Domingo, 24.10.10

Prêmio Fato Literário - 2010

3 perguntas para Aldyr Garcia Schlee


Entrevista de Daniel Feix


ZHOs Limites do Impossível – Contos Gardelianos é um romance. Você o vê assim ou prefere classificá-lo como um livro de contos? E em algum momento pensa em escrever um texto ficcional longo?


Aldyr Schlee – Chamei Os Limites do Impossível subsidiariamente de Contos Gardelianos porque como tais os imaginei e os construí; mas sempre percebendo que podia (e até devia) levar o leitor a admitir que a trama ficcional urdida em cada história imbricava-se na de outra história e na de outra e outra... De modo que, tendo a ver todas as histórias entre si, resultava tudo numa só. Sempre estive consciente de que não queria estruturar um romance convencional. Estava apenas no exercício de meu ofício, que é duro e sério – de dizer, redizer, desdizer, contradizer o que seja, sempre bem e da melhor maneira; mas é também ofício divertido – de fazer de conta, imaginar, admitir que tudo é verdade e que não se está mentindo nem inventando; e que é, enfim, um ofício mágico – de recriar o mundo, ordenar e desordenar vidas, interferir na realidade e irrealidade. A propósito: antes de Os Limites do Impossível, eu havia escrito um romance – que será lançado agora, na Feira. Ele se chama Don Frutos e é uma longa narrativa ficcional de 500 páginas a partir da vida de Don Fructuoso Rivera, caudilho pampeano e primeiro presidente constitucional do Uruguai, que passou os últimos meses de sua vida em Jaguarão (RS).


ZH A formação de artista gráfico o ajuda no processo de escrita, especialmente na construção de cenas literárias?


Schlee – Não exatamente: o cinema me ajuda mais. Sempre, entretanto, com a certeza de que o texto, como forma de concretização da criação literária, deve se impor entre a invenção do autor e a imaginação do leitor – entre aquilo que talvez pudesse ter sido e aquilo que bem poderia ser. Aí, sobressaindo a palavra: a palavra precisa ser posta a serviço do texto como mediadora entre o inventar e o imaginar, impondo-se e valorizando-se também pela sonoridade que oferece e pela imagem que ajuda a construir.


ZH Você se considera mais brasileiro, uruguaio ou gaúcho?


Schlee – Eu sou um brasileiro sul-rio-grandense que, como escritor fronteiriço, sente-se quase uruguaio. Aqui, sobre a fronteira uruguaio-brasileira, tenho a gostosa e permanente ilusão de estar com meus leitores e personagens dentro de um particularíssimo mundo ficcional – fiel a mim mesmo e a eles –, com a sempre renovada certeza de que assim posso melhor me dedicar honesta e autenticamente à execução de meu projeto literário.


Publicado em Zero Hora RS - Brasil (23. outubro. 2010)

publicado por ardotempo às 19:56 | Comentar | Adicionar

O grande romance

DON FRUTOS - de Aldyr Garcia Schlee

 

 


 

O romance DON FRUTOS de Aldyr Garcia Schlee é um dos livros mais aguardados do ano.

 

Brilhante, denso, barroco, belamente escrito em finissima imaginação e linguajar fronteiriço. Aborda os derradeiros meses de vida do caudilho uruguaio Don Fructuoso Rivera, estacionado por meses em solo brasileiro, em Jaguarão, em regresso à sua pátria depois de prisioneiro em duro exílio no Brasil, para assumir pela terceira vez o mandato de Presidente da República. São as memórias imaginadas pelo autor Aldyr Garcia Schlee, para o ancião ainda poderoso, já abalado pelas enfermidades da velhice, memórias em flash-back nas quais reconta a sua vida de herói pampeano, conquistador de territórios e corações femininos, um dos fundadores de uma república independente de seus colonizadores espanhóis e refratária à dominação de seus poderosos vizinhos territoriais. Um livro é fartamente documentado por cartas, recortes de impressos, panfletos e decretos governamentais, coletados em exaustivas pesquisas pelo próprio autor.

 

Lançamento na Feira do Livro de Porto Alegre - 03 de novembro de 2010

Com a presença e autógrafos do autor - Palestra e conversa com Cláudio Moreno.

 

Aldyr Garcia Schlee é finalista indicado ao Prêmio Fato Literário 2010

 

Don Frutos

Romance.

