Terça-feira, 30.03.10

Sarau da Televisão - SARAU ELÉTRICO

HOJE - Terça-Feira 21horas - Sarau Elétrico

 


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Segunda-feira, 29.03.10

Lançamento de Livro - Aldyr Garcia Schlee

Convite - Lançamento do livro Os limites do impossível - de Aldyr Garcia Schlee

 

 

publicado por ardotempo às 01:33 | Comentar | Adicionar
Domingo, 28.03.10

Clássico contemporâneo

Gravura

 


 

Andy Warhol - Marilyn Monroe (Azul Turquesa) - Serigrafia sobre papel, 1964

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publicado por ardotempo às 22:38 | Comentar | Adicionar

Um dia, a verdade

 

A cara do cara

Ferreira Gullar

Devo admitir que, de algum tempo para cá, a personalidade de Lula tornou-se, para mim, motivo de surpresa e indagação. Trata-se, sem dúvida, de um personagem inusitado na história política do país. Contribui, para isso, obviamente, sua origem social, a condição de líder operário que, embora pouco afeito aos estudos e à leitura, chegou à mais alta posição que alguém pode alcançar no Estado brasileiro.
A trajetória que ele percorreu é, no entanto, compreensível, se se levam em conta os fatores que determinaram o processo político brasileiro durante os anos do regime militar. A repressão que a ditadura exerceu sobre os trabalhadores organizados, alijando dos sindicatos às lideranças surgidas do getulismo e do janguismo, propiciou o surgimento de uma liderança sindical, desvinculada tanto do peleguismo quanto dos comunistas que, por isso mesmo, prometia uma nova era na luta dos trabalhadores.
A figura principal desse movimento era Luiz Inácio Lula da Silva que, envolto nessa aura, fez renascer a esperança de velhos militantes incompatibilizados com o comunismo soviético, como também o entusiasmo de uma nova geração que se inspirava na Revolução Cubana. Não por acaso, Lula passou a usar a mesma barba que caracterizava as figuras de Fidel e Guevara.
Enquanto durou a ditadura militar, ele e seu partido, o PT, mantiveram-se na luta pela restauração da democracia, ao lado do partido de oposição e de outras forças de esquerda. Finda a ditadura, Lula e seu grupo começaram a mostrar sua verdadeira face: tornaram-se adversários de todos os governos que se formaram, a partir de então. A própria Constituição de 1988 não contou com seu apoio, pois se negou a assiná-la.
De 1990 a 98, Lula fracassou em três tentativas de eleger-se presidente da República. Em 2002, deu um ultimato ao PT: para perder de novo, não se candidataria e, com isso, o partido abriu mão da postura radical, permitindo a Lula, inclusive, adotar como vice um empresário e comprometer-se com a política econômica de FHC, que haviam combatido ferozmente. Eleito, Lula repeliu a aliança com o PMDB e aliou-se a partidos menores, que seriam comprados com o mensalão. Quando o escândalo estourou, disse que não sabia de nada e obrigou seus auxiliares mais próximos a assumirem a culpa. Depois, os absolveu e, recentemente, afirmou que o mensalão foi fruto de uma conspiração contra seu governo. Não houve.
A coragem de fazer tal afirmação, quando a denúncia daquelas falcatruas foi feita pelo procurador-geral da República e aceita pelo Supremo Tribunal Federal, é quase inconcebível em alguém que ocupa a Presidência da República. Mas esse é o Lula que, após assumir o governo, afirmou nunca ter sido de esquerda e, enquanto abre o cofre do BNDES à grandes empresas, alia-se ao antiamericanismo de Chávez e Ahmadinejad e abraça-se a Bush, a Fidel e Sarkozy. Dá seu apoio às eleições corruptas do Irã e se nega a reconhecer o presidente legitimamente eleito de Honduras.
Mas nada chocou tanto a opinião pública, dentro e fora do Brasil, quanto sua afirmação de que é inaceitável que alguém se deixe morrer numa greve de fome. E, como se não bastasse, comparou os prisioneiros políticos, condenados por delito de opinião, aos criminosos comuns, presos por roubar ou matar. O ministro Amorim tentou defendê-lo, dizendo que Lula, por já ter feito greve de fome, estava agora fazendo uma autocrítica. Na verdade, Lula fingiu fazer greve de fome, em 1980, pois, como se sabe, comia escondido. Não se trata, pois, de autocrítica, mas da tentativa de desqualificar quem demonstrou a grandeza moral que ele não teve. Teríamos que vê-lo, não como o estadista, que pretende ser, e, sim, com um espertalhão, capaz de qualquer coisa que sirva a seus objetivos?
Seria, talvez, simples demais afirmar que sim. No entanto, como entender sua atitude, na visita recente ao Oriente Médio, quando se ofereceu, publicamente, para mediar o conflito entre judeus e palestinos, tarefa já entregue a um "quarteto" de alto nível composto pelos EUA, a comunidade europeia, a Rússia e a ONU? Como era de esperar, o oferecimento foi rejeitado pelos dois lados.
Lula certamente não contava com isso, mas, esperto como é, tampouco se julgaria capaz de resolver tão complexo problema. O que lhe interessava era posar de estadista preocupado com as grandes questões mundiais. É o mesmo cara que inaugura obras não concluídas e acha que só um retardado mental faz greve de fome para valer.
Teme a era pós-Lula.
Ferreira Gullar - Pubicado na Folha de São Paulo / UOL
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Conto inédito de Mariana Ianelli

 

