Segunda-feira, 24.05.10

Horas Extraordinárias: Narrativa longa ou curta?

 

Romance ou novela?

 

Maria do Rosário Pedreira 

 

Por razões que não interessa aqui explicar, veio parar-me às mãos um pequeno livro de bolso dos anos 50, de um senhor chamado Paul Morand que, apesar de ter pertencido à Académie Française, é praticamente desconhecido em Portugal. Desse livro não falarei, porque mal iniciei a leitura; mas no prefácio encontrei algumas pérolas em defesa da novela (contra o romance?), que era, pelos vistos, o género em que este autor pontificava. 

 

Aí vão algumas:

 

“Ao organismo invadido pela celulite (o romance), prefiro o corpo magro e seco da novela.”

 

“Um romance, mesmo medíocre, pode conter boas páginas; uma novela não; como na arte do fresco, por menor que seja, um erro é sempre irrecuperável.”

 

“A novela é como uma noite num motel americano; recebe-se das mãos do porteiro as chaves do bungalow e depois é tudo self-service e cash and carry. O leitor recebe o tempo e o espaço na mesma embalagem.”

 

“Num romance a personagem instala-se, deixa de ser o inquilino para se tornar o senhorio. Numa novela, não, a personagem está sempre acampada. A novela é um móvel, o romance um imóvel.”

 

Se gosta de novelas (ou romances mais curtos), não deixe de ler um maravilhoso livro de Olivier Rolin, Porto Sudão, que a ASA publicou há muitos anos. Procure-o, se for preciso, num alfarrabista.

 

Maria do Rosário Pedreira - Publicado no blog Horas Extraordinárias

 

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publicado por ardotempo às 13:52 | Comentar | Adicionar

Olhar modificado

 

Mutaciones de la mirada humana

 

Josep M. Sarriegui 

 

 

En el párrafo final de su ensayo Los hijos del limo, Octavio Paz escribe que "entre el pasado abigarrado y el futuro deshabitado, la poesía es el presente". La germinación del arte abstracto (un siglo redondo nos contempla, tomando la referencia canónica inaugural: el libro De lo espiritual en el arte, de Kandinsky, escrito en 1910, y su Primera Acuarela Abstracta, que algunos datan en ese mismo año) tuvo mucho que ver con esa voluntad de instaurar una mirada nueva, atemporal y autónoma, sobre el arte y el mundo. Aparecía una contemplación que se quería poéticamente pura, en la que la tradición dejaba de pesar como un lastre y el porvenir, con sus temidos presagios, quedaba suspendido, encerrado en una suma de presentes sin término.

 

Transitar sin prisas por la muestra titulada Los sitios de la abstracción latinoamericana, procedente de la imponente colección atesorada por la cubano-venezolana Ella Fontanals-Cisneros, equivale a recorrer todas las preguntas que el arte abstracto le ha venido haciendo a la cultura y a la sociedad a lo largo de este primer siglo de existencia oficial. Con una interesante particularidad añadida, que no es otra que hacerlo desde un ángulo excéntrico para lo que ha sido el canon occidental: desde Latinoamérica.

 

 


 

 

La exposición requiere un visitante cómplice, activo, a ser posible informado. No es imprescindible que así sea, porque hay piezas que atraviesan vistosamente las puertas de la percepción, desde Tteia (1976-2004), la sutilísima escultura/partitura como hilos de seda de Lygia Pape, hasta los agradecidos coloritmos cinéticos de Alejandro Otero, inteligentemente ubicados como apertura del recorrido de la muestra, pasando por las lúdicas Formes Virtuelles par Déplacement du Spectateur (1966) de Julio Le Parc, esculturas que el propio visitante activa presionando unos botones.

 

Ahora bien, toda la riqueza desplegada se amplifica si se realiza, siquiera sea como acercamiento, una inmersión paciente en la ambiciosa propuesta teórica elaborada por el comisario Juan Ledezma. Su argumento está contenido en el mismo montaje y parte de los pictogramas de Torres García (Grafismo inciso con dos figuras, 1930), reminiscentes aún de las fuentes iconográficas del arte indígena, hasta desembocar en la fotografía urbana como núcleo de reunión del arte abstracto con el realismo brusco de la ciudad contemporánea.

