Nem sempre estamos prontos
Do breu da toca do ouriço
Invejo o ouriço-preto, que hiberna durante três meses todo ano. Que bom seria tirar licença de existir de vez em quando, discretamente desaparecer por uns dias sem por isso ganhar fama de melancólico.
Porque nem sempre estamos prontos. O telefone está tocando, alguém vem para uma visita, e simplesmente não estamos prontos. Então imagino se, diante da insistência, atrás da porta ou do outro lado da linha, como que saindo do breu da toca do ouriço, uma voz se desculpasse de não ser aquela voz conhecida, de ser, em vez disso, um sopro, um marulho de folhas no vento, qualquer coisa que se ouve a distância, no intervalo entre dois tempos, e logo desencadeando o que poderia ser um imprevisto, antes não fosse a condição da alegria, penso que maravilha se essa voz, nada mais que um sopro, um sussurro atrás da porta ou do outro lado da linha, encantasse aquele que estivesse ouvindo e silenciasse tudo em volta. Porque às vezes o pouco que nos basta é o que mais falta, um brevíssimo intervalo, uns dias de restinga, silêncio para honrar a velha máxima de dar tempo ao tempo e só depois voltar à tona, responder como é devido, com aquela voz cristalina de quem não se desculpa mais porque já recobrou o ânimo, a prontidão, a presença de espírito e, sobretudo, aquela ponta de impaciência que convenientemente dá corda à rotina.
Um intervalo assim evitaria alguns deslizes, uma palavra fora de contexto, um gesto irrefletido, o descomedimento no calor da hora, pequenos rompantes assassinos. Talvez evitasse mesmo erros tremendos, os erros sem conserto, o descuido de um momento que marca uma vida, a famosa ladainha do que poderia ter sido e que não foi, esta sim, nossa grande melancolia.
Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve