Sábado, 12.03.11

Vislumbre do infinito

Ciclópico, desmesurado, fenomenal

 

Mariana Ianelli

 

Folhear um dicionário analógico é, de partida, entrar na palavra cosmurgia. Usando uma expressão de Gonçalo Tavares, é algo assim como ingressar num “armazém metafísico” e perder-se numa baralhada de reflexões com energia para gerar muitas vidas.

 

Uma única palavra tem o efeito do grão que faltava para precipitar o sal dos mares, centenas, milhares de possibilidades e aproximações que estavam ali, no fundo do silêncio, só esperando o mote para ser glosado, o primeiro sopro que desperta e põe a máquina do mundo em movimento. Um luxo no passeio dos contemplativos, um dicionário como esse pode levar a um estado de excitação mental a ponto de ocupar o lugar da maior e melhor oficina de poesia.

 

Um bom medidor da intensidade dessa experiência poética é quanta tentação o livro nos inspira a elaborarmos nós mesmos a nossa galáxia pessoal de analogias, em dimensões proporcionais ao universo da nossa linguagem, uma espécie de cubo mágico de palavras que se ligassem umas às outras de acordo com a nossa própria astronomia. Pinçar, por exemplo, a palavra esquecimento e indagar o que ela nos atiça. Esquecer, redimir, desatentar, perder para o escuro, deitar uma pedra em cima – e assim é dada a largada para uma série potencialmente interminável de associações e diferentes matizes que uma palavra suscita dentro da nossa vida. Amar, abraçar sem a restrição da despedida, celebrar que o outro exista, alegrar-se com o pão, o quarto escuro, a fome e tudo o mais que seja repartido.

 

Pensando, então, em uma oficina poética, vale imaginar o dicionário analógico de Borges, algo possivelmente muito próximo do seu Livro de Areia. E que maravilhoso verbete dedicado a Deus no dicionário de Hilda Hilst – Sem Nome, sutilíssimo amado, relinho do Infinito, Cara Escura, Pássaro-Poesia, brusco Inamovível, cavalo de ferro colado à futilidade das alturas, Aquele Outro decantado surdo, O Grande Rosto Vivo, Grande Obscuro, Máscara do Nojo, Cão de Pedra, Grande Incorruptível, Cara Cavada, Sorvete Almiscarado, Tríplice Acrobata, Lúteo-Rajado, Querubim Gozoso, O Mudo-Sempre, Porco-Poeta, Grande Corpo Rajado, O Sumidouro, superfície de gelo ancorada no riso, Coisa incomensurável, Grande Perseguidor e Grande Perseguido, Caracol de Fogo, Grande-Olho, Obscura Cara, O Inteiro Desejado – e outros nomes mais, que, honrando o nome primeiro, inspiram uma lista sem fim.

 

No texto introdutório do dicionário analógico da língua portuguesa de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, Chico Buarque diz que recebeu esse livro de seu pai como um bastão, e com essa herança escreveu muitas canções e decifrou enigmas. Obcecado pelo dicionário, chegou a correr os sebos para tentar deter o monopólio dos raros exemplares que na época existiam. Com a nova edição, publicada no ano passado, Chico sentiu-se espoliado do seu tesouro particular. É compreensível. Um livro assim guarda um vislumbre do infinito.

 

 

 

 


 

 

Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve

publicado por ardotempo às 06:22 | Comentar | Adicionar

Vidas espionadas

Do sumo de limão ao código criptografado

 

Yoani Sanchéz


En el último capítulo de la saga orwelliana que ponen en la tele, vimos un joven de rostro atemorizado contando cómo un turista le regaló unos programas de encriptación de datos. Probablemente, muchos de ellos se pueden descargar de manera abierta y gratuita en centenares de sitios webs y son usados por ciudadanos y empresas - de todo el mundo – para salvaguardar sus datos de los curiosos.

 

Sin embargo, en esta Isla, donde cada gesto de privacidad es interpretado como la prueba de una conspiración, el tomar medidas para que un mensaje o la información de nuestro ordenador estén protegidos se convierte en algo obsceno e ilegal. Bajo esa misma premisa, muchos de los albergues en las escuelas al campo tenían duchas sin cortinas porque cubrirse era contrario al colectivo. La reserva pasó a ser profundamente contestataria y llevar un diario secreto – donde narrar las incidencias personales – se convirtió en una actitud aburguesada que concluía cuando el jefe de destacamento tomaba tus escritos y los leía públicamente frente al aula. Todavía hoy, pocos de mis compatriotas tocan la puerta de una habitación antes de entrar y el deporte de husmear en la vida de otros no es exclusivo de los Comités de Defensa de la Revolución sino de todo el vecindario.

 

Vulnerar el círculo íntimo del ciudadano se hizo práctica tan frecuente que a nadie le asombra que en nuestra pantalla chica salgan grabaciones telefónicas de clientes de ETECSA o fotos del interior de la vivienda de algún individuo crítico.

 

 

 

 

Ahora, la nueva “bestia negra” son los softwares de encriptación. Los militares, que se han pasado la vida creando códigos para salvaguardar su información, deben estar muy molestos porque similares tecnologías ya estén al acceso de todos. Sin embargo, esta nueva campaña contra la discreción desatada en los medios oficiales choca con algunos pasajes de la epopeya oficial. Si mal no recuerdo, desde que era niña me contaron que Fidel Castro escribió con zumo de limón – en la cárcel – fragmentos del alegato conocido como La Historia me absolverá.

 

No veo una real diferencia entre burlar a los carceleros de Isla de Pinos con una caligrafía invisible – que al contacto con el calor brotaba de las páginas – y el acto de utilizar TrueCrypt para alejar a los fisgones. En ambos casos, el individuo sabe que el cerco represivo no permitirá que su voz viaje lejos si no está camuflada; está convencido que un estado autoritario hurgará sin pudor en su vida para arrancarle el último reducto de intimidad y misterio que aún le queda.

 

Yoani Sanchéz

publicado por ardotempo às 06:17 | Comentar | Adicionar

O pescador e o rio

"Não-é-uma-estátua-de-bronze-polido-sobre-uma-rocha,-junto-ao-mar"

 

 

 

 

 

Gilberto Perin - Rio Guaíba - Fotografia (Rio Guaíba Porto Alegre RS Brasil), 2011

publicado por ardotempo às 05:38 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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