Amores impossíveis
Sete mil vidas
Mariana Ianelli
Amores impossíveis começam dentro de uma biblioteca. Podem ser confrarias, reuniões secretas, pactos de revolução, exércitos de utópicas ideias. Mas nem sempre o que une é a afinidade ou o afeto. Também os opostos se atraem e sugerem estranhos casamentos.
Tudo depende de como os livros se organizam, de como este demiurgo incidental que monta sua biblioteca decide agrupar seus exemplares. O que a vida afastou uma biblioteca reconcilia, de modo que Sartre pode agora dividir pacificamente o espaço de alguns centímetros com Merleau-Ponty e Camus, García Márquez pode topar com Vargas Llosa, e Saramago ter Lobo Antunes como um bom vizinho. Aqueles que a vida uniu de repente se desligam e vão morar a muitos livros de distância, Hannah Arendt na ala norte, Heidegger na ala oeste, Henry Miller três andares acima de Anaïs Nin. E há os duetos tanto em vida como numa biblioteca, Goethe e Schiller, Claudel e Gide, Faulkner e Steinbeck, Sophia de Mello Andresen e Jorge de Sena.
São tantas as combinações e tão intimamente divertido jogar com elas que pode acontecer de I-Juca Pirama acabar aconchegado entre a Ilíada e a Eneida. Ou então, num canto da estante, lugar ideal para um ninho de fênix, podem se encontrar Alejandra Pizarnik, Sylvia Plath e Anne Sexton. Também não falta a ironia da sorte, que, por uma emergencial economia de espaço, põe lado a lado Ezra Pound e Brecht. Do estado de repouso ao livro de páginas abertas, os encontros variam, traem metódicos critérios, vencem a distância de oceanos e séculos, produzem aqui e ali uma mistura qualquer muito peculiar de essências.
Entre chegadas e partidas, os destinos são tão incertos e fortuitos quanto os de uma existência. São as muitas vidas de cada livro. Uma das razões, talvez, por que os gatos gostam tanto de uma biblioteca...
Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve