Sexta-feira, 24.02.12

Tempo em que os blogs estavam na moda

Los viejos blogueros nunca mueren

 

Enrique Vila-Matas

 

Me acuerdo de los gorros tipo Davy Crockett, y de cuando todo era Davy Crockett por aquí y Davy Crockett por allá”, leo en el libro que Joe Brainard dedicó a sus recuerdos. Si un día me propusiera abordar los míos, empezaría así: “Me acuerdo de Internet”.

 

Y es que han pasado sólo once años desde que los ordenadores cambiaron mis hábitos, pero tengo la impresión de que han transcurrido muchísimos más. Me acuerdo de cuando los blogs estaban de moda. Después, Facebook y Twitter los fueron arrinconando, aunque algunos de ellos, como Vano oficio (Ivan Thays) o el tan justamente célebre El lamento de Portnoy (Javier Avilés), mantienen intactos su interés. En su último post, Avilés cita una entrada de Rango finito (Javier Moreno), que comenta el problema creado por el uso generalizado de las redes sociales: entre unas y otras han logrado que disminuyan el número de enlaces entre blogs y, por consiguiente, que se contraiga el contenido en la Red.

 

Son los propios blogueros quienes están haciendo que el dinámico entramado de la Red que les unía sea cada vez más débil. Y es que los enlaces en las redes sociales no sólo tienen ahí una permanencia fugaz, sino que, además, no generan contenido dentro de Internet, ya que son obviados por los buscadores.

 

Es curioso: creíamos que Internet era un lugar temible para la calidad literaria y ahora incluso añoramos la antigua pujanza de los enlaces y contenidos de los blogs. En todo caso, los mejores resisten.

 

El lamento de Portnoy se vale de su comentario sobre la caída bloguera para crear nuevos vínculos. “Es evidente que este post pretende generar enlaces y contenido”, dice Avilés alias Portnoy. Y conecta conBolmangani, blog que en su entrada del 10 de febrero ofrece, en traducción de Jose Luis Amores, el prólogo a The novel, an alternative history, libro de Steven Moore donde se ensalza a la “literatura de la dificultad” (o de la complejidad) y se arremete “contra la estrechez de miras de los Myers, Peck y Franzen, defensores de la historia estándar del género de la novela”.

 

Podremos estar de acuerdo o no con la embestida, pero el prólogo de Moore es interesante. Para él, “todos los desarrollos significativos en nuestra historia cósmica” pueden verse como saltos hacia nuevos niveles de complejidad. Y se acuerda de cuando los Beatles lanzaron Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band y hubo quienes criticaron la irrupción de la complejidad en las canciones del grupo. Moore se plantea si los Beatles, de haberse atascado en su simpleza inicial, serían los iconos culturales de ahora.

 

Dado que hasta los fans más antiguos aplaudieron la evolución del grupo, se pregunta también por qué a los autores literarios no se les ha permitido lo mismo que a los músicos pop. ¿Por qué, por ejemplo, se vapuleó tanto a Joyce por haber intentado ir de Dublineses hasta Finnegans Wake? Me ha parecido que Moore no contempla que se pueda evolucionar a la inversa, es decir, la llamada “innovación anacrónica”. Pero creo que en el fondo su escritura, tan deliberadamente legible, entrevé que sólo se puede renovar con eficacia la narrativa reformándola con gran paciencia desde dentro (“¡Pero muy ligeramente! Porque si te pasas, caes en el gran error, ¿no es así?”, decía Céline).

 

Por mi parte, me siento próximo a este estilo de renovación, aunque entiendo que no hay ninguno que posea la fórmula perfecta. Tal vez en todo esto una sola certeza: el ensayo de Moore habla en realidad de temas muy habituales en nuestros blogs más activos, plantea dilemas que históricamente han sido centrales en ellos. Dilemas en los que el tenso diálogo entre lo convencional y lo supuestamente nuevo ha dado siempre gran variedad de ideas y enlaces. Y un cierto heroísmo cotidiano. La leyenda dice que los grandes blogueros llevan siempre las botas puestas.

 

Enrique Vila-Matas 

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Domingo, 12.02.12

Mito é a palavra

Olhos no bastidor do jogo

 

Luiz Zanin Oricchio - O Estado de São Paulo

 

Você vai ao Museu do Futebol cheio de paixão e sai de lá repleto de perguntas, o que não quer dizer que o amor pelo seu clube ou pelo jogo tenha diminuído. Pelo contrário. Talvez apenas tenha ficado mais complexo e rico. É essa a intenção de um museu que se deseja antipedagógico e, com desculpas pela da contradição, muito pouco museológico. É assim que o espectador deve se postar diante da exposição temporária Vestiário, que será inaugurada na terça-feira, às 19h30.

 


 

Com espanto, aberto a um olhar fresco e a uma nova perspectiva em relação ao esporte que ele crê conhecer tão bem. A exposição consta de 56 fotos de Gilberto Perin e 28 obras do artista plástico Felipe Barbosa, que dialogam com a técnica de video mapping do VJ Spetto. Isso quer dizer que esse espaço íntimo, os vestiários dos clubes de futebol, recebem não um tratamento realista, ou jornalístico, mas uma interpretação artística, que permite ao público vislumbrá-lo como espaço mítico. Mito é a palavra.

 

Como diz o curador Leonel Kaz, "trabalhamos aqui como no filme de John Ford, O Homem Que Matou o Facínora, no qual se a lenda é melhor que a realidade, que se imprima a lenda". Qual a melhor maneira de abordar essa lenda?

 

Não poderia ser de maneira tradicional. E, de fato, não se trata de uma exposição como outras, mas visa levar o espectador a uma experiência desse espaço exclusivo do mundo do futebol, onde muitas vezes se decide a vitória ou a derrota, que é o vestiário. As fotos de Perin seriam como o aspecto mais palpável desse "espaço sagrado" do futebol, ao qual apenas os jogadores e o técnico têm acesso. As obras do artista plástico Felipe Barbosa, compostas por bolas, chuteiras, caneleiras e outros utensílios do mundo do jogo, dispostos em forma de instalação que reproduz os armários de um vestiário, enfatizam o caráter um tanto lúdico do espaço. Assim como essa impressão fica acentuada pelas animações criadas por Spetto em computador e que serão projetadas em cima das obras dos outros artistas e nas paredes da Sala Osmar Santos, onde está montada a exposição que deve ficar em cartaz por cerca de cinco meses.

 

Essas três modalidades de percepção - as fotos, as instalações, os vídeos - são conjugadas de modo a proporcionar uma experiência única ao visitante. "Uma das sacadas da exposição é essa articulação entre três artes, fotografia, mapping e artes plásticas, que, sobrepostas, permitem trazer alguns dos imaginários que flutuam em torno do espaço íntimo do vestiário", diz Clara Azevedo, diretora de conteúdo do museu. De fato, cada uma dessas modalidades se articula com a outra, como numa jogada bem urdida de um grande time. Tudo para sugerir, de maneira poética, o que é indevassável por definição e constitui, ainda, o último reduto intransponível do futebol em meio à sociedade do espetáculo e sua vocação de tudo mostrar e transformar em show. O espaço mais escondido, o vestiário, é o que pode revelar mais a fundo a natureza do esporte. Se hoje ele é tão profissional, tão mercantilizado e pragmático, é no vestiário que seus aspectos mais essenciais se revelam. A coesão do grupo é enfatizada nos gritos de guerra, nas rodinhas de incentivo mútuo e nas palavras do "professor".

 

 

 

Mas há também espaço para as crenças, para velas acesas, ramos de arruda atrás da orelha, imagens de devoção. Conta-se que, no vestiário do Santos, todos os ruídos cessavam um pouco antes do início do jogo, quando Pelé, já inteiramente paramentado com seu uniforme, meias e chuteiras, se estendia sobre um banco, cobria o rosto com uma toalha e permanecia alguns minutos em silêncio. O que fazia? Tirava um pequeno cochilo antes da partida decisiva? Rezaria uma prece? Pensaria no adversário, na tática a ser empregada para vencê-lo? Ou apenas buscaria seu vazio interior, aquele silêncio de paz que o preparava para o jogo? Nunca ninguém jamais soube. Assim como (conta-se) não se sabe até hoje o que existe no armário que o mesmo Pelé trancou depois de jogar o último jogo pelo Santos, em 1974. Nunca mais foi aberto e ele não revela o que contém. Está lá, conforme a lenda, do jeito que Pelé o deixou, na Vila Belmiro.