O Abutre-do-novo-mundo

Mariana Ianelli

 
Há pessoas que não foram totalmente corrompidas, como se o diabo não tivesse feito o serviço completo. Elas conservam as mãos limpas em troca de um esgar epilético e ninguém neste mundo seria capaz de julgá-las no lugar do seu próprio corpo de vítima e réu. Eu, por exemplo, cumpro a parte que me cabe no desempenho dos meus talentos e não me queixo. A minha pontaria me deu o que de melhor eu tenho: um bom apartamento, boas refeições e um sono tranqüilo. Por regra do ofício, minhas mãos nunca estão limpas. Quanto pesa a consciência? Nada, absolutamente. Para mim, mais vale não ter senso moral do que ter algum. Eu sigo o rabo de fogo do acaso e tudo o que preciso é ver sem ser visto. Chamam-me o Abutre-do-novo-mundo, o que eu considero, modéstia à parte, um dos títulos mais respeitáveis na hierarquia do crime.
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Outubro, quinta-feira, nove e meia da manhã: passo em frente ao 102 e meu alvo acaba de cruzar a rua para entrar no café da esquina. Desde que comecei o trabalho, todo dia eu o vejo praticar maquinalmente a mesma rotina, os mesmos prazeres inofensivos. Não sei por que razão o infeliz me foi encomendado, ou melhor, isso não me interessa. Quero descobri-lo por minha conta, no relatório subliminar das repetições de circuito, da casa para o café, do café para o escritório, do escritório para a cantina, da cantina para casa, ad infinitum.
Cada qual há de ter seus motivos para morrer ou agarrar a vida e são esses motivos íntimos que me interessam, insondáveis quase sempre, que não se explicam nem se substantivam nos casos de adultério, nas dívidas empresariais ou nas intrincadas jogadas políticas. Mesmo no cotidiano mais desordenado existirá sempre algo que se repete, alguma triste mania na qual o homem se enraíza, uma cadeira predileta no fundo de um bar, aos domingos, uma avenida, uma tabacaria, uma prostituta preferida. Nessas escolhas viciadas, a chave que tranca um miserável em seu cubículo dá mais uma volta sobre si mesma e mais outra e mais outra ainda. Só assim, pelo que sei, emparedado dentro dos seus limites, é que o homem se vê convocado a ir além, para alcançar o céu ou o abismo. Quanto ao meu pobre alvo, que nesse momento folheia o jornal do dia, ignorante de que amanhã ele será a notícia, os seus limites só poderiam levá-lo ao fundo do abismo, afinal, para onde mais pode ir um sujeito que veste uma gravata estampada às nove e meia da manhã de uma quinta-feira e que põe as mãos na cintura enquanto espera o seu cappuccino? O coitado me faz pena, esperando como se estivesse vivo. Primeiro quadrante, segundo quadrante, centro. Hora de riscá-lo da lista. Digamos que por causa dessa gravata ridícula.
© Mariana Ianelli

 

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Sábado, 27.03.10

Fumantes

"rolling stones"

 


 

Mario Castello - Fotografia - "Galeria do Rock" (São Paulo SP Brasil), 2010

publicado por ardotempo às 12:38 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 26.03.10

"A televisão é o futuro"

O visionário da tevê 

 

Entrevista com Walmor Bergesch - por Tatiana Tavares (Zero Hora)

 

Zero Hora – No livro Os Televisionários, o senhor mesclou o passado com o futuro e ainda enriqueceu esse conteúdo com textos de escritores como Luis Fernando Verissimo e Luís Augusto Fischer, que introduzem os capítulos. Como surgiu essa ideia?


Walmor Bergesch – Queríamos iniciar cada capítulo com o ponto de vista do lado de fora, do telespectador. Assim, convidamos contistas e cronistas para escrever uma história ficcional ou não, que tivesse correlação com o que seria falado a seguir. E conseguimos reunir este belo time (Sergius Gonzaga, Luis Fernando Verissimo, Aldyr Garcia Schlee, Claudia Tajes, Fabrício Carpinejar, Luís Augusto Fischer, Monique Revillion, Ignácio de Loyola Brandão, Gilberto Perin e Charles Kiefer).


ZH – Em 1961, o videoteipe foi responsável por transformar o modo como se fazia televisão naquela época. É possível fazer uma comparação entre a revolução protagonizada pelo videoteipe e a que deve ser desencadeada pela TV de alta definição?


WB – A primeira grande revolução foi realmente o videoteipe. Depois, a grande novidade foi a cor, a maior de todas para mim até agora. Em seguida, foi o desenvolvimento das microondas, para se estabelecer redes terrestres de televisão. Inicialmente, entre Rio e São Paulo. Em 1969, as redes começaram a se consagrar com o Jornal Nacional. Foi uma coisa maravilhosa, era o carro-chefe da formação de uma rede. Estabeleceram-se as afiliações das emissoras de forma mais forte. O grande marco que surgiu depois foi a TV de alta definição. A primeira vez que eu vi essa tecnologia foi na exposição da NAB em 1983, em Las Vegas. Depois, a tecnologia digital viabilizou a TV de alta definição.


ZHE qual é a revolução que a TV digital desencadeia?

 
WB – A revolução que ela vai provocar não é aquilo que estamos vendo hoje – que é maravilhoso para quem assiste a um bom filme ou boa novela bem produzida em casa ou qualquer tipo de conteúdo bem produzido em todas as etapas –, mas a evolução da tecnologia da televisão, do vídeo. Por exemplo, 3D já é uma evolução graças à tecnologia digital, porque antes ela não era viável para a televisão.