 

Por el camino (compuesto por 132 obras de 66 artistas, la mayor parte vinculados a la abstracción geométrica), nos esperan piezas envolventes. Como Physichromie nº 91 (1963), de Carlos Cruz-Díez, una de sus mejores pinturas cinéticas, en la que el espectador crea la obra con su movimiento, o como Concetto Spaziale (1960), de Lucio Fontana, tela, cómo no, tan equilibradamente rasgada. Por tramos, el montaje se articula en torno a emparejamientos pintura/fotografía estratégicamente situados, como hitos de la exposición, a modo de ritornello musical, que van fijando su tesis, la de la nueva mirada sobre la realidad que la abstracción abrió y consolidó en la subjetividad humana.

 

Un círculo parece cerrarse: la fotografía, que hace un siglo dinamitó los últimos vestigios de naturalismo en el arte y dio paso a la abstracción, acaba hermanándose con unas artes plásticas transformadas. Se diluyen las fronteras visuales entre una escultura abstracta en alambre de Gego como Reticulárea (1969-1970) y una fotografía constructivista de Leo Matiz como Estructura de petróleo (1950). La mirada humana se ha metamorfoseado. Esta muestra levanta acta de cómo ha tenido lugar tan inmensa mutación.

 

 

Josep M. Sarriegui - Publicado em Babelia / El País

Imagem : Cinético, de Alejando Otero (Colômbia)

 

publicado por ardotempo às 12:48 | Comentar | Adicionar

Aura

 

Na prática é diferente

 

Ferreira Gullar

 

Um carro esporte da marca Bugatti foi vendido em leilão por US$ 40 milhões. Não foi uma escultura de Rodin nem um quadro de Picasso, mas simplesmente um automóvel, ou seja, um produto industrial feito em série. É verdade que desse Bugatti só foram fabricados três exemplares, mas há casos de outros, de muito maior tiragem, que alcançaram vários milhões de dólares.

 

Tais fatos, sem dúvida, deixariam perplexo o pensador alemão Walter Benjamin, segundo o qual os produtos industriais não possuem aura, como as obras de arte consagradas.

 

O que então explicaria a verdadeira idolatria de certos colecionadores por automóveis antigos? Talvez o leitor não esteja entendendo por que Walter Benjamin ficaria perplexo. É que ele é o autor de um célebre ensaio intitulado "A Obra de Arte na Época de Reprodutibilidade Técnica", no qual expõe a teoria da aura que envolve as obras de arte, que são originais únicos, como, por exemplo, "A Guarda Noturna", de Rembrandt, ou "Le Déjeneur sur l'herbe" ("Almoço sobre o gramado"), de Manet.

 

Aliás, é próprio da pintura, por ser produto artesanal, criar originais únicos, contrariamente à fotografia, produto tecnológico, que possibilita a criação de numerosas cópias, sem original: o original da fotografia era, até recentemente, antes da câmera digital, o negativo.

 

As fotos assim obtidas eram cópias. Ou todas elas originais? Mas, quando Benjamin escreveu seu ensaio, nem sonhava com a foto digital. De qualquer modo, naquela época, como hoje, um automóvel também não tinha original, isto é, tinha, mas era o projeto do designer. Essa constatação levou o ensaísta alemão a desenvolver uma teoria, segundo a qual o conceito fundamental da obra de arte havia sido destruído pelas novas técnicas de reprodução das obras criadas. 

 

Nascia, assim, segundo ele, um novo conceito de arte que eliminava a concepção tradicional de obra única e consequentemente o conceito de artista como indivíduo dotado de genialidade ou talento. É como consequência dessa tese que Benjamin afirma que as novas técnicas de reprodução extinguiram a aura que envolvia e sacralizava a obra única.

 

Por trás dessa tese está a concepção da sociedade de massa, vista como um avanço na história humana, quando, enfim, a coletividade se sobrepõe à individualidade, dispensando, portanto, o conceito de gênio, indivíduo superdotado, que seria na verdade fruto de uma mistificação da arte. Em seu entendimento, a aura que envolve as chamadas obras-primas nasceu da visão religiosa que estava na origem das criações artísticas da Antiguidade. Confundia-se a devoção aos deuses com a expressão estética, e assim a aura mística contaminava a expressão artística. 