Capa de Gilberto Perin.

Ilustrações de época.

Edições ARdoTEmpo.

512 páginas.

ISBN nº 978-85-62984-06-8

Valor: R$ 60,00 -

Edições ARdoTEmpo, 2010

 

publicado por ardotempo às 19:03 | Comentar | Adicionar

Os contos de José Mário Silva

EFEITO BORBOLETA e outras histórias - de José Mário Silva

 

 



O livro de contos Efeito Borboleta nos traz um fascinante conjunto de histórias laboriosamente lapidadas pelo autor português José Mário Silva e compõem um interessante painel da literatura contemporânea em língua portuguesa. São contos de uma imaginação surpreendente, que nos premiam com uma linguagem concisa e atentamente precisa, oferecendo uma estranha atmosfera de realidade febril que nos sugere e revela a vida como ela é, ligeiramente deslocada e algo desfocada do ambicionado imaginário da perfeição comportamental, estática e conservadora. Nem todos os personagens são bondosos, nem todos serão apolíneos ou heróicos, nem sempre as atitudes se harmonizam com um mundo planejado e ordenado dentro de regras apaziguadoras. Neles, nesses contos de imaginação e construção borgesiana, concorre uma ação de estranhamento em que algo sempre aparenta estar ligeiramente fora da sintonia. A vida como ela é.

 

Lançamento na Feira do Livro de Porto Alegre - Dia 04 de novembro de 2010

com a presença e autógrafos de José Mário Silva, palestra e conversa com Luís Augusto Fischer

 

Efeito Borboleta e outra histórias.

Contos.

Apresentação de Mariana Ianelli

Capa de Mário Castello.

Edições ARdoTEmpo, a partir da edição original portuguesa da Editora Oficina do Livro.

128 páginas.

ISBN nº 978-85-62984-04-4

Valor: R$ 30,00 -

Edições ARdoTEmpo, 2010

 

 

 

publicado por ardotempo às 18:48 | Comentar | Adicionar

A casa fala

O espectro dos velhos hábitos


Mariana Ianelli

Um dos mais arrepiantes casos de fantasma que já ouvi foi de um funcionário que trabalhava na oficina da casa de meu avô. A história não era de pregar susto, era até muito sutil. Um homem e uma mulher lhe apareciam na oficina todas as tardes, no mesmo horário, e passavam os dois tão absortos, tão inofensivos, que o assombroso ali era uma terceira presença, infiltrada na penumbra entre corredor e escada, a observá-los. O assombroso era a visão de uma sobrenatural banalidade.

Entrei naquela oficina algumas vezes, uma delas memorável, quando eu e minha prima, crianças enlouquecidas, enchemos as mãos com pó de alumínio e saímos prateando os jardins da casa. A proeza nos rendeu a fúria do avô e horas de castigo de frente a uma parede. Com o tempo, a atmosfera semi-arruinada do lugar naturalmente me expulsava. Se pisava ali, era a contragosto, num relâmpago, inventando alguma operação de resgate que justificasse a invasão de território alheio. O escuro, o frio, a poeira, anfitriões do lugar desde décadas, recebiam-me logo na entrada. Bastava-me ver a um canto as serras e as talhadeiras enferrujadas para considerar dispensável um fantasma.


É um tremor sem sobressaltos, um tremor contínuo e baixo, como um murmúrio, que se instala em certos lugares abandonados, onde o universo imperceptível do limo, das teias e da sujeira enfim se expande e abraça cada objeto até o completo desmanche de sua forma. A oficina, agora eu vejo, sempre me apavorou por condensar ali o espectro dos velhos hábitos, essa morte lenta e indisfarçável que um dia tomaria conta da casa.

 

 

 

 

 

 

Mariana Ianelli - Publicado em Vida Breve

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Mensagem

Desenho

 


 

 

 

 

Mensagem - Desenho a esferográfica, 2010

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publicado por ardotempo às 05:19 | Comentar | Adicionar

E outras coisas

O cabo ferrador


António Lobo Antunes

 

Duzentos euros por mês não dão para muita coisa: uma sopinha e uma maçã ao almoço, uma sopinha e uma maçã ao jantar. Nos intervalos pede-me cigarros


- Não há por aí um cigarrinho a mais, doutor?


