Domingo, 12.02.12

Mito é a palavra

Olhos no bastidor do jogo

 

Luiz Zanin Oricchio - O Estado de São Paulo

 

Você vai ao Museu do Futebol cheio de paixão e sai de lá repleto de perguntas, o que não quer dizer que o amor pelo seu clube ou pelo jogo tenha diminuído. Pelo contrário. Talvez apenas tenha ficado mais complexo e rico. É essa a intenção de um museu que se deseja antipedagógico e, com desculpas pela da contradição, muito pouco museológico. É assim que o espectador deve se postar diante da exposição temporária Vestiário, que será inaugurada na terça-feira, às 19h30.

 


 

Com espanto, aberto a um olhar fresco e a uma nova perspectiva em relação ao esporte que ele crê conhecer tão bem. A exposição consta de 56 fotos de Gilberto Perin e 28 obras do artista plástico Felipe Barbosa, que dialogam com a técnica de video mapping do VJ Spetto. Isso quer dizer que esse espaço íntimo, os vestiários dos clubes de futebol, recebem não um tratamento realista, ou jornalístico, mas uma interpretação artística, que permite ao público vislumbrá-lo como espaço mítico. Mito é a palavra.

 

Como diz o curador Leonel Kaz, "trabalhamos aqui como no filme de John Ford, O Homem Que Matou o Facínora, no qual se a lenda é melhor que a realidade, que se imprima a lenda". Qual a melhor maneira de abordar essa lenda?

 

Não poderia ser de maneira tradicional. E, de fato, não se trata de uma exposição como outras, mas visa levar o espectador a uma experiência desse espaço exclusivo do mundo do futebol, onde muitas vezes se decide a vitória ou a derrota, que é o vestiário. As fotos de Perin seriam como o aspecto mais palpável desse "espaço sagrado" do futebol, ao qual apenas os jogadores e o técnico têm acesso. As obras do artista plástico Felipe Barbosa, compostas por bolas, chuteiras, caneleiras e outros utensílios do mundo do jogo, dispostos em forma de instalação que reproduz os armários de um vestiário, enfatizam o caráter um tanto lúdico do espaço. Assim como essa impressão fica acentuada pelas animações criadas por Spetto em computador e que serão projetadas em cima das obras dos outros artistas e nas paredes da Sala Osmar Santos, onde está montada a exposição que deve ficar em cartaz por cerca de cinco meses.

 

Essas três modalidades de percepção - as fotos, as instalações, os vídeos - são conjugadas de modo a proporcionar uma experiência única ao visitante. "Uma das sacadas da exposição é essa articulação entre três artes, fotografia, mapping e artes plásticas, que, sobrepostas, permitem trazer alguns dos imaginários que flutuam em torno do espaço íntimo do vestiário", diz Clara Azevedo, diretora de conteúdo do museu. De fato, cada uma dessas modalidades se articula com a outra, como numa jogada bem urdida de um grande time. Tudo para sugerir, de maneira poética, o que é indevassável por definição e constitui, ainda, o último reduto intransponível do futebol em meio à sociedade do espetáculo e sua vocação de tudo mostrar e transformar em show. O espaço mais escondido, o vestiário, é o que pode revelar mais a fundo a natureza do esporte. Se hoje ele é tão profissional, tão mercantilizado e pragmático, é no vestiário que seus aspectos mais essenciais se revelam. A coesão do grupo é enfatizada nos gritos de guerra, nas rodinhas de incentivo mútuo e nas palavras do "professor".

 

 

 

Mas há também espaço para as crenças, para velas acesas, ramos de arruda atrás da orelha, imagens de devoção. Conta-se que, no vestiário do Santos, todos os ruídos cessavam um pouco antes do início do jogo, quando Pelé, já inteiramente paramentado com seu uniforme, meias e chuteiras, se estendia sobre um banco, cobria o rosto com uma toalha e permanecia alguns minutos em silêncio. O que fazia? Tirava um pequeno cochilo antes da partida decisiva? Rezaria uma prece? Pensaria no adversário, na tática a ser empregada para vencê-lo? Ou apenas buscaria seu vazio interior, aquele silêncio de paz que o preparava para o jogo? Nunca ninguém jamais soube. Assim como (conta-se) não se sabe até hoje o que existe no armário que o mesmo Pelé trancou depois de jogar o último jogo pelo Santos, em 1974. Nunca mais foi aberto e ele não revela o que contém. Está lá, conforme a lenda, do jeito que Pelé o deixou, na Vila Belmiro.

 

Coisas do vestiário, desse espaço de mistério. Mitos do futebol, que povoam o imaginário desse esporte, que é também uma religião para muitos dos seus seguidores. Foi pensando nessa aura mítica, e no que vai além dela, que a exposição foi montada. Como diz Felipe Barbosa, "a mostra discute muitas coisas além do futebol. Alarga o conceito de vestiário, não apenas como local físico, mas como lugar de crença, celebração, fé. Um espaço sagrado, onde somente jogadores têm acesso", diz. Leonel Kaz lembra também que o vestiário é como um rito de passagem para o jogador. "Ele se despe de sua roupa civil, como a de qualquer mortal, e se veste com o uniforme do seu clube, como quem se prepara para uma batalha." É nesse recinto que a pessoa física do profissional se transforma na figura do jogador, aquele que veste a cor de um clube ou de uma seleção e entra na arena para representar os torcedores, às vezes um país inteiro. Ele se ritualiza. E a entrada no gramado é o termo final desse rito. "Uma vez acompanhei a entrada em campo do Pelé, ao lado dele, e nunca esqueci a experiência", conta Kaz, que torce para o América do Rio. "Aquele barulho da torcida vai subindo até explodir; é algo muito físico, impressionante, essa passagem do vestiário para o campo de jogo."