 

Coisas do vestiário, desse espaço de mistério. Mitos do futebol, que povoam o imaginário desse esporte, que é também uma religião para muitos dos seus seguidores. Foi pensando nessa aura mítica, e no que vai além dela, que a exposição foi montada. Como diz Felipe Barbosa, "a mostra discute muitas coisas além do futebol. Alarga o conceito de vestiário, não apenas como local físico, mas como lugar de crença, celebração, fé. Um espaço sagrado, onde somente jogadores têm acesso", diz. Leonel Kaz lembra também que o vestiário é como um rito de passagem para o jogador. "Ele se despe de sua roupa civil, como a de qualquer mortal, e se veste com o uniforme do seu clube, como quem se prepara para uma batalha." É nesse recinto que a pessoa física do profissional se transforma na figura do jogador, aquele que veste a cor de um clube ou de uma seleção e entra na arena para representar os torcedores, às vezes um país inteiro. Ele se ritualiza. E a entrada no gramado é o termo final desse rito. "Uma vez acompanhei a entrada em campo do Pelé, ao lado dele, e nunca esqueci a experiência", conta Kaz, que torce para o América do Rio. "Aquele barulho da torcida vai subindo até explodir; é algo muito físico, impressionante, essa passagem do vestiário para o campo de jogo."

 

Enfim, o que se tenta é a aproximação, através de da interpretação dos artistas, dessa realidade para sempre escondida dos torcedores. Por isso, o curador da mostra, Leonel Kaz, diz que "ao conceber a mostra, eu brincava que ela seria um misto entre uma exposição e uma alucinação. Por quê? Porque levaria o visitante aos extremos da sua percepção, numa comunhão singular de experiências visuais". Na superposição de espaços míticos, entra o próprio local onde se dará a exposição. O espaço, hoje denominado Sala Osmar Santos, em homenagem ao grande inovador da narração esportiva, era antigamente usado como vestiário. Teve essa finalidade até a construção do Tobogã, quando então os vestiários foram realocados no espaço do velho estádio, inaugurado em 1940. Estádio mítico, já que é disso que se trata.

 

Publicado em O Estado de São Paulo

Imagem: Fotografia de Gilberto Perin

Retrato do fotógrafo Gilberto Perin por Liane Neves

 

 

publicado por ardotempo às 13:09 | Comentar | Adicionar

Grande Exposição no Museu do Futebol - São Paulo

Dia 14 de fevereiro - 19h30 horas - Estádio do Pacaembu - Praça Charles Miller, s/nº

Abertura da mostra de Fotografias de Gilberto Perin

Livro: CAMISA BRASILEIRA - Imagens dos bastidores do futebol

 

VESTIÁRIO

 

 

publicado por ardotempo às 00:12 | Comentar | Adicionar

A utilidade misteriosa

Lo moderno

 

Enrique Vila-Matas

 

"Hay que ser absolutamente moderno”, dijo Rimbaud. Y siglo y medio después sufrimos aún las consecuencias. Esa frase, además de intimidatoria, comenta Calasso en La Folie Baudelaire, ha dejado innumerables víctimas, numerosos “escritores con frecuencia mediocres, pero decididos a todo, con tal de seguir la consigna de lo que los había cegado”.

 

En los últimos tiempos recibimos noticia constante de gente no consciente de que de nada sirve que sean ellos mismos quienes digan que son innovadores, pues a la larga, si son revolucionarios o tecnoplastas, lo habrá de juzgar el digital tribunal del tiempo, siempre implacable.