 

Mais tarde, quando a arte se libertou da religião, aquele sentimento místico se transferiu para a contemplação estética. A arte pela arte não seria outra coisa senão o resultado dessa transferência do místico para o estético. Tese perigosa que desconhece a diferença entre as pessoas, ao pressupor que todas têm as mesmas qualidades, o mesmo gênio de um Albert Einstein ou de um Leonardo Da Vinci. Mas os fatos foram suficientes para pôr abaixo a teoria.

 

Ao contrário do que afirmava, as reproduções da Mona Lisa, em vez de destruir-lhe a aura, a aumentaram, tornando-a mais admirada, já que todos desejam conhecer o original daquela reprodução que lhe caíra nas mãos. Cada ano, novos milhares de pessoas se acotovelam no Louvre, atraídos pela aura da obra de Da Vinci.

 

 

Contrariando a previsão de Benjamin, a reprodução veio garantir e ampliar a aura. É evidente que ele se equivocou. A aura que envolve esse ou aquele objeto - seja um quadro ou um automóvel - depende de fatores muito diversos, que tanto pode ser a qualidade estética, sua condição de objeto raro ou extravagante, como a história ou lenda que o envolva. 

 

Ferreira Gullar - Publicado na Folha de São Paulo/ UOL

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publicado por ardotempo às 12:43 | Comentar | Adicionar

As chaves

Hotéis de passagem (II)

 

João Ventura

 

Nas minhas andanças através de uma cartografia pessoal onde se bifurcam livros, filmes e discos, tenho cruzado outros hotéis de passagem onde numa qualquer dobra da página, de faixa ou de fibra digital ousei subir a um qualquer quarto 205 e aí pernoitar, escutando, depois, noite adentro, o murmúrio de personagens momentaneamente desaparecidas do mundo lá fora, talvez, à procura, também elas, de uma qualquer porta de passagem entaipada atrás de um velho armário com espelho que dê para outras vidas.

 

Lembro-me de alguns dos 342 motéis de estrada onde Nabokov (e depois Kubrick) fez pernoitar Lolita e o seu velho amante Humbert, tudo cenários transitórios de cerimónias secretas e rituais privados oferecidos ao voyeurismo do leitor. E no armário onde guardo os velhos LPs e os recentes CDs e DVDs lá está ainda o Hotel California, dos Eagles, onde o viajante se deita sob «mirrors in the ceiling, pink champagne on ice»; e o Desert Song Hotel,onde Nicholas Cage se encerra para se embebedar até à morte, em Adeus Las Vegas; e o quarto de banho do Bates Motel, onde Hitchcock engendra o assassinato brutal de uma jovem secretária, em Psico. 

 

E em dobras de páginas, que de repente me vêm à memória, aquele hotel de Michigan que surge no conto de Borges, As metamorfoses de Shakespeare,onde um homem sem rosto oferece ao escritor argentino a memória de Shakespeare. E o Costa Verde Motel Tulán, de A noite da iguana, de Tennessee Williams, cenário de amores depressivos; e o obscuro quarto de Los adioses, de Juan Carlos Onetti, onde tuberculosos se encontram para desdenhar da morte; e a «pensão de má morte», em Budapeste, onde se hospedou o protagonista de O Mal de Montano, de Enrique Vila-Matas; e os hotéis baratos de Ciudad Juárez, cenários dos crimes horrendos de 2666, de Roberto Bolaño.

 

E como a realidade supera quase sempre a ficção, também o hotel El Molino, em Buenos Aires, evocado por Laura Restrepo, numa recente edição de Babelia, onde a escritora colombiana recorda as noites clandestinas de sexta-feira ou sábado que aí passou, depois de esperar numa longa fila de casais muito jovens, de estudantes sem dinheiro, abraçados ou de mão dada, conversando em voz baixa como se estivessem numa fila para o cinema à espera de um quarto para desaparecer do mundo lá fora, por horas, suspendendo o tempo num território transitório no meio da obscuridade da ditadura. Conta Laura Restrepo que quis saber desse hotel transitório, se ainda lá estava na rua Salguero, e por isso, pediu a uma amiga que lá fosse. E resultou que sim, que ainda lá estva, embora também tenha sido vítima de um daqueles upgrades desconcertantes que procuram modernizar-nos as recordações.

 

 

João Ventura - Publicado no blog O leitor sem qualidades

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publicado por ardotempo às 12:32 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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