 

Enfim, o que se tenta é a aproximação, através de da interpretação dos artistas, dessa realidade para sempre escondida dos torcedores. Por isso, o curador da mostra, Leonel Kaz, diz que "ao conceber a mostra, eu brincava que ela seria um misto entre uma exposição e uma alucinação. Por quê? Porque levaria o visitante aos extremos da sua percepção, numa comunhão singular de experiências visuais". Na superposição de espaços míticos, entra o próprio local onde se dará a exposição. O espaço, hoje denominado Sala Osmar Santos, em homenagem ao grande inovador da narração esportiva, era antigamente usado como vestiário. Teve essa finalidade até a construção do Tobogã, quando então os vestiários foram realocados no espaço do velho estádio, inaugurado em 1940. Estádio mítico, já que é disso que se trata.

 

Publicado em O Estado de São Paulo

Imagem: Fotografia de Gilberto Perin

Retrato do fotógrafo Gilberto Perin por Liane Neves

 

 

publicado por ardotempo às 13:09 | Comentar | Adicionar

Grande Exposição no Museu do Futebol - São Paulo

Dia 14 de fevereiro - 19h30 horas - Estádio do Pacaembu - Praça Charles Miller, s/nº

Abertura da mostra de Fotografias de Gilberto Perin

Livro: CAMISA BRASILEIRA - Imagens dos bastidores do futebol

 

VESTIÁRIO

 

 

publicado por ardotempo às 00:12 | Comentar | Adicionar

A utilidade misteriosa

Lo moderno

 

Enrique Vila-Matas

 

"Hay que ser absolutamente moderno”, dijo Rimbaud. Y siglo y medio después sufrimos aún las consecuencias. Esa frase, además de intimidatoria, comenta Calasso en La Folie Baudelaire, ha dejado innumerables víctimas, numerosos “escritores con frecuencia mediocres, pero decididos a todo, con tal de seguir la consigna de lo que los había cegado”.

 

En los últimos tiempos recibimos noticia constante de gente no consciente de que de nada sirve que sean ellos mismos quienes digan que son innovadores, pues a la larga, si son revolucionarios o tecnoplastas, lo habrá de juzgar el digital tribunal del tiempo, siempre implacable.

 

Dickens o Kafka nunca presumieron de cambiar la historia de la literatura ni la historia de nada y sin embargo la cambiaron. Es una prueba de que para transformarla no se necesita ir vestido al último grito. El futurista Julien Gaul presumió de ponerlo todo patas arriba y hoy nadie le recuerda. Si mi generación murió de Thomas Bernhard, algunos sectores de las siguientes van camino de asfixiarse de tanta pesadez, inercia y opacidad del mundo que se adhiere a la escritura de sus campanudos teóricos de lo nuevo.

 

En su momento, solo Baudelaire estuvo a la altura de las circunstancias y quizás por eso hoy es el único moderno que no nos parece anticuado. Brummell nos enseñó que la cumbre de la elegancia es la “simplicidad absoluta”. Y Baudelaire que la modernidad máxima se alcanza no siendo moderno y limitándose uno a aborrecer el movimiento interno del mundo en el que vive, aunque reconociéndole una “utilidad misteriosa”.

 

De hecho, la revolución de Baudelaire, sugiere Calasso, fue de carácter “conservador”. Baudelaire había leído a Joseph de Maistre y a Chateaubriand, y de ellos aprendió, como ha escrito Christopher Domínguez Michael, “el secreto de la innovación anacrónica, la capacidad de traducir aquello que parece provenir de una lengua muerta”. De hecho, mentalmente, fue más fiel al pintor Ingres y a la Edad Media que al romántico Delacroix.

 

Y no puede decirse que teorizara demasiado sobre la modernidad, más bien buscó averiguar su esencia, aislarla como elemento químico, registrar el peculiar, incesante bramido nervioso que la corroía y exaltaba desde siempre. No la leyenda de los siglos, sino la leyenda del instante, en su volatilidad precariedad; la leyenda de un presente que percibía que cada vez comunicaba más con la decadencia y el vacío. Y en el vacío, ya es sabido, siempre acaba uno topándose con algún célebre desconocido.

 

Un día, le mostraron a Baudelaire un fetiche africano, una pequeña cabeza monstruosa tallada en un trozo de madera por un pobre negro. “Es realmente fea”, le dijo alguien. “¡Cuidado!, dijo él, inquieto. “¡Podría ser el verdadero Dios!.

 

En la última página de La Folie Baudelaire (Anagrama, excelente traducción de Edgardo Dobry), en la descripción de un instante, Calasso parece apresar el secreto de “la innovación anacrónica” y la estremecedora y verdadera índole de lo moderno: “El rumor continuo de los troncos cayendo sobre el empedrado de los patios. Eran descargados de las carretas, casa por casa, ante la inminencia del frío. La leña cae al suelo y anuncia el invierno. Baudelaire vela. No tiene necesidad de ninguna otra cosa que no sea ese sonido, sordo, repetido…”.

 

Casi oímos ahí, mezclada con la caída ahogada de los leños, la laboriosa respiración del poeta ante el invierno. Baudelaire vela y se prepara para escribir —con el nervio de su elegante simplicidad absoluta— unos versos que hoy son leyenda, pero también —por pertenecer a nuestro más rabioso y patético presente— lo más moderno que uno puede leer en estos días en los que comprobamos que nada es nuevo y todo se repite trágicamente en el incesante bramido que nos exalta desde siempre: “Escucho temblando cada tronco que cae. El patíbulo que erigen no tiene eco más sordo”.

 

Enrique Vila-Matas

publicado por ardotempo às 00:08 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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