ZHPodemos fazer alguma previsão do que o futuro da televisão irá nos oferecer?

 
WB – Não temos como imaginar o que acontecerá nos próximos 15 anos. Mas já existem estudos adiantados em holografia. Centros de desenvolvimento eletrônico já estão com essa tecnologia em alguns protótipos. Algumas coisas já foram feitas experimentalmente, mas não funcionam na prática. Imagine, então, os recursos que teremos ao reunir a TV digital, o 3D e a holografia.


ZH A holografia vai permitir que, quando assistirmos uma novela, possamos visualizar a atriz ao nosso lado. Correto?


WB – Exatamente. É algo extraordinário, e acho que poderemos ver isso nos próximos 10 anos. É uma revolução extraordinária que vem aí.

 

 

 

 

Fotografia do autor: Tânia Meinertz (Divulgação/ ARdoTEmpo)

publicado por ardotempo às 23:31 | Comentar | Adicionar

A festa do lançamento: OS TELEVISIONÁRIOS

O livro e a festa de lançamento

 

 

 

 

Fotografias de Rafael Jacques

publicado por ardotempo às 17:46 | Comentar | Adicionar

A próxima atração

Livro recorda os 50 anos de televisão no Rio Grande do Sul – OS TELEVISIONÁRIOS

 

Denis Gerson Simões


Em um evento digno de show internacional, com cerca de 1.000 convidados presentes, foi lançado, nesta quarta-feira, 24/05, o livro Os teleVisionários, trabalho do jornalista Walmor Bergesch, profissional que foi um dos visionários da televisão no sul do Brasil. A recepção aos convidados ocorreu no Teatro do Bourbon Shopping Country, em Porto Alegre, contando com a presença de autoridades e muitos dos personagens que construíram a história do veículo de comunicação mais popular do Rio Grande do Sul.

 

A publicação, que conta com 400 páginas de textos e 300 fotografias, faz um apanhado do transcurso da TV no passar de cinco décadas no sul do país, pincelando, também, fatos nacionais que repercutiram em âmbito regional. Mesmo não se tratando de um trabalho acadêmico, o conteúdo tem a seriedade e comprometimento de quem esteve presente nos principais acontecimentos que deram forma a este veículo em terras sulinas.

 

O prefácio é de Alexandre Garcia e conta também com participações de Luiz Fernando Veríssimo, Fabrício Carpinejar, Luís Augusto Fischer, Aldyr Garcia Schlee, Ignácio de Loyola Brandão, Claudia Tajes, Sergius Gonzaga, Gilberto Perin, entre outras personalidades.

 


Homenageando os primeiros visionários dessa epopéia, o autor, em solenidade, doou ao Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa uma placa comemorativa ao cinqüentenário da televisão no estado, tendo citados nela todos os profissionais que trabalharam na TV Piratini quando do lançamento do veículo, em 1959. Segundo Bergesch, aqueles foram os pioneiros do primeiro canal de televisão da região sul, o canal 5.


O autor realiza no livro um verdadeiro passeio pelo tempo, de modo descontraído, ao lembrar os personagens e as diversas emissoras que deram corpo a esta história.


Não ignorando a atualidade, o evento de lançamento trouxe uma projeção do futuro da televisão: as imagens em 3D. Em um telão, foram exibidos trechos de eventos captados com tecnologia de terceira dimensão, como o Planeta Atlântida 2010 e o Desfile das Escolas de Samba do Carnaval do Rio de Janeiro. Os convidados receberam óculos especiais para ter a recepção diferenciada, mas o autor de Os TeleVisionários ressaltou: "logo não será necessário o uso desses óculos". A ação não deixou de destacar o potencial midiático e tecnológico da Rede Brasil Sul (Grupo RBS) e da Rede Globo de Televisão.


O livro contou com patrocínio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Grupo CEEE e do Governo Federal, através da Lei do Mecenato do Ministério da Cultura.  Este financiamento mostra que é possível, através dos dispositivos de incentivo à cultura, buscar alternativas aos custos de lançamento de publicações pertinentes à sociedade, seja como audiovisual, seja como impresso. Bergesch acabou por marcar um acontecimento histórico que a própria mídia televisiva, figura central do cinqüentenário, acabou por ignorar. Trata-se de uma voz do mercado que passa a ser uma referência do tema, mesmo para o ambiente acadêmico, já que a questão da televisão no RS carece de maiores publicações dentro das próprias universidades gaúchas.


Denis Gerson SimõesMestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), membro do Grupo de Pesquisa CEPOS (apoiado pela Ford Foundation) e licenciando em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

E-mail: <denis@portal25.com>.
Fontes: http://projeto.unisinos.br/cepos/ e http://projeto.unisinos.br/oddd

Imagem: Fotografia de Rafael Jacques (Na imagem, Alexandre Garcia, Chico Anysio e Walmor Bergesch)

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Domingo, 21.03.10

Conto inédito de Mariana Ianelli

 

YOLANDA

 

Mariana Ianelli

 
Uma palavra teria sido o bastante, mas veio outra, mais outra e outra ainda, então eu explodi pelos ares. Era uma bomba tão estrategicamente escondida entre baús e móveis estragados que eu já nem me preocupava. Estilhaços. Disseram-me Yolanda, depois acidente, depois hospital e, tudo o que eu mais temia, inconsciente e reanimada. Ia bater o telefone quando a última lasca voou: quarto 49. Isto é a realidade – um enorme, invisível, medonho e ultrajante sorriso de sarcasmo. O suco azedo da videira carregada de respostas. Yolanda de pés descalços, Yolanda cobrindo o corpo, ligeiramente envergonhada, Yolanda na entrada do cinema, se desculpando pela demora, Yolanda muito séria, debaixo da chuva, tempos atrás. Eu precisava ir até lá, só um completo covarde não iria. E de repente eu estava ali, parado diante da porta, de novo massacrado, contrafeito, dividido – um covarde. O homem para quem tudo que existe tem um só nome. Yolanda, quarto 49. Entrei, contornei a cama, cento e trinta batimentos por minuto, eu te olhei, eu precisava te olhar. Fomos apresentados pela primeira vez no meio de uma corja de bêbados e de velhos mal-educados, e não tínhamos mais o que fazer entre eles senão dar início à nossa própria história. Yolanda, vinte e oito anos. Agora eu te reencontro entre aparelhos de oxigênio, bolsas de soro, agulhas e ventosas, e na minha frente vejo uma garotinha recém-saída da escola, os olhos arregalados. Extirparam a tua memória, Yolanda. Deixaram do lado de cá esta mentira viva, como que uma saudação distraída para honrar o plantão de emergências, simplesmente um olá. Nada mais diz teu nome, nada, em nenhum lugar. Eu quero voltar para casa e arrebentar a lâmpada, o relógio, o copo d’água. Vê-los no chão, iguais a mim: os olhos arregalados.
 
© Mariana Ianelli
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Um pensamento sobre Arte

A pouca realidade 

 
Ferreira Gullar
 
 
Em crônica anterior, disse que a próxima Bienal de São Paulo teria o propósito de nos mostrar aspectos da realidade política e social, por meio de filmes, vídeos e fotografias, conforme li na imprensa. Pareceu-me que, com isso, a Bienal se inseria na tendência chamada arte contemporânea de nos mostrar a realidade em lugar de recriá-la ou transfigurá-la.
 
A curadoria da mostra contestou minha afirmação, alegando que, pelo contrário, pretende "destacar a singularidade da arte em relação ao campo da cultura e se propõe mostrar a relação entre arte e política". Acrescenta, ainda, concordar com minha tese de que a arte existe porque a realidade não nos basta. Se é assim, tanto melhor. Mas por que fazê-lo por meio do cinema se a Bienal é de artes plásticas?
 
Quem leu a referida crônica terá percebido que me vali da futura Bienal como pretexto para expor meu ponto de vista, segundo o qual a chamada arte contemporânea caracteriza-se não por reinventar a realidade e, sim, simplesmente, mostrá-la. Esses artistas -se ainda cabe chamá-los assim - têm as chamadas linguagens da pintura, da gravura, da escultura etc., por superadas.
 
Vou me valer de uma metáfora bem simples. Ao nascermos, porque ainda não aprendemos a falar, somos quase que apenas nosso corpo -um bichinho que apenas gesticula. Depois que aprendemos a falar, tudo muda, já podemos traduzir em palavras o que sentimos e desejamos, e, por meio da poesia, nos inventamos e inventamos a realidade imaginária que amplia nossa existência. Assim também, se me torno pintor, de posse de uma nova linguagem, reinvento a realidade e a transfiguro.
 
Mas o que sucederia se, por alguma razão, essa linguagem pictórica se desfizesse?
 
Restaria eu, pintor sem linguagem, diante da realidade, agora inalcançável. Cézanne, ao pintar a maçã, não a copia, simplesmente; muda-a em pintura. As garrafas e púcaros dos quadros de Morandi são entes pictóricos, que ele acrescentou ao mundo, o que só se tornou possível pelo domínio técnico e poético da linguagem da pintura. Sem ela, o que faria Morandi, fascinado como era, pelo mistério daqueles objetos? Nos chamaria a sua casa para mostrá-los? Certamente, não o faria por saber que a função do artista não é mostrar a realidade, mas mudá-la. Tanto o sabia que, tendo vivido até 1964, não aderiu às vanguardas que negaram a linguagem da arte.
 
O que é o "ready-made", se não a apropriação do que já está feito? O "ready-made" dispensa a linguagem da arte, ou seja, dispensa a arte que, sem linguagem, não existe. Mas Marcel Duchamp, que era artista, dedicou oito anos a fazer o "Grande Vidro" e 12 a fazer o "Étant Donné", que, aliás, de realidade não tem nada: é puro sonho.
 
O "ready-made" duchampiano expressa a contradição entre a arte artesanal e a sociedade industrial. É como se Duchamp dissesse: "Nesta época, a arte já era". E, com isso, o pintor saiu do espaço fictício do quadro para o espaço real do mundo.
 
No começo, o propósito era criar, nesse espaço, objetos que, de algum modo, aludissem à subjetividade, do artista e do espectador, mas, em seguida, até essa significação estética (isto é, formal) se desvaneceu e ao artista, sem linguagem, só restou a realidade inalcançável.
 
A performance resulta dessa perda da linguagem: sem ela, sou apenas meu corpo material: lambuzo-me de tinta, me masturbo em público, me corto, fico nu no museu; sim, no museu, porque ficar nu na rua ou em casa não é arte. Tenho que me masturbar na galeria de arte para que a masturbação vire expressão estética. Sem linguagem artística, reduzido a meu próprio corpo, é a instituição - o museu, a galeria de arte - que dá sentido às minhas atitudes e ações.
 
Por coincidência, naquele mesmo domingo em que abordei aqui este assunto, um jornal do Rio publicou uma entrevista com Marina Abramovic, artista performática que está se exibindo no MoMa. Um dos principais elementos de sua exibição são mulheres e homens nus. Ela fez questão de explicar que não se trata de teatro, "onde tudo é mentira, pois os atores fingem que são personagens e o sangue é tinta vermelha". Já na performance, é tudo verdade, tudo é real: se houver sangue, é sangue mesmo. E assim ela confirma o que afirmei sobre a arte contemporânea que, ao contrário do que a arte sempre fez, não cria nada: mostra o real. Ou seja, o que já conhecemos e não nos basta. Em matéria de nus mostrados em museus, prefiro o Davi, de Michelangelo, ou a Vênus de Cnido, que, em vez de me constrangerem, me deslumbram.
 
Ferreira Gullar
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Sábado, 20.03.10

Lançamento de Livro - OS TELEVISIONÁRIOS

Noite de autógrafos, show, demonstração de TV 3D e coquetel 

 

 

 

 

Convite para lançamento do livro OS TELEVISIONÁRIOS

 

publicado por ardotempo às 20:39 | Comentar | Adicionar

Vida artificial

Animação

 

 

 

 

 

Gilberto Perin - Carnaval - Fotografia ( Porto Alegre RS Brasil), 2010

publicado por ardotempo às 20:36 | Comentar | Adicionar

Os que construíram a tevê como ela é

OS TELEVISIONÁRIOS

 
De Walmor Bergesch
 
O livro conta a história da criação, desenvolvimento e a atualidade (e futuro) da televisão do Sul ao longo de cinquenta anos. O autor escreve sua história em linguagem leve, dinâmica, elucidativa e empolgante. Dá particular ênfase aos que a fizeram e a fazem nos dias de hoje, contando suas façanhas a partir de sua afirmação que “televisão é uma construção coletiva pela soma dos talentos individuais.
 
Os grandes protagonistas portanto são os televisionários, os que imaginaram e construíram a televisão como ela é hoje no Sul.
 
No livro os grandes heróis são Salimen Jr, Maurício Sirotsky, Sérgio Reis, Nelson Vaccari, Elis Regina, José de Almeida Castro, Jayme Sirotsky, Chico Anysio, Margarida Spessato, Célia Ribeiro, Lauro Schirmer, Fernando Ernesto Corrêa, Maria do Carmo, Otávio Gadret, Ruth Regina, Clóvis Duarte, Cyrillo Mattielo, Luiz D’Avila, Claro Gilberto, Flávio Corrêa, Tânia Carvalho, Roberto Appel, Nelson Sirotsky, Nico Fagundes, Petrônio Corrêa, Raul Costa Jr., Alfredo Fedrizzi e muitos outros.
 
 
O autor registrou mais de 150 depoimentos em cerca de 200 horas de gravações, mais de mil imagens coletadas de diversas procedências, realizou pesquisas em jornais e revistas da época e escreveu o seu livro ao longo de dois anos, tendo viajado pelo País na consulta e conversa com seus diversos interlocutores.
 
O livro conta com a apresentação de Alexandre Garcia, contos e crônicas de Aldyr Garcia Schlee, Charles Kiefer, Claudia Tajes, Fabrício Carpinejar, Gilberto Perin, Ignácio de Loyola Brandão, Luís Augusto Fischer, Luis Fernando Verissimo, Monique Revillion e Sergius Gonzaga. Apresenta 300 imagens em preto e branco e em cores, em 400 páginas em couchê matte e é uma edição ARdoTEmpo, sendo contemplada pela Lei de Mecenato do Ministério da Cultura (PRONAC nº 08 6413), com o patrocínio da CEEE.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
OS TELEVISIONÁRIOS
De Walmor Bergesch
400 páginas / 300 imagens
Edições ARdoTEmpo / 2010
ISBN nº 978-85-62984-01-3
 
Imagem: ©Humberto Ruchinsque - Retrato de Elis Regina - Pintura / Óleo sobre tela
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Quinta-feira, 18.03.10

O livro de Maria Carpi

A palavra encarnada e repartida 

 
Mariana Ianelli - Resenha sobre o livro Abraão e a Encarnação do Verbo,
de Maria Carpi 
 
Abraão e a Encarnação do Verbo
Maria Carpi
Age Editora
120 páginas
 
Iniciar uma reflexão poética invocando clareza e humildade não é tarefa que hoje se possa dizer costumeira entre poetas, sobretudo no que se refere à humildade. Considerar, além disso, que a palavra seja sagrada, talvez chegue mesmo a provocar desconforto em alguns. Pois é a partir desta fé, e desta fidelidade, que Maria Carpi apresenta os fundamentos de sua arte poética em Abraão e a Encarnação do Verbo.
 
De origem italiana por parte de pai, Maria ainda guarda de sua infância em Guaporé as memórias de uma plantação de vinhedos e a imagem da mãe, com seu avental branco, preparando o pão. Quanto à paternidade de espírito, Maria se declara cristã-israelita, “essencialmente filha de Abraão e da Encarnação do Verbo”. Tem-se aí os pilares da história e da obra de uma poeta que, ao entremear a escritura da vida com as Escrituras Sagradas, fez de sua visão de mundo uma “metáfora viva”, o aprendizado do corpo e do sangue de Cristo desde o pão e o vinho da casa de infância.
 
