Domingo, 09.05.10

Brasília, 50 anos

 

Uma cidade inventada

 

Ferreira Gullar

 

Ainda que correndo o risco de chatear o leitor com minha teoria de que a vida é inventada e que, por isso, "A Divina Comédia" poderia não ter sido escrita, mal contenho meu espanto ao refletir sobre nossa formosa Brasília, que acaba de completar 50 anos.

 

Para quem ainda não conhece minha teoria, explico: quando digo que "A Divina Comédia" poderia não ter sido escrita, não pretendo afirmar que tudo é gratuito, casual e dispensável. Nada disso. Depois de escrita, a obra de Dante incorporou-se ao nosso mundo, que assim se tornou mais rico e fascinante.

 

O mesmo pode-se dizer da "Noite Estrelada", de Van Gogh, que acrescentou ao mundo uma outra e belíssima noite que só existe ali naquela tela. É que o homem inventa a vida, mas a partir de suas necessidades e possibilidades - e não depende apenas de quem inventa mas também dos outros, porque, se o que inventamos não atende à necessidade de ninguém, não se sustenta.

 

Isso não significa, porém, que tudo o que o homem inventa seja positivo e ajude a viver. Como as pessoas são muito diferentes umas das outras e podem ter necessidades extravagantes, aderirão a propostas delirantes com consequências desastrosas. Basta lembrar o caso daquele americano pirado que levou ao suicídio dezenas de pessoas com a promessa de que, com isso, alcançariam a verdadeira vida em outro planeta. Sem falar nos homens-bomba que se deixam explodir convencidos de que chegarão ao Paraíso. 

 

Mas esses casos são exceção. A maioria das invenções humanas é a favor da vida. A cidade, por exemplo, é uma das mais extraordinárias invenções do ser humano. E é nela que vivemos, e não propriamente na natureza, como as onças e os jacarés. Vivemos, portanto, num universo inventado graças à tecnologia e à ciência mas também aos valores intelectuais que possibilitam o convívio das pessoas em sociedade. Os valores são inventados. A justiça, por exemplo, não nasceu no quintal de alguém, como um arbusto: foi inventada por nós.

 

As cidades nasceram muito depois que os homens passaram a plantar e criar rebanhos e sentiram a necessidade de morar perto uns dos outros. Mas essa é uma história comprida demais; menciono-a apenas como uma remota referência à Brasília que, ao contrário daquelas, foi deliberadamente inventada e planejada em todos os detalhes. Ela é a demonstração cabal de que o homem se inventa e inventa seu habitat preferencial -a urbis.

 

Se "A Divina Comédia" poderia não ter sido escrita, Brasília também poderia não ter sido criada. Todo mundo sabe que Juscelino Kubitschek, ao candidatar-se à Presidência da República, não cogitava mudar a capital do país nem muito menos construir uma nova cidade para isso.

 

Essa ideia lhe ocorreu por acaso, pelo simples fato de alguém, durante um comício, ter lhe perguntado se se comprometia a transferir a capital do país para o planalto central conforme estava escrito na Constituição. Naquele momento, Juscelino, sem muito refletir, assumiu o compromisso de seguir o dispositivo constitucional. Não há nenhum exagero, portanto, em afirmar que, se não tivesse feito aquele comício ou se nele não estivesse aquele cidadão, o Rio de Janeiro possivelmente seria até hoje a capital do Brasil.

 

O acaso desempenhou, sem dúvida, papel decisivo, mas aquela pergunta só teve as consequências que teve porque o candidato era Juscelino Kubitschek, que conhecia Oscar Niemeyer e o encarregara, quando prefeito de Belo Horizonte, de projetar o conjunto da Pampulha anos antes. Creio que a possibilidade de contar com Niemeyer para um projeto de extraordinária dimensão, tornou-se, naquele instante mesmo, uma utopia possível de ser plantada no coração do Brasil.

 

É assim que ocorrem as coisas, seja a decisão que alguém tome de casar-se com Fulana, seja a de assumir um projeto tão audacioso quanto mudar a capital do país, com todas as consequências implicadas nisso.

 

Essas consequências nós, brasileiros, sabemos quais foram. O mínimo que se pode dizer é que a história do Brasil teria sido outra, como também a história de milhares de pessoas que foram obrigadas a deixar suas cidades, cercada de montanhas e à beira do mar, para ir viver num canteiro de obras, mal suportando a secura da atmosfera local.

 

Hoje, Brasília, que nada produz, tem a mais alta renda per capita do país graças às benesses que políticos e burocratas concedem a si mesmos. Quem poderia imaginar tais coisas quando as primeiras estacas foram fincadas no solo seco do então ignorado Planalto Central do Brasil?