 

Dickens o Kafka nunca presumieron de cambiar la historia de la literatura ni la historia de nada y sin embargo la cambiaron. Es una prueba de que para transformarla no se necesita ir vestido al último grito. El futurista Julien Gaul presumió de ponerlo todo patas arriba y hoy nadie le recuerda. Si mi generación murió de Thomas Bernhard, algunos sectores de las siguientes van camino de asfixiarse de tanta pesadez, inercia y opacidad del mundo que se adhiere a la escritura de sus campanudos teóricos de lo nuevo.

 

En su momento, solo Baudelaire estuvo a la altura de las circunstancias y quizás por eso hoy es el único moderno que no nos parece anticuado. Brummell nos enseñó que la cumbre de la elegancia es la “simplicidad absoluta”. Y Baudelaire que la modernidad máxima se alcanza no siendo moderno y limitándose uno a aborrecer el movimiento interno del mundo en el que vive, aunque reconociéndole una “utilidad misteriosa”.

 

De hecho, la revolución de Baudelaire, sugiere Calasso, fue de carácter “conservador”. Baudelaire había leído a Joseph de Maistre y a Chateaubriand, y de ellos aprendió, como ha escrito Christopher Domínguez Michael, “el secreto de la innovación anacrónica, la capacidad de traducir aquello que parece provenir de una lengua muerta”. De hecho, mentalmente, fue más fiel al pintor Ingres y a la Edad Media que al romántico Delacroix.

 

Y no puede decirse que teorizara demasiado sobre la modernidad, más bien buscó averiguar su esencia, aislarla como elemento químico, registrar el peculiar, incesante bramido nervioso que la corroía y exaltaba desde siempre. No la leyenda de los siglos, sino la leyenda del instante, en su volatilidad precariedad; la leyenda de un presente que percibía que cada vez comunicaba más con la decadencia y el vacío. Y en el vacío, ya es sabido, siempre acaba uno topándose con algún célebre desconocido.

 

Un día, le mostraron a Baudelaire un fetiche africano, una pequeña cabeza monstruosa tallada en un trozo de madera por un pobre negro. “Es realmente fea”, le dijo alguien. “¡Cuidado!, dijo él, inquieto. “¡Podría ser el verdadero Dios!.

 

En la última página de La Folie Baudelaire (Anagrama, excelente traducción de Edgardo Dobry), en la descripción de un instante, Calasso parece apresar el secreto de “la innovación anacrónica” y la estremecedora y verdadera índole de lo moderno: “El rumor continuo de los troncos cayendo sobre el empedrado de los patios. Eran descargados de las carretas, casa por casa, ante la inminencia del frío. La leña cae al suelo y anuncia el invierno. Baudelaire vela. No tiene necesidad de ninguna otra cosa que no sea ese sonido, sordo, repetido…”.

 

Casi oímos ahí, mezclada con la caída ahogada de los leños, la laboriosa respiración del poeta ante el invierno. Baudelaire vela y se prepara para escribir —con el nervio de su elegante simplicidad absoluta— unos versos que hoy son leyenda, pero también —por pertenecer a nuestro más rabioso y patético presente— lo más moderno que uno puede leer en estos días en los que comprobamos que nada es nuevo y todo se repite trágicamente en el incesante bramido que nos exalta desde siempre: “Escucho temblando cada tronco que cae. El patíbulo que erigen no tiene eco más sordo”.

 

Enrique Vila-Matas

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Sábado, 11.02.12

A barbárie previsível

A barbárie é um mundo sem livros

 

 

Existe uma nova maneira de se queimar livros sem a utilização do fogo.

 

Um mundo sem arte, sem poesia, sem literatura, sem memória, sem cultura.

Um mundo concentrado exclusivamente no entretenimento frívolo, midiático (cada vez mais superficial, cada vez com menos palavras), no consumo demencial e na desenfreada especulação financeira, construindo um cenário idealizado em engenharia de gestão não-social que privilegia o desemprego como uma ideia de austeridade.

publicado por ardotempo às 23:37 | Comentar | Adicionar

O que cada vez mais se parece

Tempos difíceis

 

João Ventura

 

Por estes dias, celebram-se 200 anos do nascimento de Charles Dickens, e o mundo fora dos livros, desgraçadamente, vai-se parecendo, cada vez mais, com o mesmo mundo que ele retratou em romances como David Copperfield, Oliver Twist,

 

Tempos Difíceis ou História de Duas Cidades, que contribuíram para a minha formação literária e de algum modo, ajudaram a moldar as minhas convicções políticas. A actualidade da sua obra pode ver-se, por exemplo, no começo de História de Duas Cidades: "Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos; a idade da sabedora, e também da loucura; a época das crenças e da incredulidade; a era da luz e das trevas; a primavera da esperança e o inverno do desespero".