Em seu livro, Maria Carpi evoca os autores que admira, como Martin Buber e Simone Weil, para juntar-se a eles na experiência de uma reflexão sobre o sagrado tão digna de interesse quanto se esperaria de uma contribuição no campo das reflexões científicas ou filosóficas. “E quem somos, por mais brilhante nossa capacidade de raciocinar, para arredar do mundo o espaço do mistério?”, questiona a poeta, para quem “o invisível não é uma abstração, mas uma concreção”. Deve-se a esta “ausência ardente” de Deus o princípio de toda criação humana. Com a queda do homem para a mortalidade, resta-lhe a virtude de ser fecundo, de continuar o “poema da criação” e dar fruto na palavra. A poesia cumpre aqui, tal como na vida, o caminho do regresso, de um crescente despertar da atenção, a capacidade de um sopro criador que “devolve o alento originário” e faz recordar ao homem sua morada. 
 
Se na liturgia os divinos mistérios são celebrados por meio dos sacramentos, na poesia o Inominável se deixa vislumbrar através do véu do simbólico. Essa aproximação do ato poético e do ato litúrgico, vale lembrar, também era cara à poeta italiana Cristina Campo, que via em ambos a presença daquele “esplendor gratuito, delicado desperdício, mais necessário do que útil”, um esplendor que remontaria ao gesto de Maria Madalena lançando o vaso de nardo sobre o corpo de Jesus. Afinada com essa gratuidade amorosa na raiz da poesia e da liturgia cristã, Maria Carpi reconhece que “toda criação é um ato que transborda”, assim como “toda graça é sem causa provável”.
 
Inspirada pela narrativa bíblica, a poeta vai do Antigo ao Novo Testamento, refazendo nesse percurso de leitura o caminho do exílio à terra da promessa. Assim, a Graça e a Paixão se encontram na exigência da vinda de Cristo contida nas palavras de Abraão a Isaac: “Deus proverá ele mesmo o cordeiro”. Por uma enunciação poética, Abraão precipita a Encarnação do Verbo. E quando “Deus desentranha-se de Deus para entranhar-se Filho do Homem”, dá-se o escândalo, o grande desconforto de um sagrado que tem corpo, que precisa ser amado, acolhido e respeitado no corpo do próximo, “justamente aquele do qual nos desviamos”.
 
Esta percepção de uma realidade sagrada entre os homens, e não acima deles, de um dever imediato para com o próximo, e não para com um Deus transcendente, incomoda pelo que de laborioso exige, porque perturba a inércia, delata o egoísmo e responsabiliza a todos por aquele que sofre, aquele que está ao alcance dos olhos e das mãos, e que aparece como um intruso, ainda que seja um irmão. Pois na “prontidão somos poucos”, diz Maria Carpi, somos poucos na disponibilidade da doação sem reservas, no “milagre do pão repartido”. E a poesia, por este mesmo critério de um pão que se reparte, requer uma entrega sem subterfúgios nem limites, um abrir-se ao desconhecido de tal modo que se possa acolher o outro, ser o outro, e desta semelhança entranhada desponte “a rosa do convívio”. Para esse encontro, Maria Carpi se prepara em silêncio. À maneira de uma semente, seu poema se vai desdobrando em oferta, até dizer: “extrema compaixão / extenuada, corpo a corpo / em sequidão, é de repente, / de ponta a ponta, estar maduro” (do 34º Canto de As Sombras da Vinha).
 
 
Mas o amor do poeta, assim como a vizinhança do outro, nem sempre é bem-vindo. Isto porque “somos também filhos da mesquinhez”, e, sobretudo, porque “há um pudor inexplicável, doentio, em dizer a palavra interdita: eu te amo na obra que não é minha”. Há aqueles que quando lêem não comparecem, nem compartilham. E ainda aqueles que escrevem não para retribuir, mas para renegar a vida. Abraão e a Encarnação do Verbo contempla também esse vazio, esse território infértil que coexiste com a literatura, a banalização do sagrado par a par com uma religião pessoal, os sete ais das bem-aventuranças. Nada falta, portanto, aos fundamentos de uma arte poética, com toda uma ética, uma estética e uma mundividência reconhecíveis no testemunho de uma vida. Doação, comunhão e apetência para o bem e para o belo atuam nesse livro duas vezes: como fé e como obra. Trata-se da palavra encarnada, do sagrado tornado visível na escada que sobra intacta, apontando para o céu, no meio dos jardins de uma casa demolida. Aos olhos da poeta, essa é a escada de Jacob.
 
Precioso, ao final do livro, o relevo dado às mulheres da Bíblia, desde Rute, Ester e Judite, até as irmãs de Lázaro, que já marcavam presença nos versos de Os cantares da Semente: “Marta sustenta, Maria consente / e aquele, irmão das duas, posto / à prova, é sepultado, semente”. Pois é assim que, em sua história de filha, mãe e avó, em seu trabalho de Defensora Pública e em sua rotina de ocupações domésticas não separadas do espírito, a poeta Maria Carpi convoca para sua vida as figuras emblemáticas de Marta e Maria, ação e contemplação jungidas pela fraternidade, para que um único dom se aprimore em seu mais alto grau de exercício: o dom de ver a dignidade nas coisas cotidianas tanto quanto na palavra que as designa. Entre as muitas razões para celebrar Abraão e a Encarnação do Verbo, por ora basta destacar a corajosa tarefa que a autora ali assume, de recuperar para a palavra esta dimensão sagrada, tantas vezes já depreciada ou esquecida, da qual provém uma poética dos sentidos, fonte da linguagem e da experiência criadora, sem dúvida, mas, antes disso, uma virtude simplesmente humana de se arriscar à vida e ao convívio.   
 
