Domingo, 11.09.11

Ler não é ler. Ler é viver.

Erros capitais da leitura

 

Paulo José Miranda

 

Julgamos que pelo fato de aprendermos a ler desde muito cedo, a juntar as letras, a formar palavras que juntamos a outras e a entender palavras e frases, que sabemos ler qualquer coisa. Pois nada mais errado. Para tudo é necessário uma preparação específica e a leitura não é menos do que tudo o resto.

 

Sempre fico fascinado quando qualquer pessoa julga que pode apreciar uma peça de teatro, um poema como qualquer outro, mas sabe que não pode correr a maratona e, ainda que a consiga correr, sabe que não a consegue correr com os melhores. Ou seja, quando se trata do corpo, aceitamos facilmente que outros podem ser melhores do que nós, porque se prepararam para isso, mas quando se trata de ler um texto, de apreciar uma obra de arte, não.

 

Há textos que oferecem ao leitor a mesma resistência que a maratona.

 

Por exemplo, a Crítica da Razão Pura, de Kant, a Fenomenologia do Espírito, de Hegel, o Ser e Tempo, de Heidegger. O leitor aqui chegado a estas páginas, ou já fez muito treino, e treino específico, ou não vai conseguir ultrapassar a primeira página, quanto mais os 42 km de livro que tem pela frente. Mas não se julgue que é pelo fato de se tratar de textos filosóficos, de textos de filosofia, que o leitor encontra essa resistência e assume a sua incapacidade. Nem sequer de ser de filosofia alemã, pois o leitor assim que chega às páginas de Nietzsche, mesmo que nunca tenha corrido uma página de filosofia sequer, julga-se apto a lançar-se estrada a fora até ao fim do texto. O mesmo se passa com Platão, por exemplo. E também com o chamado segundo Wittgenstein.

 

Se isto é assim com os filósofos, por maioria de razão será com poetas e escritores. Esses, então, não oferecem resistência (com exceção de alguns casos raros). Assim, o leitor diante da maratona do poema ou do romance lança-se estrada fora e não admite que haja algum outro leitor mais preparado do que ele. Nem pensar! Aliás, é porque ele pensa, que não admite que outro pense melhor do que ele.

 

Depois abundam essas teorias de trazer pelos cafés e pelos bares: não há interpretações melhores, há interpretações. Lá está o iniciado na arte de pôr o pé na estrada a não admitir que alguém que já fez milhares de quilômetros possa correr melhor do que ele. Nem pensar! Evidentemente, o tempo de vôo não é garante de melhor leitura. Mas a falta de tempo de vôo deveria conferir mais humildade.

 

Para além do tempo de vôo, do tempo de preparação, dos muitos quilômetros percorridos, há ainda um outro fator que os leitores esquecem com freqüência: o talento. O talento, sim. Pois ninguém duvida que o Cristiano Ronaldo tem mais talento do que ele, sentado no sofá a assistir ao jogo. Aliás, mesmo 90% dos jogadores de futebol, que treinam tanto quanto Cristiano Ronaldo não têm o mesmo talento e nós admitimos “fácil”. Ora, cá estamos de novo diante do corpo. Desta feita do talento do corpo (e não só, mas é através do corpo). Mas quem é que aceita que o leitor ao seu lado ou à sua frente tenha mais talento para ler do que ele?

 

Quem é que diz: “cara, você é show de bola a interpretar um texto! Você é mesmo bom, gostava de ler como você.”

 

Esta fala nunca deve ter sequer existido e, se existiu, soou tão estranho que não deve ter sido repetida.

 

Que leva o humano a não aceitar que alguém leia melhor do que ele, quando facilmente aceita que alguém seja melhor do que ele a correr a maratona ou a jogar futebol? De onde vem esta idéia pré-concebida de que somos todos iguais na leitura?

 

Outro erro capital da leitura é julgar que, sendo capaz de ler bem uns determinados autores, somos capazes de ler bem todos os autores. Errado.

 

É como se num jogo de futebol Cristiano Ronaldo fosse igualmente fera defendendo as redes do gol (baliza) ou comandado a zaga (defesa).

