais da minha infância, eles sempre vinham juntos, numa espécie de dois-em-um compulsório, com as peças de xadrez e as pedras do jogo de damas misturadas na mesma caixa.

 

Eu era apenas uma criança e achava isso um misterioso desperdício. Só agora, muitos natais depois, eu começo a desconfiar que essa pode ser uma esclarecedora imagem de como o homem e a mulher se relacionam: os dois se encontram frente a frente, diante do mesmo tabuleiro, mas ele está jogando xadrez, enquanto ela joga damas! Enquanto o casal não se der conta desta verdade tão simples, pouco vai adiantar que ambos se esforcem e se empenhem para que a vida em comum dê certo.

 

Tudo será em vão; como pensam que estão jogando o mesmo jogo, nenhum dos dois consegue compreender os movimentos que o outro faz – em questões de dinheiro, na educação dos filhos, nos assuntos de cama ou de trabalho. Ela então o acusa de não saber jogar, ele lamenta que ela jogue tão mal, e a vida deles passa a ser aquele inferno das pequenas queixas e incriminações. A solução é simples e fácil de pôr em prática: todos os casais felizes que conheço procuram se observar com interesse e respeito mútuo, estudando o jogo do parceiro e divertindo-se com as diferenças. Entregues à curiosidade, um procura aprender as regras do outro, não para segui-las ou imitá-las, mas para entender, finalmente, que é natural que existam muitos pontos importantes sobre os quais os dois nunca irão concordar, e que, sendo jogos distintos, nunca haverá vencedor – apenas o prazer de jogar.

 

Cláudio Moreno - Publicado em Zero Hora

publicado por ardotempo às 22:04 | Comentar | Adicionar