O canto das almas
Visões do Paraíso
Mariana Ianelli
Uma terra de grandes arvoredos, águas infinitas e com gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, escreveu Pero Vaz de Caminha na Carta a El-Rei D. Manuel, desde a Ilha de Vera Cruz, em maio de 1500. Era a descoberta do Paraíso na Terra, um mundo em estado de sétimo dia de criação. Agora, em pleno século 21, temos a fábula científica do Paraíso no Espaço, da vida em desertos extraterrestres, o sonho da colonização de Marte.
Neste momento, em Moscou, seis astronautas estão vivendo confinados em uma cápsula que simula uma nave em jornada interplanetária. A expedição virtual, que faz parte de um projeto chamado Mars500, inclui testes físicos e psicológicos, atividades exploratórias em terras marcianas, além de um monitoramento constante da tripulação pelo Instituto de Problemas Biomédicos russo, que conduz o experimento ao lado da Agência Espacial Norte Americana e da Espacial Europeia. Outro projeto, menos ambicioso mas igualmente fantástico, foi realizado nos Estados Unidos, dois anos atrás, com estudantes que simularam uma viagem ao planeta vermelho nos confins do deserto de Utah. Existe ainda a Sociedade Marciana, fundada há pouco mais de uma década, que hoje reúne cerca de 10 mil pessoas interessadas nos avanços científicos para um futuro desbravamento espacial. Já foi criada até mesmo uma bandeira de Marte, hasteada na ilha de Devon, no Canadá.
Uma das provas a que os astronautas em Moscou estão sendo submetidos, durante esse período de mais de um ano de confinamento, intitula-se “O Livro da Vida”. Cada tripulante deverá preencher um diário com reminiscências da sua vida na Terra, lugares, situações, rostos familiares. Então imagino, daqui a um século, os pioneiros dessa tão sonhada missão colonizadora aportando em terras nada vicejantes, uma paisagem acidentada e ressequida, semelhante ao Vale de Josafá. A carta que redigiriam, do fundo de uma encosta acobreada, ao observarem o céu de Marte. Se por acaso encontrariam ali o mesmo que uma vez encontrou Dante, a visão do venerável signo, aquela resplandecência de grãos, o som de harpa do canto das almas.
Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve