A incerteza de chegar

Mensagem na garrafa

 

Mariana Ianelli

 

 




Daqui de onde escrevo, à noite, vejo os aviões. Tem sua beleza um ponto de luz esfumaçado, deslizando no escuro como um farol de embarcação. A miragem me faz pensar nas viagens à moda antiga, quando a distância era tão longa quanto a espera e os ventos tão caprichosos quanto as vontades.

Amo as noites por isso, por essa miragem de navegação. É quando vigora um outro tempo, o tempo da crisálida, da lua amarela, o tempo do hibisco se fazendo atrás dos galhos. Enquanto os gatos saem para caçar mariposas, a cidade desaparece debaixo da cerração. Penso em Hercule Florence, um artista do século 19 que viajou pelo Brasil a bordo da Expedição Langsdorff, registrando detalhes da flora e da fauna brasileiras em desenhos e anotações. Um ano após o final da viagem, em uma tarde de agosto de 1830, Hercule Florence inaugurou seu Atlas Pitoresco-Celeste ou Teatro Celestial com um estudo em aquarela do sol poente de São Paulo. As anotações acerca desse primeiro estudo mencionam um fundo de céu da mais pura serenidade. E o que não diria, então, esse artista expedicionário dos céus, sobre o azul petróleo das madrugadas, um azul da mais pura redenção…


A passagem de um dia para o outro me lembra esse tempo de antigas viagens, esse mar de antepassadas realidades, quando a travessia tinha o seu ritmo líquido, a paciência com que uma pérola se elabora. Quando se navegava no mais aventuroso do verbo, em elegias, baladas e diários. Quando a incerteza de chegar, não sendo apenas uma hipótese, flutuava, reluzia, no bojo de uma garrafa.

 

 

Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve

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