Domingo, 01.11.09

Novo Livro de Aldyr Garcia Schlee

LANÇAMENTO

 

Os limites do impossível
 
 
A 24 de junho de 1935, Carlos Gardel morreu carbonizado, vítima de um misterioso e até hoje inexplicado desastre aéreo ocorrido dez minutos depois das quinze horas daquele dia, no aeroporto de Medellín, na Colômbia.
 
Só um passageiro sobreviveu ileso ao trágico acidente: foi um tal Flynn, que no momento da decolagem sentara-se junto à porta ainda destrancada do trimotor F-31 onde estava Gardel; e, vendo que o seu avião se projetava sobre outro, parado na pista, surpreendentemente atirou-se da aeronave em movimento, conseguindo escapar com vida.
 
Isso foi presenciado pelas pessoas que estavam no aeródromo e que, aterrorizadas, quase no mesmo instante viram o pavoroso choque, o estatelar-se dos aviões; ouviram o estrondear, a explosão espantosa; e já não puderam se aproximar do fogo, do aterrador fogaréu que se seguiu − queimando e queimando tudo lentamente, irremediavelmente, até que se dissipasse a fumaça, até que se pudessem ver os cadáveres calcinados espalhados pelo chão, enquanto prevalecia no ar o cheiro, o repulsivo cheiro dos queimados, o horripilante cheiro de carne humana torrada pelas labaredas.
 
De Carlos Gardel sobrariam uns dois ou três mínimos objetos; algumas moedas de ouro; e, apenas chamuscado, o seu passaporte, com a indicação do nome do cantor e a seguinte anotação:
 
Nacido en Tacuarembó
......................... Uruguay
 
Flynn nunca mais foi visto. E jamais se teve uma explicação para o acontecido. 
 
Para o nascimento de Carlos Gardel em Tacuarembó, mais precisamente na Estância Santa Blanca, em Valle Edén, há muitas explicações.
 
Os contos deste livro transitam por algumas dessas explicações − imaginando e inventando como tudo terá acontecido − de forma a alcançar uma realidade ficcional que se proponha verdadeira à percepção do leitor. Assim, qualquer semelhança entre os fatos aqui narrados e algo que tenha realmente ocorrido ou deixado de ocorrer não será apenas mera coincidência:
será a prova de que a realidade muitas vezes vai além dos recursos da ficção, alimentando-se do improvável e do inacreditável para chegar ao impossível − que nossa fantasia, geralmente, não consegue alcançar ou frequentar.
 
Aqui enfrentamos os limites do impossível.
 
 
     
 
 
Os limites do impossível - Contos gardelianos
© Aldyr Garcia Schlee
Livro de contos - 204 páginas - 2009
Capas: imagens fotográficas de Mário Castello
ISBN nº 978-85-62984-00-6

Edições ARdoTEmpo 

 

 

publicado por ardotempo às 23:46 | Comentar | Adicionar

A fumaça azul de um havana diz a paz

Havana para um Infante defunto
 
João Ventura
 
 
Há em Havana uma rua, a 23, que desce para o mar. Talvez, por isso, o troço final que desemboca no Malecón se chame La Rampa. Desci essa rua que mergulha no mar muito antes de alguma vez ter ido a Havana e de ter sentido o aroma achocolatado dos charutos cubanos. Subi-a e desci-a vezes sem conta em Três Tristes Tigres, de Guillermo Cabrera Infante. E, depois, em Havana para um Infante Defunto, espécie de crónica pessoal de uma Havana pobre, carregada de sons, de intersecções. E, a partir daí, desde La Rampa, perdi-me na Havana dos anos cinquenta, no labirinto sonoro de rumbas e son, do rum Bacardi e dos charutos habanos. Uma Havana nocturna, insular, «com os seus cafés ao ar livre, cheios de novidade, e as suas inusitadas orquestras de mulheres que amenizavam os cafés do Paseo del Prado».
 
