OS ALEMÃO - 3






Hier sprechen wir Brasilianischen


                 


O pai de meu pai viera para o Brasil num navio da Hamburg-Amerika Linie, em 1888, para instalar sobre um trapiche, às margens do arroio São Lourenço e a poucas quadras da Lagoa dos Patos, uma Exporthäusern für Kolonialprodukte, quem sabe um estaleiro, quem sabe uma empresa de navegação.

Imagino que trazia uma roupa preta e o cavanhaque aparado – como nos retratos em que o conheci – além de bastante dinheiro para ele mesmo buscar seu “lugar ao sol”, em vez de servir ao Kaiser e garantir a expansão colonial alemã.

Vovô morreu moço, aos 5l anos, depois de uma ponta de lápis lhe penetrar na virilha, numa queda, e apesar de ser levado às pressas para Pelotas, em busca de socorro.

Era o fim da I Guerra Mundial e ele deixava para cada filho um barco de carga e, para toda a gente, a lembrança de uma seriedade casmurra que só escondia, nos olhos líquidos, a risonha zombaria com que se revelava um alemão incapaz de plantar batatas, incapaz de usar tamancos, incapaz de dirigir uma wagenkollonen – mas capaz de tomar banho todos os dias (e que propalava com letra gótica em sua porta:

HIER SPRECHEN WIR BRASILIANISCHEN).

Vovó Anna havia anotado na última página de seu Gesangbuch (editado em Sttetin, em pomerano), o nome e a data de nascimento de cada filho. A letra é boa, mas a tinta está apagada. 

Leio: Karl Ern..... Leonard, 24/3/1893; Emil Klaus Joa.... , 28/7/1895; Wilhelm Konrad Joseph, 25/../1897; Gustav Ferdinand Otto, 2/../1899; August Friedrich Michael, 5/l/1907.

Esses cinco, quando estava terminando a I Guerra Mundial já eram
 
Carlos

Emílio
Guilherme
,
Gustavo
e
Augusto
, meu pai.
Tinham casado com brasileiras (dois deles com castelhanas de Jaguarão); tinham levado para a fronteira as primeiras indústrias, o comércio de exportação e importação, a prestação de serviços e as primeiras granjas de arroz; tinham vivido com gosto e arrebatamento cada instante de sua multíplice e fascinante aventura.


                  


Seus iates – o Portimão, o Protetor, o São Domingos, o Aníbal I, o Aníbal II (cuja âncora guardo amorosamente como relíquia e prova de um inacreditável e irrecobrável tempo de prodígios) – foram apenas começo e fim de tudo: foram rolos de fumaça se erguendo lentamente, e inexoravelmente se perdendo no ar – no retrato de vovô com seu cachimbo de porcelana e seu transcendente intento bávaro de Shiffen mit Dampf; ou lá longe, na última curva do rio atravessado pela ponte cinzenta e pelos trens insaciáveis. 

Seus iates navegaram por toda a região da Lagoa dos Patos e da Lagoa Mirim, arribando a portos estabelecidos ou estabelecendo atracadouros novos, cada qual com suas cargas de ilusões e seu mestre, seu motorista, seu marinheiro, seu moço de convés e seu cozinheiro, exatamente como haviam feito no Rio dos Sinos, no Jacui, no Caí, no Taquari, os barcos de outros alemães – Blauth, Becker, Michaelsen, Schilling, Arnt. Mas tudo acabou como um sonho que se desvanece.


                     



– continua                                              Os Alemão - Sequência  01  02  03  04

© Aldyr Garcia Schlee
Imagens ©Coleção Azevedo Moura e AGS
publicado por ardotempo às 19:43 | Comentar | Adicionar