Neotráfico

Novo tráfico de escravos?

A sede europeia por jovens jogadores africanos

 

Christoph Biermann e Maik Grossekathöfer

 


 

A Copa do Mundo de Futebol está sendo realizada na África pela primeira vez este ano, mas há muito tempo jovens jogadores africanos são uma mercadoria procurada entre os principais clubes da Europa. Enquanto alguns jovens chegam ao topo, muitos jogadores acabavam nas ruas. Os críticos falam em um novo tráfico de escravos.

 

O barraco tem 3 metros por 3, as paredes são feitas de concreto, o telhado é uma folha de metal corrugado e o mobiliário escasso inclui uma cama e uma lamparina de petróleo. Não há janelas. Também não há eletricidade, nem banheiro, nem água corrente para as cinco pessoas que vivem nesse barraco infestado de moscas em Bamako, capital de Mali.

 

Enquanto o sol se põe, o calor do dia gradualmente diminui, os cães latem e o muezim chama para as orações. Diante do barraco, a mãe cozinha mingau de milho sobre uma fogueira, enquanto as duas filhas se sentam no chão de terra descascando mangas. O pai e o filho conversam sobre o futuro. Ambos estão usando camisas do Milan.

 

O menino, cujo nome é Amadou Keita, disse que certamente pode se imaginar jogando para o Milan, mas se tivesse de escolher iria para o Barcelona jogar como meio-campo. Seu pai afaga sua cabeça e sorri. Um velho que trabalha como porteiro, ele tem dores nos joelhos, nas costas e no quadril.

 

Amadou pega uma bola de borracha e a mantém no ar, fazendo centenas de "embaixadinhas" com os pés esquerdo e direito, alternadamente, então a coloca sobre os ombros, na cabeça e de volta aos pés. A bola não toca o chão nem uma vez.

 

"Eu quero ser profissional. Quero ganhar dinheiro com o futebol para poder dar a minha família uma vida melhor", diz Amadou. "Não quero que meus pais morram neste barraco. Essa é minha missão. Não posso falhar." Ele soa estranhamente sério para um rapaz de 14 anos.

 

Fábrica de sonhos

 

É um longo caminho de Bamako até a Europa, um longo caminho da rua empoeirada no Mali até o Milan, mas Amadou já deu o primeiro passo.

 

Ele se lembra claramente quando, um ano atrás, ouviu falar de um homem branco que estava em Bamako procurando crianças que jogassem bem futebol, meninos rápidos, ágeis e capazes de controlar a bola. O homem, um francês, organizou torneios por toda a cidade, e Amadou jogou em um deles. Afinal o homem escolheu os cinco melhores - dentre 5 mil. Amadou foi um desses cinco.

 

Ele frequenta uma escolinha de futebol nos arredores de Bamako, perto das margens do rio Níger, desde o início de setembro. Treina em um campo gramado e bem cuidado, recebe três refeições por dia e dorme em sua própria cama.

 

A escola de futebol, chamada Maison Bleue (casa azul) por causa da cor de suas paredes, é uma fábrica de sonhos. Os jogadores que chegaram até aqui têm a probabilidade de se tornar profissionais na Espanha, Inglaterra, França ou Alemanha. "Meu pai chorou de alegria quando fui aceito no internato", diz Amadou.

 

Atlético e barato

 

Há muitas escolas de futebol na África. Algumas pessoas as consideram uma bênção, outras uma maldição. Escolas como a de Bamako treinam os jogadores pelos quais os clubes profissionais da Europa manifestaram interesse. Eles são jovens, tecnicamente aptos, atléticos - e baratos.

 

Os clubes europeus têm ido à África em busca de talentos desde os anos 1950, e nos últimos anos a busca se tornou um negócio altamente rentável. Cerca de um em cada quatro estrangeiros que jogam para clubes europeus da primeira divisão vêm da África.

 

É um negócio que joga com a esperança e que é dirigido por empresários sérios. Mas traficantes inescrupulosos também tiram uma parte do bolo.

 

Os africanos são atraídos para a Europa porque acreditam que lá tudo existe em abundância: trabalho, dinheiro, confiança. Alguns jogadores conseguem e tornam-se astros, como Mahamadou Diarra do Real Madrid, Samuel Eto'o da Inter de Milão e Didier Drogba do Chelsea. Mas para a maioria o sonho de conseguir uma vida melhor como jogador profissional nunca se realiza

 

Christoph Biermann / Maik Grosskathöfer (Tradução Luis Roberto Mendes Gonçalves ) - Publicado no Der Spiegel

publicado por ardotempo às 13:42 | Comentar | Adicionar