Mariana Ianelli
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Quarta-feira, 17.03.10

Conto inédito de Mariana Ianelli

O rabo da Salamandra
 
Mariana Ianelli
 
 
Já estivemos entre os primeiros da fila, pelo menos, é o que consta nos registros. Havia muito o que perder naquele tempo, mas quem sabia disso? Ninguém sabia. Naquele tempo é o que dizemos quando a simples tarefa de atravessar a rua se tornou um verdadeiro sacrifício, ou quando o espelho do banheiro converteu-se na vitrine de um museu pessoal de arqueologias.
 
Continuamos na fila depois de dar a meia-volta e lentamente vamos chegando à outra ponta, vencidos por um par de sapatos velhos, uma cirrose e o espanto de uma agenda telefônica cada vez mais defasada e fictícia. Nossos antigos colegas de classe bem poderiam ter permanecido naqueles bancos caquéticos, decorando o teorema de Tales, o futuro do pretérito, a Questão das Investiduras ou a estrutura molecular dos polímeros. Mas não. Existe sempre um mensageiro do sinistro que vem, não se sabe de onde, só para dizer que Ana, vocês se lembram de Ana, a campeã dos torneios de basquete?, pois então, nas últimas férias de julho ela voltava de uma viagem com a família, à noite, pela via expressa, quando um caminhão desgovernado simplesmente; e o Gordo, vocês se lembram dele?, pois não foi que o coitado teve um surto, sozinho num sítio lá onde o mundo faz a curva e, sabem como é, de repente o desespero, o vazio por todo lado, a ronda do caipora, as ratazanas, as serpentes, o mato gritando noite adentro e aquela irresistível espingarda na parede. De quando em quando também chegam notícias dos que deram certo e conservaram os dentes fortes, a cabeça razoavelmente lúcida e o sangue, apesar dos pesares, limpo. Entre eles, o Toninho, que nós já desconfiávamos, finalmente ali, na capa de uma revista, com seu rosto lânguido de Psiquê enrolado num manto de caxemira; ou ainda, as famosas pernas do colégio, que de um dia para o outro começaram a desfilar pelos corredores de uma clínica de estética, atendendo a madames e falsas atrizes.
 
Assim vamos passando, nós, montículos de areia no funil de uma ampulheta depois de amanhã mais cheia embaixo do que em cima. Com os pés enfiados nos chinelos, vamos até a mesa da cozinha e invadimos as novas páginas da História para ver quem são agora os vanguardistas, os milhões de meninos e meninas se acotovelando no início da fila. São eles que nos empurram adiante, que sacodem o rabo da salamandra, estas crianças de mãozinhas estendidas, cheias de barro e de fuligem, estas caras alarmadas, esculpidas pela fome e estas patas mansas de filhotes instruídos pela hedionda estupidez televisiva. E nós amamos, nós aprendemos a amar uma geração nascida da loucura e do sublime, que ainda insiste na esperança, quem sabe se por ignorância ou por delírio, e que oferece à roleta do jogo a própria vida, como antes nós arriscamos e perdemos a nossa aposta em um Deus impossível.

 

© Mariana Ianelli 

publicado por ardotempo às 11:52 | Comentar | Adicionar

Gato, aranha e formigas

Os habitantes da casa
 
Ferreira Gullar
 
Uma casa tem diferentes dimensões. Não estou me referindo à pluridimensionalidade do espaço, à relação espaço-tempo ou coisas de que só físico-matemático entende. Estou falando do tamanho dos diversos tipos de seres vivos que a habitam. Eu, por exemplo, ao que tudo indica, sou o maior habitante da casa, onde já houve gente de maior porte, com meus dois filhos homens, com dois palmos a mais de altura que eu e mais carne e músculos, mas que já se foram. Agora, sou o bicho maior da casa; um metro e 70 centímetros, 56 quilos. Maria, a empregada, tem um pouco menos de altura, mas pesa muito mais. Só que não mora aqui. Moro sozinho, logo sou o maior habitante da casa.
 
Fora os filhos - que eram maiores, e a filha e a Thereza, que eram menores e que também se foram - havia o gato, bem menor que todos nós e mais silencioso também. Fora um ou outro miado, reclamando de alguma coisa, ele era só silêncio, especialmente ao caminhar sobre suas patinhas macias. 
 
Houve presenças eventuais, de visitantes, diria, como a de um pequenino rato que foi abocanhado pelo Gatinho, na área de serviço. A empregada gritou, eu corri até lá e tentei forçá-lo a soltar o rato, mas ele não concordou. Teve que fazê-lo, quando o peguei pelo cangote e Maria lhe apertou as mandíbulas. Não tenho simpatia por ratos; meu temor era que ele o comesse; temor bobo, porque, como vim a saber depois, o gato, nesses casos, quer apenas se divertir.
 
Outros desses visitantes foi um passarinho, pelo qual nada pude fazer, além de recolher os restos de asas e plumas que dele restaram junto ao janelão da sala. Bem menores que os passarinhos são os insetos, que eventualmente invadem a casa e depois ficam se esbatendo contra o vidro das janelas, sem conseguir sair. Com algum cuidado os ajudo a escapar, menos por solidariedade do que por não me agradar semelhante convívio.
 
Já as baratas miúdas, essas, para azar meu, nada tinham de serem visitantes esporádicas: ocupavam os armários da cozinha e do banheiro. Até que surgiu um inseticida, que deu fim a elas. Verdadeiro milagre, de que me lembro com alívio, já que nunca mais nenhuma daquelas baratinhas voltou a aparecer por aqui. Em caráter eventual, aparecem às vezes baratas cascudas, que surgem inesperadamente no banheiro ou na área de serviço, como uma má notícia. Corro a pegar o spray e dou cabo delas, cheio de remorso. Sou, confesso, um baraticida.
 
