O retrato do fotógrafo
Retrato
Itaci Batista - Retrato do fotógrafo Mário Castello - Fotografia (São Paulo SP Brasil), 2010
Retrato
Itaci Batista - Retrato do fotógrafo Mário Castello - Fotografia (São Paulo SP Brasil), 2010
Xilogravura
J. Borges - Capa de cordel: A chegada da prostituta no céu - Xilogravura e texto de cordel
"Nunca antes neste país..."
Itaci Batista - Brasília Classe A - Fotografia (São Paulo SP Brasil), 2010
Paul Cézanne: retrato del artista fracasado
Publicado no Globo
As cores mineiras de Mário Castello
Mário Castello - Natureza mineira - Fotografia (Sul de Minas Minas Gerais MG Brasil), 2009
Na passarela da Estação da Luz
Mário Castello - Estação da Luz - Fotografia (São Paulo SP Brasil), 2010
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Parar de comer carne pode salvar o planeta?
James Kanter
Os representantes que chegavam aos portões da conferência sobre o clima em Copenhague, no mês passado, eram recebidos por mulheres vestidas como animais peludos segurando placas mostrando imagens de carneiros, vacas e porcos e alertando: "Não me coma".
As mulheres eram representantes de Ching Hai, a líder de um grupo que defende a adoção de preceitos budistas, incluindo seguir uma dieta vegetariana. Enquanto faziam fila por horas sob condições congelantes, muitos dos delegados pareciam gratos pelos lanches bem embalados - sanduíches sem carne - que as mulheres distribuíam de graça.
Os seguidores de Ching Hai dizem que uma das metas principais dela é combater desastres ambientais, e seus representantes em Copenhague pareciam ávidos em divulgar a mensagem de que o metano, expelido em grandes quantidades por vacas e outros rebanhos criados pelas indústrias de carne e laticínios, está entre os mais potentes gases do efeito estufa. Mas as virtudes do vegetarianismo como parte do combate à mudança climática estão longe de ser uma questão apenas para aqueles com inclinação espiritual.
Muito antes do encontro de cúpula em Copenhague, o aumento da demanda por carne e laticínios, particularmente entre a crescente classe média de países como China e Índia, com economias em rápido desenvolvimento, fez com que os elos entre a mudança climática e a política alimentícia se transformassem em um elemento importante no debate em torno do que fazer a respeito do aumento dos níveis dos gases do efeito estufa. O assunto pareceu ganhar força nas semanas que antecederam a conferência em Copenhague, com figuras proeminentes dos mundos da ciência e do entretenimento entrando na briga.
Falando no Parlamento Europeu no início de dezembro, o Beatle Paul McCartney disse que há uma necessidade urgente de fazer algo a respeito da produção de carne, não apenas por causa de seus efeitos sobre o clima, mas também por causa de questões relacionadas, como desmatamento e segurança das reservas de água.
McCartney, que há muito defende o vegetarianismo, pediu aos legisladores europeus que apoiem políticas que encorajem os cidadãos a evitarem de comer carne pelo menos um dia por semana, algo que poderia virar tão comum como reciclagem ou carros que rodam com tecnologia híbrida. Funcionários públicos na cidade belga de Ghent e crianças em idade escolar de Baltimore já realizam o dia sem comer carne uma vez por semana, ele afirmou.
McCartney estava acompanhado no Parlamento por Rajendra Pachauri, o presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2007, que é a principal entidade da ONU que estuda o clima.
A conscientização pública dos problemas associados à carne é baixa, e as autoridades poderiam considerar impor uma sobretaxa sobre a carne bovina para desencorajar o consumo, disse Pachauri em comentários divulgados pela agência de notícias France-Presse.
Os produtores de carne imediatamente rotularam os comentários como um ataque à indústria e críticas vieram até de lugares tão distantes quanto a Nova Zelândia. "Cortar a carne por um dia pode parecer uma solução simples, mas há pouca evidência mostrando qualquer benefício", disse Rod Slater, o presidente-executivo da Beef and Lamb New Zealand, para a associação de imprensa do país."Sugerir que a carne não é verde é uma difamação emotiva contra uma indústria que continua investindo em pesquisa, lutando por maiores melhorias", acrescentou Slater, que disse que as pessoas que vivem na Nova Zelândia obtêm suas necessidades nutricionais diárias e grande parte de suas proteínas, zinco e vitamina B12, da carne bovina e de carneiro.
De fato, como várias outras áreas de pesquisa na ciência climática, a intensidade dos gases do efeito estufa na produção de carne é contestada. Quando um estudo na edição de novembro-dezembro da revista "World Watch" alegou que mais da metade dos gases produzidos pelo homem e que aquecem o planeta eram causados pela indústria da carne, um grupo de pesquisa do setor rebateu que um estudo da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) já tinha mostrado que o número relevante era mais próximo de 18%.