 

Vocês julgam que um excelente leitor de Gabriel García Márquez será um bom leitor de Fernando Pessoa, por exemplo, e vice versa? A resposta só pode ser um redondo e verdadeiro não. Imaginemos um leitor de Cem Anos de Solidão e um leitor de Livro do Desassossego. Ambos lêem muito bem cada um dos seus livros, jogam muito bem a cada uma das suas posições no gramado, seriam igualmente feras se trocassem de livro, de posição?

 

Poderia até acontecer, mas seria tão improvável quanto encontrarmos um goleiro que jogasse na frente tão bem quanto o Cristiano Ronaldo. Porquê? Pela simples razão que se trata de galáxias distantes. Um e outro livros não são planetas diferentes, são galáxias diferentes. Não está aqui em causa a qualidade literária de cada um deles, que não discuto sequer. O que está em causa é a qualidade extra-literária, a qualidade para além da escrita (partindo do princípio que são ambos textos excelsos do ponto de vista literário). O humano que acede a uma exemplar leitura do livro de Fernando Pessoa muito dificilmente fará uma leitura igualmente exemplar do livro do escritor colombiano; e o contrário ainda será mais difícil.

 

A dificuldade está no universo que se abre diante do leitor. O texto implica a vida, num e noutro caso. Mas as vidas implicadas são diferentes. Eu não consigo imaginar um homem casado, com filhos, de bem com sua vida, chegando em casa depois de um dia de trabalho, ajudar os filhos, no jantar, falar com a mulher, eventualmente fazer amor com ela e, depois, pôr-se a ler Livro do Desassossego.

 

Desculpem, mas não consigo.

 

Não consigo imaginar este homem a entrar no texto do Pessoa e conseguir respirar, com tanta solidão, tanto solipsismo, tanto cinismo. Não é que não possa ler, mas não vai ler bem, seguramente; é pôr o Cristiano Ronaldo no centro da zaga, marcando o centro-avante.

 

Pelo contrário, já imagino esse mesmo homem a ler bem Cem Anos de Solidão. Não há aqui um diferencial de qualidade literária, repito, insisto, mas de mundividência. Quem é que já não sentiu, aos 18, 19, 20 anos, um medo inexplicável pela coluna acima ao ler esse livro do Pessoa? E porquê?

 

Porque usualmente nessas idades o humano ainda não está casado e com filhos, tem ainda as possibilidades todas em aberto, e ao confrontar-se com aquele texto sente dentro de si a possibilidade de isso vir a ser a sua vida. Isso assusta-o e fascina-o. Mas o homem, que vimos atrás, que chega a casa depois do trabalho para a mulher e filhos, não sente mais isso. Mas pode muito bem sentir e compreender o livro de Gabriel García Márquez, pois este livro, independentemente da sua qualidade literária, não choca de frente com a sua vida. Por outro lado, o homem que não está mais casado ou que nunca esteve, sente isso como aquilo em que foi parar a sua vida.

 

Ler não é ler. Ler é viver.

 

 

 

Paulo José Miranda

publicado por ardotempo às 18:18 | Comentar | Adicionar

Duas torres


Vermelho, azuis

 

O tempo não se diz história,

simplesmente se faz

nos gestos, nos fatos,

na memória.

 

Um dia amanhece a nuvem

e a notícia no mundo

inverossímil.

 

O jato chocou-se

com o prédio mais alto,

na rota impossível.

 

Vermelho, azuis.

 

No segundo jato,

a história antes do tempo.

 

Numa noite,

a palavra desviou a razão,

confundiu o gesto,

o desejo.

 

Vermelho, azuis.


No prédio mais alto

das caixas nomeadas

a munição de 35,

não são de 22,

nem de 38

tampouco de 45.

 

Reservado arsenal

para mudar

o desfecho da guerra

sem armistício.

 

Vermelho, azuis.

 

A espera da palavra,

sem pressa,

que transforma o tempo,

as vidas,

redesenha a carta

da história.

 

Vermelho, azuis.



publicado por ardotempo às 18:16 | Comentar | Adicionar

Feiras, gastronomia e incêndio

Literatura vai de menos 1 a 40 graus

 

Ignácio de Loyola Brandão

 

Bem interessante. Enquanto a Flip foi dominada pelo escritor português walter hugo mãe, conquistando homens e mulheres, a Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, que continua sendo o maior evento do Brasil e da América Latina, girou em torno do talento e do carisma de outro português, Gonçalo Tavares.

 

Tranquilo, simples, ele foi "comendo" todo mundo pelas beiradas, como se diz por aqui. Na mesa sobre identidade, literatura e cultura na globalização, foi o único a fazer um depoimento atual, consciente, lúcido, ao contrário do celebrado (e decepcionante) Luiz Costa Lima, que se julga em altíssima conta e desprezou a Jornada e os participantes dormindo no palco, diante de 6 mil pessoas, e dando um depoimento pífio. Ao acordar, atrapalhou-se com suas anotações, disse que as tinha esquecido no hotel. Não tinha nada a dizer. Ensaísta à antiga que fala em linguagem hermética, vazia.

 

Plateia monumental, professoras e estudantes, 18 mil crianças na Jornadinha, ouvindo e conversando com autores infantis. Ninguém bate Passo Fundo. Mauricio de Sousa dominou a cena, crianças de todo o Brasil o conhecem, adoram. Neste momento há pelo Brasil dezenas de feiras (acaba uma, começa outra) e bienais e encontros. Saí de São Joaquim da Barra, interior de São Paulo, onde a prefeita Maria Helena Borges Vannuchi, obstinada e interessada em cultura, insiste em manter uma feira de livros com gente de primeira linha, e parti para Passo Fundo (-1°C na abertura da festa e vento minuano varrendo), norte do Rio Grande do Sul.

 

Segui para o Piauí, para o terceiro Salipa, Salão Literário de Parnaíba (40°C à sombra), na boca do maravilhoso delta que separa aquele Estado do Maranhão. Hoje estou na 2.ª Filmar, Feira Literária de Marechal Deodoro, ao lado de Maceió. O sol come. Livros e literatura por toda a parte.

 

Segunda-feira desço ao interior do Paraná para falar nos Sescs de Cascavel, Pato Branco, Fernando Beltrão e Foz do Iguaçu. Em São Joaquim da Barra, a pamonha deliciosa e delicada, vendida num duas portas em frente da Feira, me provoca água na boca. Duas equivalem a um jantar. No Piauí, doce Estado, há o arroz Maria Isabel, o Capote, o queijo de coalho, a caranguejada.

 

Em Passo Fundo, há a gastronomia dos Biazis, Alcir e Lisete, secundados pelo Serafim Lutz, com saladas inventivas, pernis, massas, filés e picanhas, costelas, matambres, num estilo sulino afetuoso. Alimentar com qualidade mil pessoas é tarefa de competentes. Sentar-se à mesa servida pelo garçom Otavio é privilégio. Com seus cabelos brancos e sabendo tudo, faz você parecer o mais VIP dos clientes, seja VIP ou não. E o que é VIP, afinal? As refeições no Clube Comercial eram no fim de noite, com conversas, papos cabeça, fofocas, informações, vinhos, todos juntos.

 

Esse é o diferencial da Jornada, aglutina pessoas, momentos em que todos se juntam. Os irmãos Caruso, Chico e Paulo, cartunistas e músicos, estão na mesa com Gonçalo Tavares e Affonso Romano de Sant"Anna. Edney Silvestre, um dos mais procurados pelos leitores, juntava-se a Tatiana Salem Levy e à professora Maria Esther Maciel. Marcia Tiburi, filósofa, conversava com Peter Hunt, enquanto Eliane Brum juntava-se a Rinaldo Gama, que foi o único que se preparou convenientemente com uma bela fala para a mesa da comunicação do impresso ao digital. O comer é o momento em que todos se juntam, em lugar de se espalharem em busca de restaurantes espalhados pela noite afora.

 

 

 

A mesa final de Passo Fundo, formação do leitor contemporâneo, provocou incêndio. Alberto Manguel irritou-se com a inglesa Kate Wilson, amável mulher, que levou um projeto de livros em computador, em tablets, ainda em fase de implantação e discussão. Manguel se acha o dono da verdade do livro em forma de livro. Tablets, e-books, iPads são dignos da excomunhão. Arrogante, destratou aos gritos o americano Nick Montfort: "Não tenho e-mail, não uso computador". Para ele significam a deformação do leitor, não uma das formas para se conseguir sua formação. Crente de que é uma grande pessoa, guardião do livro em papel, Manguel partiu com patadas para cima da inglesa que, todavia, sabe espanhol, e respondeu à altura.

 

Manguel, que vem escrevendo e reescrevendo os mesmos livros, tem de encontrar, urgentemente, as portas do século 21, desembarcar neste milênio, e ser mais gentil, admitir que a informática veio para ficar. Uma anedota circulou pela Jornada. Dizem que Manguel foi leitor de Borges. Ao fim de cada leitura, Borges acentuava: "Leu, pode ir embora, não me dê nenhuma opinião".

 

Ao menos, a argentina Beatriz Sarlo, figura exponencial, estava na mesa, deu o tom de grandeza, ao lado de Affonso Romano. O que importa é que literatura, misturada a música, informática e teatro, está sendo discutida em todo o País. Nunca, como hoje, houve tantas feiras e eventos em torno do livro, leitura, formação de leitores. Discussões, debates e buscas de caminhos. A Jornada de Passo Fundo chegou aos 30 anos, milhares de professores passaram por ela, milhares de crianças.

 

A Jornada é a única que não se esgota assim que termina. Aí é que ela começa, com a multiplicação de ideias, conversas, aprendizados, vindos das oficinas, seminários, cursos, aulas paralelas, infinitas, atualizadoras. Recomeça quando acaba. Para culminar, premiou-se João Almino, grande autor com o seu Cidade Livre. O Bourbon Zaffari é o maior prêmio literário privado da América latina. Diplomata de carreira, autor por paixão, Almino levou um susto com o tamanho da Jornada e voltou à Espanha apaixonado.

 

Ignácio de Loyola Brandão

publicado por ardotempo às 15:29 | Comentar | Adicionar

A bandeira do Brasil

Um 7 de setembro vermelho e preto

 

Taciane Corrêa

 

Enquanto todos relembrarem 11 de setembro, eu vou ficar em 7

Dia em que Pelotas se coloriu e festejou

O verde/amarelo da Independência se confundiu com o vermelho/preto da paixão

Os nossos brasis entrecortaram as ruas como uma tonalidade sinfônica

Brasil, Brasil, Brasil,

As tuas cores são nosso sangue, a nossa raça

Fundado em 7 de setembro de 1911

somos campeões do bem querer

Agora o Grêmio Esportivo Brasil faz parte do time dos centenários

Sou rubro-negro!!!.... Com muito orgulho!!!

A invasão dos xavantes deu nome à torcida mais fiel do interior do Estado

Tua escada vermelha e preta faz vibrar nossa energia

Tua charanga é o coração pulsante da arquibancada

Considerada a mais antiga e tradicional do país, dá o tom e o movimento

Entre tambores, tamboris, saxofones e frigideiras

O ritmo conduz a musicalidade da torcida no Estádio Bento Freitas

Em 17 de agosto ultrapassou os limites do futebol e entrou dançando no museu

Ao som da charanga acompanhada da beleza do Grupo Tholl de vermelho e preto

entra em cena a mostra fotográfica Camisa brasileira no Malg

Pelas palavras, Gilberto Perin faz-se a fotografia

Por sua câmera mágica revelam-se segredos, dramas, fantasmas e esperança

Até o dia 14 é possível flanar pela artística alma popular

do primeiro grupo campeão gaúcho em 1919

O caldeirão do diabo vira arte contemporânea

São chuteiras, havaianas, rolo de fita crepe, camisa rubro-negra e Bíblia que ecoam do vestiário

É altar, velas e santos que materializam o intangível

É Iemanjá, São Jorge e Nossa Senhora

à espera da sua prece

São chuveiros, toalha e sabonete que imprimem aroma a cada clique

São mais de 50 imagens que eternizam nossa paixão de sempre

No reflexo trincado está o entusiasmo da torcida intacto

Na bandeira, o grito de gol e o sentimento arrebatador

que pinta a cidade de vermelho e preto.

 

 

 

 

Taciane Corrêa - Publicado no Diário Popular (Pelotas RS Brasil)

Imagem: Fotografia de Gilberto Perin

 

publicado por ardotempo às 14:50 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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