Quando alguns anos depois visitei a cidade, Havana já não era a Lost City do filme de Andy Garcia, baseado no romance Três Tristes Tigres que ontem, revisitei como quem regressa a uma cidade desaparecida. Ao descer La Rampa, e depois caminhar a pé ao longo do Malecón até ao Centro, num começo de uma noite quente de Verão tropical, amenizada por uma brisa refrescante vinda da vizinha corrente do Golfo, foi ainda a cidade nocturna fundada por Cabrera Infante que atravessei. Ali estava, pelo menos eu via-a assim, a mesma cidade reflectida na patine luminosa dos edifícios recuperados do Centro Histórico. Via-a, ainda, no contacto caloroso das pessoas, na sensualidade imediata dos corpos, no perfume adocicado dos charutos, na música omnipresente nos bares e cafés de Habana Vieja. Reencontrei-a, também, em algum imaginário e em alguma iconografia que moldaram a minha juventude. Paradoxalmente, Cabrera Infante já não veria, se ali estivesse, a mesma Havana que eu via, porque aqueles elementos dispersos que agora eu ia recuperando, pertenciam a uma certa mitografia de uma felicidade talvez mais sentida pelos estrangeiros do que pelos cubanos, à qual juntaria, depois, algumas imagens de uma decadência de charme.
 
Três Tristes Tigres, que Cabrera Infante começou a escrever ainda em Cuba, antes de se exilar, é uma homenagem a uma Havana sem tempo à qual ele não mais regressou, por culpa de um rancor quase irracional que marcou até ao final da sua vida a sua relação com o Estado cubano. Assim se compreenderá a amarga ironia que atravessa os seus livros. Trágica dissidência que o tornou ausente de uma cidade que foi sempre o centro festivo dos seus livros. E, talvez, nem ele nem Havana merecessem esse afastamento, pois cópias clandestinas de Três Tristes Tigres sempre circularam em Cuba, formando gerações de escritores, não obstante a opinião injusta e pouco amável de Cabrera Infante sobre os escritores que não abandonaram a ilha. A ausência preencheu-a Cabrera Infante regressando sempre aos mesmos temas com uma nostalgia feroz: a Havana dos anos quarenta e cinquenta, as mulheres, a música, o cinema.
 
O primeiro sinal de fumo de Cabrera Infante encontrei-o em Três Tristes Tigres: «O charuto [...] aceso é outra fénix: quando parece apagado, morto, a vida do fogo surge entre as suas cinzas». Em Havana, quando fumei o meu primeiro charuto, no bar do Hotel Ambos Mundos, onde viveu Hemingway, juntando assim mais um elemento à tal mitografia da felicidade, ainda não tinha lido o que Cabrera Infante escrevera sobre o prazer de fumar: «Llamo felicidad a sentarme solo en el lobby de un viejo hotel después de una cena tardía, cuando se han apagado las luces de la entrada y solamente se distingue, desde mi cómoda butaca, al portero en su vigilia. Es entonces cuando fumo mi puro en paz, tranquilo en la oscuridad: lo que fue antaño una hoguera, transformado ahora en las ascuas civilizadas que relucen en la noche como el faro del alma».
 
Puro Humo conta a história da relação entre o cinema e o fumo. Porque para Cabrera Infante, sabemo-lo desde Havana para um Infante Defunto, os filmes são feitos de sonhos. Como os puros. Por isso, em Puro Humo viagja-se de Cuba para o cinema, reacendendo na memória do leitor-espectador um certo voyeurismo: um cigarro lânguido nos lábios de Marlene Dietrich, uma beata rude entre o indicador e o polegar de Bogart, o universo opaco de maldade nos clássicos negros como A Dama de Shanghai ou A Sede do Mal. Também outras páginas que exalam o mais puro fumo literário, com referências a Daniel Dafoe, Edgar Poe, Conrad, Stevenson, Dickens, Mallarmé, Lewis Carrol, Conan Doyle, Raymond Chandler, Hemingway, Jack London, Lorca, Lezama Lima… – e J. M. Barrie – autor, talvez, do mais belo título de todos os livros que fumam: My Lady Nicotine. Pura literatura, portanto, que se esfuma e perfuma como um puro fumado em Havana. Como uma paixão consumida.
 