Mas não é propriamente disso que desejo falar, e, sim, de outros bichinhos, pelos quais tenho simpatia e ternura, como as lagartixas, por exemplo. Não sei onde mora, mas, de repente, me deparo com uma delas colada no alto de uma parede. São branquinhas, quase transparentes. Saem para caçar insetos, creio eu, e, do mesmo modo que surgem, desaparecem.
Atualmente, não me preocupo com elas, uma vez que meu gato, chamado Gatinho, morreu. Porque não distinguia entre ratos e lagartixas, atacava-os com a mesma maldade. Certa vez, obriguei-o a soltar da boca uma delas, que, desavisada, surgira na sala. Ao fim do embate, perdeu o rabo mas consegui levá-la, ainda que machucada, para a área de serviço, onde a coloquei com todo o cuidado, após trancar o gato na sala. Sobreviveu, porque, no dia seguinte, não estava mais lá.
 
 
Porém o ser mais fascinante que habita minha casa é uma aranha (ou uma família delas) que, vez por outra, surge no meu banheiro. Lá, também, frequentemente, aparecem formigas minúsculas, que estão dentre os seres visíveis, os menores de meu convívio. Não sei onde se escondem, mas, quando surgem, é numa quantidade surpreendente, como na semana passada: ao acender a luz, deparei-me com uma pequena mancha fervilhante sobre o mármore da pia; é que deixara cair um fragmento de comida, que elas decidiram transportar para seu formigueiro. Com surpresa, constatei que dezenas delas subiam e desciam, como um fio vivo que se deslocava formando uma trilha entre os azulejos. Miúdas, ativas, diligentes, conduziam migalhas de alimento para algum lugar secreto no alto da parede ou no teto.
 
Mas, como disse, minha hóspede mais fascinante é uma minúscula aranha, que costuma estender sua teia mínima entre uma das torneiras - a que quase não uso - e a borda do espelho. Suas pernas, incrivelmente finas e ágeis, são pouco mais espessas que os fios de sua teia, quase invisíveis. Não faço ideia do que ela pretende capturar num banheiro onde nunca vi voar qualquer mosquito. Mas quem sou eu para lhe dar conselhos! Tomo todo o cuidado para não incomodá-la e recomendo à faxineira que a deixe em paz. 
 
Ferreira Gullar - Publicado na Folha de São Paulo / UOL
Imagem: Salvador Dali, Rosto com formigas - Pintura, óleo sobre tela

 

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publicado por ardotempo às 11:48 | Comentar | Adicionar
Terça-feira, 16.03.10

O livro da tevê

Sobre o livro Os Televisionários:

 

"Gaúcho tem destas coisas. É épico em tudo. Erico Verissimo retratou bem na sua trilogia. O que o leitor tem pela frente é um desses épicos. A história da televisão no Rio Grande do Sul." – Depoimento de Alexandre Garcia (Jornalista)
 
"Salomé  teve uma vida própria como personagem, de dimensão muito grande porque recebia cerca de 450 cartas por semana de pessoas pedindo ajuda a ela para interceder junto ao presidente da República. Na época, o presidente era o João Batista Figueiredo. E eu dava os recados a ele pela televisão e ele respondia lá de Brasília. Ele levava a sério a Salomé e respondia, nas entrevistas, no rádio, nos atos públicos. Foi uma personagem muito interessante, que se inseriu como uma realidade da arte na realidade cotidiana do País e através dela eu pude criticar tudo que parecia estar errado para muita gente, que não tinha voz...” – Depoimento de Chico Anysio (Comediante, ator, escritor)
 
"A minha visão é de que em dez anos vai existir um aparelho em que as pessoas vão poder ter qualquer conteúdo de qualquer lugar do mundo, na palma da mão, aonde ela estiver. Se isto será a televisão, o computador, eu não sei... mas eu acho que a tecnologia avança neste processo de convergência que passa pela internet. "–  Depoimento de Nelson Sirotsky (Jornalista / Presidente do Grupo RBS)
 
"Foi ela que embalou os nossos sonhos, foi ela que propagou os valores contraditórios da modernização brasileira e incorporou ao nosso imaginário, local e nacional, uma constelação de significados que ajudou a destruir o velho Brasil oligárquico, semi-feudal e de estrutura mental patriarcalista. A tevê representou a maior revolução cultural vivida pelo país em todos os tempos. Que nós, intelectuais, déssemos as costas para ela, comprova o quão apocalípticos éramos e, ao mesmo tempo, assinala a nossa incapacidade de entender o processo cultural brasileiro. " –  Depoimento de Sergius Gonzaga (Escritor, professor, Secretário Municipal de Cultura, Porto Alegre)
 
 
 

publicado por ardotempo às 21:06 | Comentar | Adicionar
Quarta-feira, 10.03.10

Os TeleVisionários

 Lançamento do livro: 24 de março

 

publicado por ardotempo às 17:21 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar
Segunda-feira, 01.03.10

Existem dois brasis, um da terra, outro do concreto e vidro...

Dois brasis

 

Um da terra,

outro do concreto e vidro,

um da sobrevivência,

outro da riqueza e desperdício,

um movido a sangue,

outro a combustível fóssil,

um que nada espera.

outro que é mercado futuro,

ambos se vêem na televisão,

em cores.

 

 

 

Mário Castello - Juripiranga - Fotografia - Sul da Paraíba (Juripiranga PB Brasil), 2010

publicado por ardotempo às 14:42 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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