 

Em Tempos Difíceis, Dickens, critica com acidez as deploráveis condições de vida dos operários ingleses e o fosso abismal que existia entre a sua vida precária e o fausto obsceno dos ricos da Inglaterra vitoriana. Nestes tempos difíceis de crise que assola a Europa, com os impostos a aumentar e os salários a diminuir, com o desemprego a disparar para números impossíveis, com sucessivos cortes nas prestações sociais dos estados, enfim, com cada vez mais amplos sectores das populações a empobrecer, e com a Grécia, seguida de Portugal - onde, de acordo, com números do Eurostat, mais de 2.500 milhões de pessoas sobrevivem em estado de pobreza e de exclusão social - e de outros países europeus, caminhando à beira do abismo para onde os sucessivos desgovernos e os especuladores financeiros nos vão empurrando, impossível não nos assombrarmos ao constatar como este romance publicado em 1854 descreve a realidade actual.

 

É que a obscena desigualdade entre os miseráveis lares proletários, retratados por Dickens na sua frieza, obscuridade e pobreza extremas, e as luxuosas mansões dos capitalistas da época que tratavam os seus assalariados como bestas de carga, parece reproduzir-se nestes nossos tempos difíceis em que que aos magros salários de muitos se contrapõem aos altos salários de uns tantos gestores transitados da política para as empresas e para os bancos. A única diferença entre os privilegiados dos tempos difíceis de Dickens e os privilegiados de agora, é que os de antes se chamavam utilitaristas e os de hoje são neo-liberais, e que uns se reviam em Stuart Miller e os outros revêm-se em Milton Friedman.

 


Vale a pena recordar um acontecimento catastrófico vivido por Dickens, num início de Verão de 1865, quando viu despenhar-se num precipício sete carruagens do comboio em que viajava. Premonitória metáfora de uma Europa, primeiro a Grécia, depois a Irlanda e Portugal e logo as restantes carruagens deste comboio europeu - sem maquinista mas com maquinadores - que hoje vai descarrilando arriscando uma queda sem fim no abismo que se abre sob o seu gasto e destravado rodado metálico.

 

Talvez seja, ainda, possível evitar a queda se os maquinadores que nos conduzem para a catástrofe forem capazes de imitar o mesquinho senhor Scrooge de Um conto de Natal, que ao ver o futuro sombrio anunciado pelos espíritos do Passado, do Presente e do Futuro, onde podia ver-se um túmulo com o seu epitáfio e nenhuma flor flor, soube redimir-se a tempo e converter-se num homem generoso. Uma parábola, afinal, que a senhora Merkel deveria recordar se quiser, ainda, ter remissão.

 

João Ventura - Publicado no blog O que cai dos dias 

publicado por ardotempo às 22:59 | Comentar | Adicionar

Sem medo

Os gigantes

 

 

Gilberto Perin - Fotografia - Sem título (Uruguaiana RS Brasil), 2010

publicado por ardotempo às 22:24 | Comentar | Adicionar

Ausência de mim mesmo em mim mesmo

Sem sofrimento nem dor

 

António Lobo Antunes

 

Ontem, a meio da tarde, o meu pai disse

 

- Ai filho

 

e ficou-se como um passarinho, sem sofrimento nem dor. Não aborreceu ninguém. Aliás, durante toda a vida, pelo menos desde que o conheço, nunca aborreceu ninguém. Antes calculo que também não, era a paz em pessoa: gritos, zangas, impaciências foram coisas que não lhe vi. Passava as tardes na sua cadeira, a olhar a janela, quase não comia, quase não falava a não ser para garantir

 

- Estou bem

 

a minha mãe foi-se embora com o irmão dele, era eu pequeno, informou

 