 

 

Ferreira Gullar - Publicado na Folha de São Paulo / UOL

Imagem: Mario Castello

 

tags:
publicado por ardotempo às 22:58 | Comentar | Adicionar

A Arte de Ben

Pintura, caligrafia, instalação

 

 

 

 

Ben Vautier - Pintura / Caligrafia sobre painel / Instalação de quiosque em Nice (Nice, França) s/data

publicado por ardotempo às 21:14 | Comentar | Adicionar

"Filho de Estrela, só pode ser astro"

Feira do Livro de Estrela - RS

 

Lançamento do livro OS TELEVISIONÁRIOS - Dia 11 de maio / Estrela

Palestra de Walmor Bergesch

 

 

 

publicado por ardotempo às 21:00 | Comentar | Adicionar

O sentido da palavra

Editar a Tolstói

 

Ricardo Menéndez Salmón

 

Una de las mayores satisfacciones de mi vida no me la han procurado los libros que he escrito, sino los libros que he editado.

 

En cierta medida, no me siento capaz de discriminar del todo mi faceta de creador de mi faceta de editor. O, dicho de otro modo, comprendo que el acto de editar se parece mucho más de lo que comúnmente consideramos al acto de escribir. También aquí hay que seducir, asumir riesgos y atreverse a soñar.

 

En un mundo editorial cada vez más dominado por los grandes grupos y la concentración de esfuerzos, la pervivencia de las pequeñas editoriales se me antoja doblemente necesaria. Por un lado, pensando exclusivamente en términos de mercado nacional, estas editoriales funcionan a menudo como canteras de las que los sellos de referencia se nutren. El sistema editorial está organizado de tal forma que, en realidad, lo que las grandes editoriales hacen no es tanto hallar nuevos territorios como colonizarlos. Por utilizar un símil histórico, las grandes editoriales no siempre descubren el Nuevo Mundo, sino que a menudo sólo lo conquistan.

 

Muchos escritores que hoy merecen la atención de crítica y público sobrevivían en casas humildes esperando a que su voz fuera democratizada, amplificada y desencriptada, deseosos de que su escritura se convirtiera de impermeable en permeable, de sólida en gaseosa, de inamovible en ubicua. Yo mismo comencé publicando en pequeñas editoriales de Asturias, y no sólo me siento orgulloso de aquellos años de relativo silencio y oscuridad a veces desalentadora, sino que soy consciente de que sirvieron para prevenirme ante cualquier tentación de encontrarme en posesión del fuego sagrado de la literatura. Pero además, por otro lado, las pequeñas editoriales, que no viven cautivas de las grandes ventas por las que las editoriales de primera línea suspiran, sino que pueden cubrir gastos facturando 1.000 o 2.000 ejemplares de sus títulos, se encuentran en condiciones de editar atendiendo, única y exclusivamente, al valor de los textos y al cuidado, a menudo exquisito, del libro como objeto hermoso.

 

En una palabra: a mimar contenido y continente a partes iguales. Con el magisterio de Benito García Noriega, en KRK Ediciones he tenido la fortuna de editar a narradores tan formidables como Carlos de Oliveira, Euclides da Cunha, Samuel Johnson o Laurence Sterne, por no hablar de pensadores como Hans Kelsen, George Santayana o Aleksandr Luria y de dramaturgos como Juan Mayorga o Armand Gatti, pero ningún autor me ha regalado tantas satisfacciones y de ninguno he aprendido tanto como de Lev Tolstói.

 

Ahora, cuando el mundo conmemora el centenario de la muerte en Astapovo del genio ruso, echo la vista atrás y comprendo qué lujo ha sido poder levantar de la nada, con ayuda de traductores entusiastas, un sabio consejo editorial y un equipo de producción magnífico, dos obras como El evangelio abreviado y Mi confesión, en las que el creador del conde Andréi Bolkonski y de Natasha Rostova desplegó en primerísima persona todo su caudal de humanidad y preocupaciones éticas.

 

Decía Borges que hubiera necesitado dos vidas para sentirse satisfecho: una para leer y otra para escribir. Quizá se le olvidó mencionar ese tercer camino, el de la edición, que integra lo mejor de ambos mundos y enseña, como una imperecedera lección de humildad, qué hermoso, necesario y noble sigue siendo este viejo arte de dotar de sentido al mundo mediante la palabra.

 

Ricardo Menéndez Salmón - Publicado em Babelia (El País)

tags: ,
publicado por ardotempo às 20:29 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

Pesquisar

 

Maio 2010

D
S
T
Q
Q
S
S
1
2
3
4
5
6
7
8
9
20
21
27
28
31

Posts recentes

Arquivos

tags

Links