ou senta-se nas esplanadas até o mandarem embora, tratando-o por tu


- Põe-te a andar


e ele lá segue para o café próximo a arrastar um sapato sem atacadores. Não aceita esmolas, não aceita dinheiro, só pede cigarros aos amigos


- Só peço cigarros aos amigos


de acordo com o seu código aristocrático de miséria. Quando quis oferecer-lhe uma camisola recusou ultrajado


- Sou algum infeliz, eu?


e levou uma semana a perdoar a minha incompreensão da sua dignidade Você pode ser doutor e escrever livros mas não percebe nada da vida e tem razão, não percebo nada da vida. O seu maior orgulho é ter feito a tropa em Chaves


- Em Chaves, senhor


e eu, que nunca fui a Chaves, esmagado de respeito por Chaves pela maneira como ele fala


- Quem não conhece Chaves conhece pouco do mundo


e tem razão outra vez, conheço pouco do mundo. Pergunto-lhe


- Como é Chaves, senhor Ismael?


e em vez de resposta olha-me, durante uma eternidade, com pena sincera, até erguer ao alto, por fim, a mão de unhas duvidosas, unidas em cacho para dar ênfase à maravilha da cidade. A mão acaba por descer a fim de aceitar um cigarro


(um cigarrinho)


e o senhor Ismael a estender-se para a labaredazita do isqueiro


- Tem montanhas perto


e o


- Tem montanhas perto


deixado cair como uma moeda fora da circulação, pequena condescendência a um ignorante que não merece que se gaste tempo em explicações. Depois de tossir o fumo acrescenta


- E outras coisas


submerso em inesquecíveis lembranças militares, paisagísticas, amorosas


- Gajas boas não faltam


gajas boas a inundarem, só para ele, as ruas de Chaves, sorrindo-lhe, piscando-lhe o olho, chamando-o num sussurro prometedor


- Ismael


e o senhor Ismael, é claro, a dar conta do recado


- Sempre dei conta do recado, doutor fossem dez, vinte ou cinquenta

- Pelos ossos da minha irmã que está na cova que aviei seis numa tarde
sem tirar o bivaque de magala
- Mostre-me uma mulher que não goste de fardas


as mulheres e o senhor Ismael gostavam de fardas, puxou de uma espécie de carteira que, com o tempo, adquiriu a forma da sua nádega, na carteira o retrato seboso de um soldado


- Soldado vírgula, amigo, cabo ferrador


o retrato de um cabo ferrador, cheio de infância na cara mas inigualável a aviar, em que levei tempo a descobrir a criatura de agora, já sem infância nenhuma na cara, pregas, cicatrizes, a pele a lembrar-me o mapa de Portugal da minha escola, com uma cagadela de mosca no Alentejo e uma segunda mesmo ao lado de Faro, nas feições do senhor Ismael também os pontos negros das cidades, rugas iguais ao Guadiana e ao Douro, a ponta de Sagres do queixo, o estuário do Tejo da boca e, a propósito de boca


- Não se arranja um bagacinho que tenho a língua seca


mostrando-ma a sair das gengivas desmobiladas, guardando-a de novo


- Sequíssima


pronta à lubrificação do bagaço, metido na goela de uma só vez, à homem


- Quem não mete o bagaço de uma só golada não é homem nem é nada


seguido de soluços e lágrimas afastadas com desprezo pela manga


- A gente envelhece


e no meio das lágrimas do bagaço uma lágrima diferente, que ele percebeu que eu notei dado que


- Isto passa


de súbito quase menino, quase aflito, quase a abraçar-me, o retrato do magala por uma pena, cheio de infância na cara. Disse


- Doutor


repetiu


- Doutor e ficámos os dois que tempos em silêncio porque na realidade o


- Doutor


um discurso compridíssimo, com todas as suas desgraças dentro. Passado um grande bocado acrescentou


- Tenho dormido num degrau, sabia?


levantou-se da cadeira e foi-se embora, aposto que sem pensar em Chaves, nos montes, nas gajas, todo inteiro no interior de uma incomodidade com picos que o atormentavam, o filho morto em criança, a mulher ida com um caixeiro viajante, os duzentos euros, a sopinha. Mas havia de acabar por animar-se


- Isto já passa amigo


porque não há azares que um cabo ferrador como deve ser não aguente, em sentido para o toque a silêncio, que nos mexe a todos por dentro e é o mais bonito que existe.

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publicado por ardotempo às 05:00 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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