Para ser bom escritor, é preciso ver Garrincha jogando, diz Lobo Antunes na Flip
O jornalista e escritor norte-americano Gay Talese, 76, e o escritor português António Lobo Antunes, 67, encerraram as mesas de literatura deste sábado na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que termina neste domingo. Ambos fizeram suas apresentações em formato de conversa, e não de debate.
O português Lobo Antunes, autor de 21 romances e que não visitava o Brasil havia 26 anos, falou com o público da Flip, que lotou a sala da Tenda dos Autores para vê-lo, como se estivesse batendo um papo com amigos.
Descontraído e bem humorado, Lobo Antunes contou histórias de sua família e fez a plateia rir inúmeras vezes. Uma delas foi quando disse ter problemas com equipamentos como microfones, referindo-se ao formato fálico. Ele contou que quando era jovem e já escrevia alguma coisa, seu avô -- que era muito rígido e conservador -- o chamou para uma conversa e disse: "Soube que você escreve versos. Você é viado?", e olhou para o microfone dizendo que imaginava o que o avô diria se visse aquela cena [ele com a boca próxima do microfone].
Em seu relato familiar, falou do pai, que, em sua opinião, era um homem que não queria ter filhos,mas sim lutadores de caratê. Disse que era um homem muito rígido e que ele e os irmãos tinham de ser bons em tudo, nas notas, nos esportes, nas brigas. Mas que apesar disso ele acabou virando escritor.
Sobre a arte de escrever, Lobo Antunes disse que, com o tempo, foi ficando cada vez mais exigente, e "limpando" e relendo e editando cada vez mais seus próprios textos. Disse ainda que se uma pessoa quer ser um bom escritor, que deveria ver Garrincha jogando bola. "Porque ele não faz aquilo com o corpo, ele faz com a alma." Esse prazer pela escrita foi o tema da conversa de Lobo Antunes. O português falou que quando um autor escreve, é como se um "anjo ditasse o livro". "A mão do escritor tem de ter alegria para escrever", disse, e citou para ilustrar sua fala o trecho "Emissário de um rei desconhecido, eu cumpro informes instruções de além...", do poema "Emissário de Um Rei Desconhecido", de Fernando Pessoa --de quem disse não ser admirador.
Quando questionado a respeito do anúncio sobre parar de escrever, o português disse que era um "capricho de cocota" e que ler é infinitamente mais prazeroso que escrever.
Anaísa Catucci / Teresa Chaves - Publicado na Folha de São Paulo / UOL