Segunda-feira, 06.09.10

Um mundo diferente

Especiarias

 

 

 

Pierre Yves Refalo - La Cure Gourmande - Fotografia (Aix-en-Provence Provence França), 2010

publicado por ardotempo às 23:48 | Comentar | Adicionar

Memória secreta

El Padul

 

 

 

 

 

Geri Garcia é um grande artista, desenhista e pintor.

 

Com formação acadêmica na École de Beaux-Arts, de Paris e na Académie Julien, França, entre 1951 e 1953. Em 1953 seguiu para a Espanha, para habitar pelo período de três anos, o povoado de origem de sua família, El Padul, nos arredores de Granada, nos contrafortes da Sierra Nevada, abaixo da montanha El Manal.

 

Ali permaneceu desenhando e pintando as pessoas, os animais, a paisagem. Escutou atentamente a memória oral de seus parentes e dos habitantes do local acerca do terror franquista instalado na região, que dizimou grande número de republicanos.

 

Das viúvas, das crianças do povoado e dos poucos sobreviventes homens, ouviu os relatos das dificuldades, das esperanças e da miséria a que todos foram submetidos pela opressão e por uma guerra impiedosa de motivações políticas.

 

Guardou consigo na forma da arte, os relatos sombrios dos fuzilamentos nas madrugadas andaluzas, que todos tiveram que testemunhar ao serem obrigados a recolher os corpos nos dias seguintes, situação emblemática no legado da memória de um habitante da região (de Fuentevaqueros), o poeta Federico Garcia Lorca, igualmente vítima dessa inesquecível tragédia.

 

Desses relatos pungentes e graves, dos murmúrios de vozes ocultas e da delicadeza poética dessa memória preservada, extraiu um conjunto de desenhos e pinturas que jamais foi visto anteriormente. A mostra inédita de 1953, em aguadas, realizadas a pena caligráfica, em pincel a tinta china e a lápis, um tesouro que podemos apreciar hoje, com emoção.

 

Desenhos que permaneceram secretos e silenciosos por quase 60 anos e que são apresentados agora no conjunto desta mostra de pinturas e desenhos Expressões Misturadas. Geri produziu esses desenhos e pinturas durante aquele período de três anos, guardou-os até os dias de hoje e somente agora concordou em mostrá-los a um público apreciador de arte.

 

São memórias sutis, sussurradas como a névoa alaranjada do deserto que recobre e marca, vez por outra, o branco eterno dos picos da serra de El Padul; trabalhos delicados de viés expressionista, aqui e ali com um toque algo cubista, descompromissados com escolas ou modismos, um documento precioso deste recolhimento recatado de palavras que se tornaram perenes e emuladoras do sagrado, no traço do artista.

 

Alfredo Aquino - Artista plástico e curador da mostra Expressões Misturadas

 

 

 

 

 

 

 

Desenho de Geri Garcia - Tio Antonio colhendo batatas - Desenho a tinta china e aguadas, a pincel e pena caligráfica - El Padul, 1953

publicado por ardotempo às 15:24 | Comentar | Adicionar

Em estado de repouso

Meu sábado é o silêncio de um retrato


 

 


 


Sempre achei que toda crônica tem alguma coisa de sábado, algum prazer de sombra no meio de uma semana ensolarada. Quando penso no meu sábado, todos os dias, vejo na minha frente aquele quadro. Há tanto tempo o vejo que a primeira vez eu devia ter a mesma idade da menina do retrato.

Já vi muitos retratos, nenhum igual a esse. É uma menina de perfil, o cabelo cheio preso num laço, o rosto curvado para baixo. Tem uma sensualidade triste esse rosto, uma espécie de ar de esfinge ou de anjo em estado de repouso. A pálpebra se fecha esfumaçada sobre o olho, e isso me impressiona, essa fina membrana cobrindo um olho que mira a eternidade. A boca, feita de um pequeno rasgo, em tom de terra de Siena queimada, tem a mesma cor do laço. Não sorri. É uma criança que medita. Há uma pálida claridade no fundo do quadro, uma luz de três horas da tarde, talvez filtrada por uma cortina. Também isso me impressiona, que nada distraia essa criança, que seu rosto se esboce fora do tempo numa expressão instintivamente elevada. Ela tem seis anos de idade. É minha mãe.


Hoje não moro mais naquela casa, não posso ver o quadro na sala, mas o vejo em mim. Em algum momento do dia me vem essa infância intacta, não importa o quanto a vida tenha mudado, continua comigo esse olho de esfinge no silêncio de uma hora que não passa. Talvez minha mãe nem saiba que, nesse rosto que eu amo, vejo seu primeiro e último rosto, o de uma menina de avental azul sentada em uma cadeira, dentro de um ateliê, posando para um retrato.

 

Mariana Ianelli

Retrato de Katia - Pintura de Arcangelo Ianelli - Óleo sobre tela

publicado por ardotempo às 13:34 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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