Darwin e a baleia
Luis Fernando Verissimo
O companheiro Zuenir tocou neste assunto há dias. O assunto é vasto e volta a ser discutido, entre outras razões, porque este é o ano do bicentenário de nascimento do homem. E porque ele continua controvertido.
A teoria da evolução de Charles Darwin ainda não convenceu todo o mundo.
Nos Estados Unidos alguns estados proíbem que ela seja ensinada nas escolas ou exigem que o criacionismo, ou a versão bíblica da origem da nossa espécie, também seja ensinada, para o aluno escolher a mais plausível. Fala-se em fazer a mesma coisa por aqui. De acordo com pesquisas a maior parte da população americana - e no resto do mundo a proporção não deve ser diferente - prefere ser descendente de Adão e Eva do que de macacos. Eu não tenho problemas com a teoria de Darwin: acho que todos os humanos descendem, sim, de um remoto casal de primatas, menos os meus antepassados, que foram adotados.
É surpreendente como Darwin resistiu a todas as novidades da genealogia nos 150 anos desde a publicação do seu “A origem das espécies”, inclusive as últimas revelações sobre DNA e códigos genéticos. Um pouco como Einstein, Darwin intuiu muita coisa que não tinha como comprovar e - com o pouco que se sabia sobre os genes na ápoca - grande parte da sua teoria pode ser descrita mais como sacada do que como dedução. Uma sacada que o tempo não desmentiu.
Mas um texto que li não faz muito destaca um engano de Darwin corrigido pela moderna biologia molecular: seu palpite sobre a evolução da baleia. Darwin observara que os ursos se comportavam, na água, como as baleias, nadando com a boca aberta para se alimentar do que aparecesse, e concluiu que eram da mesma família.
Hoje se sabe que a baleia pertence ao mesmo grupo de mamíferos que inclui porcos e vacas, e que o que deu em patas dianteiras no hipopótamo se transformou em nadadeiras na baleia, que também conserva, embutidos, vestígios das patas traseiras dos seus parentes terrestres e anfíbios. Porque a baleia é um caso único de vertebrado que reverteu o trajeto da água para a terra feito pelos outros e não apenas preferiu ficar no mar como readquiriu muitas das características aquáticas abandonadas pela categoria. Um exemplo de conservadorismo sentimental, como o daquelas pessoas que renunciam à agitação urbana para voltar a viver no lugar em que nasceram, e conhecem bem. O que talvez explique aquele seu ar filosófico.
Foi um engano de Darwin. Nada que justifique transformar a baleia num símbolo das forças criacionistas, se é que alguém estava pensando nisto.
© Luis Fernando Verissimo