O estudo publicado na "World Watch" fracassou em "realçar os contrafatuais - como, por exemplo, seria um mundo sem rebanhos domesticados", escreveu Carlos Sere, diretor-geral do Instituto de Pesquisa Internacional de Rebanhos, em Nairóbi, na "Green Inc." em novembro. "Os herbíveros selvagens e cupins não poderiam tomar muitos desses ambientes, produzindo no final tantos gases do efeito estufa quanto os ruminantes domesticados?", perguntou Sere. "Nós, francamente, não sabemos ainda." Certamente a questão pode ter muito mais nuances do que alguns comentaristas sugerem.
Por exemplo: gado alimentado no pasto pode ter uma pegada de carbono muito menor do que aquele alimentado com ração e em confinamento, porque os animais em pastos exigem menos insumos baseados em matérias-primas fósseis como fertilizantes e porque eles ajudam o solo a retirar carbono. Esforços renovados estão em andamento para se chegar ao fundo do assunto.
No início deste mês, a Organização Mundial para a Saúde Animal disse que estudaria o efeito da produção de carne sobre a mudança climática, diante dos pedidos de seus países membros. "É uma questão que precisa ser estudada com bastante isenção", disse Bernard Vallat, o diretor-geral da organização, em uma coletiva de imprensa segundo a agência de notícias Reuters. "Nós queremos dar uma contribuição modesta e independente", ele declarou.
Vallet explicou que uma das questões mais espinhosas é como envolver a agropecuária nos esforços para reduzir os gases, mantendo ao mesmo tempo a segurança alimentar.
Sere, do instituto de pesquisa dos rebanhos, reconheceu a necessidade do desenvolvimento de uma forma de produção de rebanhos entre a pecuária industrial e familiar, que eliminaria a pobreza sem esgotar os recursos naturais ou prejudicar o clima. Ele disse que os ambientalistas devem ter em mente que "a maior preocupação de muitos especialistas em relação aos rebanhos nos países em desenvolvimento não é seu impacto sobre a mudança climática, mas, sim, o impacto da mudança climática sobre a produção dos rebanhos".
Os "ambientes tropicais mais quentes e mais extremos que estão sendo previstos não ameaçam apenas até um bilhão de meios de vida baseados na pecuária, mas também o suprimento de leite, carne e ovos para as comunidades famintas que mais necessitam desses alimentos", ele concluiu.
Publicado no UOL
Charutos e cigarros
Sir Alfred Hitchcok (Fotografia de Philip Haslmann) / Albert Camus (Fotografia de Henri Cartier-Bresson)
Desenho inédito de Siron Franco
Siron Franco - Sem título - Desenho (Aparecida de Goiânia GO Brasil), 2009
Vacilantes rostos do passado
António Lobo Antunes
Vacilantes rostos do passado: os meus avós, os meus tios, a minha bisavó, já tontinha, um militar com as tripas nas mãos a olhar-me na picada, numa atitude de oferta. Silenciosos verões, a serra da Estrela que continua a fazer-me sonhar, o céu da noite sobre as ramadas dos pinheiros. Cheiros da Beira Alta que só a mim pertencem, da roupa engomada nas gavetas e o do incenso, na igreja, quando era menino do coro e as flechas de São Sebastião, num altar lateral, me atormentavam. Riscos encarnados a imitarem sangue no corpo de pasta.
A minha embirração por São Luís Gonzaga, possuidor de todas as virtudes que eu não tinha: obediência aos pais, bom aluno, simpático até ao enjoo e, segundo a pagela, esmoler. Ainda hoje a palavra esmoler me provoca uma reacção no género da que me transtorna quando uma faca raspa o fundo de um prato ou o giz, na escola, guinchava na ardósia. Esmoler não lembra ao diabo mas lembrou ao biógrafo de São Luís Gonzaga, que devia ter sido fuzilado no berço antes de ter tempo de crescer e escrever aquilo. O problema das crianças é que se tornam adultos: os gatos, por exemplo, são sempre gatos, que alívio. E os cavalos de carrossel não mudam nunca. Saudades do carrossel em forma de oito:
- Viaje no oito que viaja melhor
berrava o altifalante, e atrás do microfone um homem gordo, de bexigas, a piscar o olho às pequenas jeitosas enquanto limpava o suor das bochechas com um lenço gigantesco, esse não um vacilante rosto do passado, uma cara pavorosamente nítida, de anel do tamanho de uma algema no dedo. Silenciosos verões durante o dia, os insectos do crepúsculo contra a lanterna do alpendre, asas queimadas crepitando. O sorriso do meu avô surdo que poisava em nós sem nos tocar e se ausentava num abismo de mudez. O bolso do casaco dele cheio de palitos que não sei para que lhe serviam, não os punha na boca. Depois de morrer o casaco, de linho branco, permaneceu que tempos no cabide. Era bonito e triste, de uma melancolia amável. Não me ligava nenhuma, dava ideia de não ligar a ninguém. Sorria apenas. Vacilantes rostos ou sombras? Isto parece a introdução do Fausto de Goethe, vou mudar a agulha. Lembro-me da minha mãe cantar, lembro-me de parecer nossa irmã, lembro-me de eu a querer escrever. Com cinco ou seis anos copiava coisas dos jornais e considerava-as minhas. Fazia versos. Por volta dos treze anos comecei a entender que não tinha talento e seguiram-se séculos e séculos de prosa. Na altura ainda fazia essas diferenças. As prosas eram, evidentemente, horríveis, tinha consciência disso, mas tinha também a certeza inabalável, de cimento, que iria fazer o que nunca, antes de mim, se fizera.
