Pequenas coisas
Flâneries
Gosto de Paris. Gosto de, ao entardecer, sob o zinco da esplanada do Café de Flore, enquanto vou observando a chuva oblíqua através das vitrines, folhear um livro acabado de comprar ali mesmo ao lado, na livraria La Hune; gosto de caminhar sem rumo preciso, por Germain-des Près, guiado apenas pela intuição do flâneur que me leva, depois, através da Rue de Seine a cruzar o arco que dá para o Quai de Conti e para a Pont des Arts; gosto das bancas de livros ao longo dos cais; gosto da Île de Saint-Louis com as suas boutiques elegantes; gosto de deambular pelo Marais até à Place de Vosges, de tomar um chá na rue Vieille du Temple; gosto do mercado da rue Mouffetard e das suas bancas onde se vendem ostras com um forte sabor a mar, gosto do aroma forte dos queijos expostos naquela crémerie onde sempre entro, da livraria Arbre à Lettres onde, finalmente, encontrei o Livre des Passages, de Walter Benjamin; gosto, ainda, de errar por essas passages secretas, donde Benjamin via Paris como a cidade dos espelhos; gosto de me imaginar Le Paysan de Paris e, como Aragon, adentrar-me na cartografia de Paris e escutar a formidável ressonância das pequenas coisas que se mostram dissimuladas ao passeante.
João Ventura - Publicado no blog O leitor sem qualidades
Imagem: Fotografia de Eric Tenin