A sorte define os destinos
A sorte
Pensa-se que podem ser suficientes o talento e o trabalho para conquistar a glória, o reconhecimento, o conforto espiritual e material ou simplesmente, a sobrevivência digna.
Até certo ponto isso é desejável por muitos, os incansáveis, os crédulos e os cândidos, os que têm alguma fé e ainda umas persistentes esperanças, mas dificilmente apenas esses instrumentos humanos, o trabalho e o talento, serão contingentes e por si só suficientes.... Ajudam um pouco nessa ambição, por certo. Porém, não bastam. Isso ainda será pouco, muito pouco e não passará disso, o certo ponto e esse ponto também não será muito significativo nem muito alto.
O ponto certo, idealizado, estará mais acima, e este exigirá condicionalmente a presença tangível da sorte a afagar caprichosamente os eleitos com sua escolha aleatória (o que prescinde, em certos casos, dessas muletas semidecorativas - o trabalho e o talento). Sorte que conferirá o acesso ao reconhecimento, à celebrização, à blindagem pessoal, à riqueza, ao conforto, às vitórias ou às derrotas em embates pessoais, em grandes empreendimentos, em guerras, à pequena ou à grande história. O que faz toda a diferença, sideral, nas vidas das pessoas, para o bem e para o mal, é apenas a sorte.
A demanda shakespereana deveria ser... "Ter a sorte ou não a ter"... (e Shakespeare conhecia a fundo o assunto e sabiamente acreditava no mote...)
Os gregos perceberam algo e suas parcas sempre souberam disso.
A sorte é o outro nome da vida. Será a sorte que definirá quem a ganhou ou quem a perdeu. Woody Allen fez um filme razoável sobre o tema (Match Point) e parece que ali ele teve uma certa sensibilidade para o entrecho, a lucidez e a razão, apesar de um erro inconvincente (no diário da moça) quase ao final da trama.
Os que tiveram a sorte dirão sempre que foi apenas o trabalho (tenaz e persistente) e o talento (superior e intransferível). Normalmente nessa ordem. Omitem a sorte como se essa fosse um segredo a ser guardado severamente, não ousar sequer revelar-lhe o nome. E talvez deva ser assim mesmo, algo secreto e impronunciável, porque o que faz toda diferença sempre será a singela, única e definitiva (e escondida) palavra. Há um pacto espontáneo de silêncio entre os escolhidos, como se isso fosse necessário para conjurar o risco de sua desaparição. É ela que faz os homens desiguais e determina a culminância dos destinos numa direção favorável ou desfavorável. Como a sorte é bastante escassa e a sua ausência entre os indivíduos resultará numa constante numerosa e invariável, a situação dos destinos humanos perpetua-se em desequilíbrio. Existem uns poucos com muita sorte e uma infinidade de outros destinos sofridos e mal resolvidos, em meio a perplexidades, surpresas e frustrações.
Mas não carece que se manifeste a surpresa e todo um conjunto de desânimos. Devemos conviver com o geral, o destino que cabe imutável à maioria mal sobrevivente. A sorte é uma raridade que contempla a uns poucos e esses vivem muitissimo melhor que todos os outros. Porquê? Não se explica, é a vida, é a história designada e apontada para cada um...
Melhor para quem tem sorte, virem-se os outros da forma que lhes for possivel e a lei o permitir. Ou isso não é uma verdade colocada frontalmente para todos, às claras, sem equívocos e sem atenuantes em todas as mesas, nas ruas, nas esquinas, nas estradas, nas telas dos cinemas e nas tvs? Basta olhar em volta, é só ter a atenção de escutar as histórias que cada um tem para contar.
Vê quem olha e pensa um pouco, não vê quem sonha e se ilude, instante a instante. Por outro lado, quem tem sorte vive intensamente e conclui que a vida é bela, belissima, com toda a razão e gosto.
Os outros, que permanecerão anônimos, serão simplesmente os que não tiveram sorte e ponto. Pronto, serão as vidas pequenas e sofridas dos figurantes, nem coadjuvantes serão.
Vida e natureza são assim, sempre foram assim e isso não mudará nunca através dos tempos. Os homens são inferiores à magnitude de sua sorte. Mudam as religiões, substituem-se os deuses, os dogmas, o grau do conhecimento científico, a tecnologia, os modos do prazer, mas não se explica nem se muda a sorte. Simples sorte. Pura sorte. Ela transforma e define os destinos. Sua falta causa os acidentes, as mortes, as doenças, as amputações, as tragédias, as injustiças, os crimes, as angústias, as privações, as saudades e as tristezas.
E fornece caprichosamente a outros, os antídotos (ou o antídoto único e suficiente) a cada um desses venenos.
Não se trata de pessimismo ou de otimismo, uma escolha que raros têm e muitos nunca terão. A vida é assim e os destinos que se lhes reservam, imutáveis, pelos caprichos tortuosos da sorte. Nem adiantará trabalhar muito aos que não a têm, criar e inventar coisas úteis, belas e originais. Nada resultará, ninguém perceberá seus feitos. Serão ações no escuro. Aos que têm sorte tudo ajuda, um pouco de trabalho, alguma beleza, algum espírito e a notoriedade se imporá. Nos casos contemplados com a sorte, o trabalho será menor, bem mais divertido, leve e rentável, a beleza muita, o conforto e as delicias da vida, incomparáveis. Tudo de bom e do melhor. A vida é assim.
Boa sorte, muita sorte! A sorte nunca é excessiva, ela é apenas suficiente para mudar a sua vida.