Histórias sombrias

Quarteto de sombras

Mariana Ianelli

A chegada do verão é um chão de ardósia quente depois que anoitece. Para temperar o calor, um calor infernal, como se usa dizer, nada melhor do que uma boa antologia de poetas russos, com seus campos gelados e seus domos escondidos na bruma. Joseph Brodsky junta os dedos em volta da pena, menos por costume de escritor que por ter sido educado pelo frio. Boris Pasternak faz descer a geada num canteiro e esta imagem é sua definição de poesia. Marina Tsvetáieva imita a tempestade rebentando em versos exclamativos feito bátegas. Anna Akhmátova nos envolve em nuvens sombrias.

Sombrias também são as histórias de vida desses poetas. Enfrentando a pobreza e o regime do medo, na década de 30, Anna Akhmátova presenciou o destino trágico de muitos dos seus conterrâneos. Réquiem, seu mais célebre poema, por muito tempo censurado pelo governo soviético, canta o sofrimento de centenas de mulheres como ela, que tiveram seus filhos presos e se postaram em fila diante das penitenciárias de Leningrado. Marina Tsvetáieva, com quem Anna Akhmátova se correspondia, também provou o ostracismo e a miséria, testemunhou a prisão de uma de suas filhas e teve seu marido executado. Boris Pasternak, que trocou longas cartas apaixonadas com Marina Tsvetáieva, viveu no isolamento depois da publicação de Doutor Jivago e, vencendo o Nobel em 1958, foi impedido pelas autoridades soviéticas de receber o prêmio. Joseph Brodsky, também ganhador do Nobel, chegou a ser acusado de parasitismo, condenado a trabalhos forçados e, afinal, expulso de seu país, buscou asilo político nos Estados Unidos. Até o fim da vida, o poeta não pôde rever seus pais na velha casa que chamava de bela terra Pátria.


Extensos campos nevados formigando de botas pretas, o terror nos olhos arregalados na treva, correntes nas portas das casas e nas celas, o som dos trovões misturado ao som dos projéteis, o ar abafado e um chão escaldante nos vagões cheios de sombra dentro de um poema. Realmente, nada como uma antologia de poetas russos para reconsiderar o clima neste começo de dezembro.

 

 

 

 


Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve

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publicado por ardotempo às 23:27 | Comentar | Adicionar