- Vou viver com o Zé

 

e até hoje, não houve cenas, partes-gagas, discussões, o meu pai e o meu tio levaram-lhe, a meias, a bagagem, despediram-se no passeio e não tornei a vê-los. Não fiz perguntas e o meu pai não me explicou nada, deixou falar os factos. De início ainda pensei que mais dia menos dia se casasse outra vez. Não casou. E, tirando a madrinha dele, não nos entrou qualquer mulher no apartamento. À parte um bocadinho de pó a mais e umas nódoas por aqui e por ali as coisas continuaram na mesma: o meu pai na oficina e eu na escola, a seguir o meu pai e eu na oficina, a seguir o meu pai reformado e eu na oficina, aos domingos um passeiozeco a ver o rio, lado a lado, em silêncio, não me apareceram namoradas em condições, não éramos pessoas de criar amizades, um de nós preparava qualquer coisa para o jantar, o que não preparava qualquer coisa para o jantar tratava da loiça, um bocadinho de televisão antes da cama, coloquei uma cadeira ao lado da sua para olhar a janela com ele, as árvores, os pombos, os prédios, essas coisas e o tempo foi passando sem a gente dar por isso e, tirando um ou outro

 

- Ai filho

 

da sua parte não necessitávamos de conversas. Volta e meia a vizinha de baixo, viúva, oferecia-nos uns enchidos que trazia da terra, uma senhora que uma tarde me abraçou nas escadas

 

- Não te sentes sozinho?

 

e, como não me sentia sozinho, ficámos por ali mas ainda me lembro do perfume e de pegar na minha mão e a espalhar no seu peito. Nem sequer a tirei, acabou por cair por si quando ela se afastou, do mesmo modo que os enchidos acabaram a partir dessa altura e, pouco depois, um homem começou a morar com ela, empregado na drogaria à esquerda da oficina.

 

De vez em quando escutavam-se uns barulhos, a vizinha pedia

 

- Não me batas mais Jorge

 

os barulhos iam cessando a pouco e pouco, o homem saía a encontrar-se com a dona da papelaria, um de cada lado do balcão, a murmurarem sorrisos e dava-me ideia que a vizinha a chorar. Posso estar enganado mas dava-me ideia que a vizinha a chorar, queixando-se ao marido defunto. Que eu tenha reparado o marido defunto não a protegeu, em regra os maridos defuntos não se metem nesse género de problemas, preferem não sair das molduras. Por acaso ainda não esqueci o perfume nem o peito.

 

Não é que pense muito nisso mas continuam presentes. O homem da vizinha mudou para a cave da dona da capelista, isto há cinco ou seis anos. Não sei se lhe bate também porque os barulhos não chegam aqui, mas há meses a mulher trazia gesso no braço, o que não é suficiente para tirar ilações visto haver dúzias de maneiras de partir braços, se for a pensar acho, sem esforço, uma porção delas e, juntar a isso, a dona da capelista não parecia infeliz.

 

O meu pai comentou uma ocasião

 

- Não se me davam uns enchidos

 

eu continuei a olhar a janela e a história acabou dessa forma, embora a mim também não se me dessem uns enchidos. São um bocado indigestos porém na família temos bom estômago, até parafusos, se fosse preciso, a gente almoçava.

 

Bom. Portanto ontem, a meio da tarde, o meu pai disse

 

- Ai filho

 

sem alarme, tranquilo, e ficou-se como um passarinho.

 

O funeral é amanhã, às três horas e, pelas minhas contas devemos estar nós dois e o padre, porque não disse nada na oficina, mais os sujeitos da agência, claro, e uma coroa de flores que está incluída no preço. Deve ficar tudo despachado por volta das cinco, cinco e picos e, ao regressar a casa, passo na vizinha de baixo. Talvez me mande entrar, talvez partilhe uma morcela comigo, talvez reencontre o perfume e o peito, talvez se interesse

 

- Não te sentes sozinho?

 

e, no caso de se interessar

 

- Não te sentes sozinho?

