Conto inédito de Mariana Ianelli

 

YOLANDA

 

Mariana Ianelli

 
Uma palavra teria sido o bastante, mas veio outra, mais outra e outra ainda, então eu explodi pelos ares. Era uma bomba tão estrategicamente escondida entre baús e móveis estragados que eu já nem me preocupava. Estilhaços. Disseram-me Yolanda, depois acidente, depois hospital e, tudo o que eu mais temia, inconsciente e reanimada. Ia bater o telefone quando a última lasca voou: quarto 49. Isto é a realidade – um enorme, invisível, medonho e ultrajante sorriso de sarcasmo. O suco azedo da videira carregada de respostas. Yolanda de pés descalços, Yolanda cobrindo o corpo, ligeiramente envergonhada, Yolanda na entrada do cinema, se desculpando pela demora, Yolanda muito séria, debaixo da chuva, tempos atrás. Eu precisava ir até lá, só um completo covarde não iria. E de repente eu estava ali, parado diante da porta, de novo massacrado, contrafeito, dividido – um covarde. O homem para quem tudo que existe tem um só nome. Yolanda, quarto 49. Entrei, contornei a cama, cento e trinta batimentos por minuto, eu te olhei, eu precisava te olhar. Fomos apresentados pela primeira vez no meio de uma corja de bêbados e de velhos mal-educados, e não tínhamos mais o que fazer entre eles senão dar início à nossa própria história. Yolanda, vinte e oito anos. Agora eu te reencontro entre aparelhos de oxigênio, bolsas de soro, agulhas e ventosas, e na minha frente vejo uma garotinha recém-saída da escola, os olhos arregalados. Extirparam a tua memória, Yolanda. Deixaram do lado de cá esta mentira viva, como que uma saudação distraída para honrar o plantão de emergências, simplesmente um olá. Nada mais diz teu nome, nada, em nenhum lugar. Eu quero voltar para casa e arrebentar a lâmpada, o relógio, o copo d’água. Vê-los no chão, iguais a mim: os olhos arregalados.
 
© Mariana Ianelli
publicado por ardotempo às 20:32 | Adicionar