É esquisito que ainda hoje não pasme com a minha convicção de garoto. Como Bocage ao acabar de dizer um poema:
- Isto é meu, isto não morre.
Pois, mas morreu ele. Claro que nessa altura não me preocupava o que preocupava Balzac e ainda me preocupa hoje: a forma interna, as possibilidades internas do material, a administração das palavras no interior do texto, mas não vou aborrecer as pessoas com problemas técnicos. Quero que o canalizador me ponha a torneira a funcionar, não me interessa como o faz. E a maior parte dos leitores exigem resultados, o meio de os atingir é-lhes indiferente, enquanto a mim, por dever de ofício, o que me atrai num livro é desmontá-lo, ver o por dentro, os parafusos, as rodas dentadas, os amortecedores
(amortecedores é fundamental)
as bielas, a tralha escondida que põe a funcionar tudo aquilo. Quando John Cheever escreve "numa boa página de prosa ouve-se chover" a questão é como se chegou a isso, que milagres não há. De que maneira treinar a cabeça e a mão, apagar da memória tudo o que não faz parte do livro, aprender, até a tornar instintiva, a fazer a triagem do que nos irá servir e jogar fora resto. Que longo caminho até chegar aqui. E, ao mesmo tempo, a sensação de que estamos sempre a começar. Queridos, vacilantes rostos do passado. Daqui a nada eu, passado igualmente, na memória dos outros:
- Como era o António, que não me recordo bem?
Casaco e palitos não tinha, sorriso pouco, quase não falava. Sujeitava-se mal à ordem das coisas. Tentou, a vida inteira, conseguir vários níveis de emoção em cada frase e concentrar num nada o mundo todo. O resto considerava-o inútil. Um dia morreu. Deixou parágrafos. Na esperança que as asas queimadas dos insectos do crepúsculo contra a lanterna do alpendre crepitem não um segundo mas a eternidade inteira. Na esperança, não. Seguro disso, enquanto o céu da noite continuará sobre as ramadas dos pinheiros, no lugar onde foi mais feliz.
© António Lobo Antunes
Enviado por Mariana Ianelli
Pintura
Lucian Freud - Auto-retrato com o olho machucado - Pintura / Óleo sobre tela (Londres Inglaterra UK), circa 1970
Así va
Rosa Montero
Cuando Lisboa fue destruida por un terremoto en 1755, la Iglesia católica dictaminó que era un justo castigo de Dios (¿les recuerda algo semejante derroche de compasión?). Y la obvia insensatez de esa afirmación cruel (habían muerto miles de inocentes, niños incluidos, en un país además especialmente religioso) creó una conmoción mundial y una reacción aconfesional encabezada por Voltaire. Aquel seísmo fue el comienzo de la muerte de los dioses.
Han pasado 250 años de aquello, pero la Iglesia sigue diciendo cosas igual de insensatas e insensibles. Las crudas palabras del obispo Munilla (que la pobreza espiritual de España es un mal mayor que la tragedia de Haití) también han provocado un sonoro escándalo. Para peor, en vez de pedir excusas, el prelado se justificó diciendo que hablaba a "nivel teológico", con lo cual solidificó su error de expresión y lo convirtió en lo que sin duda es: pura y berroqueña ideología. Ah, sí, seguro que hablaba teológicamente.
Sólo hundido a ciegas en el dogma puede uno tener una percepción tan deformada de la realidad y creer que la tibieza católica de los españoles es peor que el atroz sufrimiento de los haitianos y que el pavoroso colapso de un país entero: un abismo en la Tierra.
Es la teología como sinónimo del fanatismo.
Si Munilla quería hacer una reflexión moral, podría haber hablado de que el horror de ahora es una consecuencia del horror de antes. Haití, ya se sabe, es uno de los países más míseros, corruptos y desesperados del planeta; la esperanza de vida no llega a los 52 años y sólo uno de cada 50 ciudadanos recibe salario. Eso sí que es pobreza espiritual; quiero decir que algo funciona muy mal en un mundo que permite la existencia de estos infiernos. Pero, ya ven, a Munilla y Cía. sólo parece interesarles lo teológico.
Así va la Iglesia: matando ella sola a Dios con sus torpezas.
Rosa Montero
Imagem: Gilberto Perin - Pés sobre pedra - Fotografia, 2009
Publicado pela Fundação José Saramago