 

sou pessoa para responder logo que sim. Há momentos em que me vai apetecer, conheço-me bem, companhia para um passeiozeco a ver o rio, alguém que me pegue no braço, a respirar perto de mim. Como se tivesse uma esposa. Tenho a certeza que o meu pai compreendia. E um jantar em condições, numa mesa com toalha e tudo e um copito de tinto para amortecer. E a vizinha de sapatos e brincos e a boca pintada. E os dedos dela sobre os meus. E o volume a aumentar-lhe num suspiro. E um segredo na minha orelha

 

- Sentes-te muito ou pouco sozinho?

 

um segundo segredo

 

- Não vais tornar a sentir-te sozinho,

 

prometo um joelho pegado ao meu, sob a toalha

 

- Não te chamas Jorge, pois não?

 

e, como não me chamo Jorge, o meu lóbulo apertado com ternura. E a mão dela a pegar na minha, a espalhá-la no peito, no outro peito, na barriga, eu

 

- Chamo-me Carlos

 

e uma segunda almofada na cama, e a minha nuca arrepiada por um mindinho lento, e pedacinhos de enchido que me coloca na boca, e a janela para a mesma rua que a minha, e eu estendido nos lençóis, e o pedido dela

 

- Dá um abracinho à mamã

 

e dou um abracinho à mamã, dois abracinhos à mamã, três abracinhos à mamã, e o meu coração desabalado, o meu corpo a tremer de alegria, uma impressão no peito, uma névoa nos olhos, o meu tronco incapaz de mover-se, os meus ouvidos a zumbirem, uma espécie de tontura, uma espécie de ausência de mim mesmo em mim mesmo, uma tentativa de falar sem que nenhuma palavra, a língua presa, os dentes moles, um frio esquisito por dentro, tão esquisito por dentro, a suspeita que eu


- Ai filha

 

a quase certeza que eu

 

- Ai filha

 

a certeza absoluta que eu

 

- Ai filha

 

e a ficar-me como um passarinho, sem sofrimento nem dor.

 

 

 


 

António Lobo Antunes

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publicado por ardotempo às 22:07 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

“Que triste a noite sem lua”

A arca perdida (e encontrada) de Fernando Pessoa

 

António Jiménez Barca 

 

A lo largo de toda su vida, Fernando Pessoa acarreó siempre de acá para allá un arcón que le acompañó en sus muchas mudanzas y en el que iba guardando, en un orden a veces indescifrable, los miles de papeles que contenían escritos suyos que no publicó.

 

Tras su muerte en 1935 el baúl quedó en la casa de su hermana, en Lisboa, que lo conservó casi intacto durante décadas. Allí, a la casa de la hermana, acudían los investigadores portugueses en los años cincuenta y sesenta —muchos casi de tapadillo a causa de la dictadura de Salazar— a expurgar entre los papeles del poeta en busca de tesoros literarios.

 

Los había: Pessoa dejó cerca de 25.000 documentos en ese baúl mágico. Entre otras cosas, el arca encerraba hojas sueltas, cartas, carpetas con libros inconclusos, poemarios, escritos inclasificables, reflexiones, cuadernos, semidiarios, confesiones, estrofas, los sobres que contenían el Libro del desasosiego y hasta un arranque de novela policiaca que Pessoa no terminó, inspirada en cuando, en 1930, ayudó a un mago famoso de la época a fingir un suicidio para que éste recuperara a su mujer.

 

El arcón de Pessoa permaneció décadas en casa de la hermana del escritor. Cartas, libros sin terminar, poemarios y diarios conforman este ‘tesoro’ literario El baúl aún esconde aparentes joyas: hace dos semanas dos especialistas de la obra del poeta editaron el — por ahora — último libro de Pessoa, con medio centenar de textos inéditos, titulado Sebastianismo e Quinto Império. El volumen es temático y reúne, según los compiladores, el portugués Jerónimo Pizarro y el colombiano Jorge Uribe, algunos escritos en prosa sobre "la dimensión mítica de la nacionalidad portuguesa".

 

Los estudiosos de la obra de Pessoa ya no tienen que ir a la casa de la hermana del escritor, abrir el arca y rebuscar. La herencia se encuentra ordenada en la Biblioteca Nacional de Portugal desde 1979 y el arcón fue subastado hace tres años y vendido a un particular anónimo por 60.000 euros.

