Encouraçado

O ANJO BLINDADO

 

Zé dos Anjos

ZéAugusthodosAnjos

Zé Augustho

 

O poeta escreve seu texto incontido, sem pruridos nem reservas, a escrita automática dos surrealistas, um tanto como Picasso o fez em seu próprio livro publicado, como no espaço metafísico da xangrilá de Alain Resnais.

 

Uma resposta coerente, profunda e poética, especular e metafórica ao gesto espontâneo de uma pintura derramada e expressionista. Devemos ler a saga do elefante condoreiro como quem encontra/como quem se defronta/como alguém que se choca com a explosão de signos e cores, atômica, de uma pintura de Ruth Schneider, ou de De Koënning ou de Dubuffet.

 

“...até o coveiro  das teclas                                                                       

anunciar a céu aberto de aninhas                                                           

tua chegada por e mail.

 

A poesia de Zé Augustho é um encontrão, uma pisada no pé, um esbarrão inesperado numa calçada de movimentos ondulatórios comportados e polidos. “Perdão, senhora, desculpe, senhor... não foi sem querer.”

 

“...ave marinha cheia de graxa                                                                                   

senhor é tão pouco                                                                                               

bendito entre lãs mujeres                                                                                   

sois vós  o pão nosso em calmaria (...)                                                                                                                                               

aqui na terra                                                                                                                       

e na poluição do mel                                                                                               

todos os foguetes do ódio                                                                                   

e a miséria roubada das merendas.”           

 

No texto poético, uma corrente extensa de elos e de significados. Nele estão incrustradas as pequenas homenagens, as citações eruditas, uns impropérios indignados, uns gritos, uns insultos, a escatologia, umas delicadezas.

 

De ardência e encanto

Vai e vem

Sempre ao impulso

Das marés de Gonzagas.

 

Um texto escorreito e magnético proposto pelo poeta, expelido de uma só vez num sopro vital, sem tosse e sem rinite alérgica, um jorro de vida como é a forma particularizada do poeta ver o seu mundo e como ele se sateliza aos diversos universos que o cercam e que formam essa miragem caleidoscópica que chamamos de realidade.

 

Todo elefante é frágil

E tudo na praia é passageiro

Menos o motorista e o elefante condoreiro

E, se tu és como um Deus, meu companheiro

Sei que sou princípio de alguém

E, também sou o fim de ninguém.”

 

O que é tangível? A carta enigmática do poeta ou as notícias selecionadas do jornal? A conversa sobre o tempo no táxi ou a interpretação ideológica das cenas dos jornais televisivos noturnos? A imagem policromada de Deus ou a figura imaginada do elefante condoreiro a pisar com passos de feltro o sonho do poeta? A iconoclastia dos versos afiados e dançarinos dão sentido, revelam as intenções e  conduzem o espectro de luzes e sombras através do labirinto de prismas e de espelhos.  Assim é letra e a voz do anjo blindado.

 

 

 

 

A praia do elefante condoreiro

Zé Augustho Marques

85 páginas

Editora Carta

 

Local do lançamento e autógrafos: Espaço Cultural Á Lenha

Rua Pe. Chagas, 330 - Moinhos de Vento

Das 19h às 22h - 

Porto Alegre RS Brasil

 

Imagem: Antonio Segui - Elefante dos Pampas - Desenho a tinta china com pena caligráfica e lápis de cor sobre papel, 1976 (Uruguay)

publicado por ardotempo às 21:48 | Comentar | Adicionar