 

Pero los papeles del poeta presentan las mismas dificultades para descifrarlos y ordenarlos que en los años sesenta: en una misma hoja, Pessoa solía escribir — con una letra intrincada y diminuta, además — un poema y al lado un bosquejo de ensayo; o una carta y por detrás la corrección del anterior poema citado; o varias versiones del mismo poema.

 

Según recuerda uno de los mayores especialistas actuales de Pessoa, Richard Zenith, el poeta solía comenzar proyectos de libros que luego se ramificaban en principios de obras distintas que a la vez se metamorfoseaban en otra cosa y que, la mayoría de las veces, quedaban inconclusas pero con descubrimientos bellísimos por el camino. Dentro de esta actualidad pessoana, la Fundación Gulbenkian, en Lisboa, organiza una exposición sobre el poeta, titulada Pessoa, plural como o universo, que se inaugura ahora. La muestra reúne algunos de esos cuadernitos suyos que comenzaban como diarios y poemarios y que acababan siendo, por ejemplo, libros de contabilidad donde anotar las deudas de las casas comerciales para las que el escritor trabajaba.

 


 

En la Gulbenkian se incluyen muchas referencias a los otros yo del poeta, a sus heterónimos, a los varios poetas distintos para los que el mismo Pessoa inventó estilo, biografía y carácter. Hay páginas memorables, como aquella en la que, al lado de un poema, figura este apunte premonitorio: Título: Desasosiego.

 

Richard Zenith conoce bien el legado de Pessoa: "Aún hay inéditas muchas de sus páginas en prosa, sobre todo las referentes a la política. En verso no tanto. El problema es clasificarlo todo. ¿Cómo ordenas esas hojas que están imbuidas de ese caos creativo en el que vivía Pessoa, en donde hay mezclados textos disímiles y, a veces, tal vez, escritos por heterónimos distintos? A él le gustaba estar en movimiento, y su obra parece responder a ese movimiento continuo también". En una de las vitrinas se expone la página que da título a la exposición: una hoja blanca en la que figura, escrita con la caligrafía complicada de Pessoa, Plural como o universo, sin que se sepa si es un verso suelto, el principio de una estrofa truncada, un aforismo o el título de un libro que no llegó a escribir.

 

Al lado, en uno de esos cuadernos-diarios, hay una hoja fechada el 1 de noviembre de 1935, sólo 30 días antes de morir, en la que figura el último poema que escribió, y que arranca así: "Que triste a noite sem lua [qué triste la noche sin luna]".

 

António Jiménez Barca - Publicado em El País

publicado por ardotempo às 20:33 | Comentar | Adicionar

Um ídolo e seu templo

Religião

 

 

 

 

Giacomo Favretto - Fotografia - Sem título (São Paulo SP Brasil), 2012

 

publicado por ardotempo às 20:31 | Comentar | Adicionar

Beijos interditados

A tumba dos beijos proibidos

 

 

O acesso à tumba-monumento dedicada ao poeta Oscar Wilde, no cemitério de Père Lachaise, em Paris, será bloqueado com altos vidros blindados para impedir a continuidade da profusão de beijos (e os seus vestígios de batom) sobre a pedra esculpida. A alegação alarmada das autoridades do patrimônio da cidade de Paris é que os beijos (poderosos) das moças estão causando danos irreversíveis ao monumento.

 

 

A justificativa oficial afirma que os produtos químicos contidos nos pigmentos e colorantes dos atuais cosméticos para os lábios femininos (e em alguns casos, masculinos) tornaram-se potentes demais com seus fixadores cromáticos e tão eficazes que as cores são absorvidas pela pedra e a tal profundidade que já não podem ser removidas por detergentes e produtos de limpeza convencionais.

 

 

 

O monumento deverá passar por uma restauração demorada para retornar à sua cor branca de giz original - e a partir deste início de ano de 2012 os beijos destinados à alma do grande poeta e às superfícies porosas da escultura estão desde já definitivamente interditados.

publicado por ardotempo às 20:25 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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