 
 
 
João Ventura - Publicado no blog O leitor sem qualidades

 

publicado por ardotempo às 17:12 | Comentar | Adicionar

Espreitando à frente

Editora dinamiza na web
 
Publicado por VerdesTrigos 
 
 
 
O endereço é o mesmo, mas o conteúdo, quanta diferença! A famosa frase publicitária criada para divulgar um produto para os cabelos também pode ser aplicada ao novo portal da Cosac Naify, inaugurado nesta semana. Isso porque o conteúdo segue sendo disponibilizado no endereço www.cosacnaify.com.br , mas com seu conteúdo totalmente reformulado. Entre as novidades, a editora passou a disponibilizar livros para download.
 
O primeiro livro escolhido é Flores, do mexicano Mario Bellatin, que consentiu que a obra recém-lançada ficasse a disposição de todos. A editora também aposta na maior interatividade oferecendo canais de diálogo com o seu público. Twitter (@cosacnaify), com mais de 2600 seguidores espontâneos, Facebook, com mais de 800 membros e Orkut. No site reformulado, destaca-se ainda a estreia do Blog da Cosac Naify, com um capítulo inédito do livro Guerra e paz, de Tolstói, traduzido por Rubens Figueiredo, disponível para os leitores com um ano de antecedência ao seu lançamento, previsto para novembro de 2010. O blog continuará adiantando trechos de livros selecionados pelos editores, curiosidades sobre a escolha das capas e mais informações quentes sobre os próximos lançamentos da editora.
 
Além disso, a Loja Virtual ganha nova seção voltada para bibliófilos onde são disponibilizados em primeira mão, somente para aquisição online, livros com diferenciais gráficos que se tornaram raridade no mercado.
 
Publicado no Blog Verde Trigos
 

http://www.verdestrigos.org/wordpress/ 

publicado por ardotempo às 13:45 | Comentar | Adicionar

No principado da olimpíada

Em direção à desordem
 
Ferreira Gullar
 
Fabiano Atanásio da Silva, o FB, que comandou a invasão do morro dos Macacos, estava preso e foi beneficiado pelo regime de prisão-albergue, isto é, foi lhe dado o direito de sair do presídio, de dia, para trabalhar, e voltar, à noite, para dormir. Atanásio, a exemplo de dezenas de outros bandidos, saiu e não voltou mais. E a gente se pergunta: se Atanásio foi condenado por ser chefe do tráfico naquela favela, a que trabalho o juiz, que lhe concedeu a prisão albergue, acha que ele iria se dedicar? Coerentemente, o FB foi fazer o trabalho que sempre fez: traficar.
 
 É impossível negar que, em matéria de Justiça, vivemos, no Brasil, uma espécie de comédia: uma cena recente desse pastelão foi a briga entre a Justiça Estadual de São Paulo e a Justiça Federal, cada uma delas atribuindo-se o direito de julgar os ladrões que roubaram duas telas - uma de Portinari e outra de Picasso - do Masp. A Justiça Estadual os condenou, o advogado de defesa recorreu da sentença e o Superior Tribunal de Justiça a anulou, alegando que, como as obras tinham sido tombadas pelo Iphan, órgão federal, caberia à Justiça Federal julgar os ladrões, e mandou soltá-los. Ou seja, enquanto os juízes brigam, os ratos passeiam em cima da mesa.
 
Ainda como parte da comédia nacional, registre-se o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao dar posse ao novo ministro de Assuntos Estratégicos, aquele ministério que já por si é uma piada. Todos sabemos que esse ministério foi entregue ao não menos extravagante Mangabeira Unger, que já se foi, e era conhecido como o "ministro do futuro". Lula, que odeia ler, mas adora discursar, quando abre a boca diz qualquer coisa. Pois vejam o que ele disse, no discurso, confundindo o nome de seu ex-ministro com o do deputado Fernando Gabeira, seu adversário político: "O Gabeira não está aqui, está certamente naquela escola em Chicago...". E, sem se dar conta da confusão que fazia, acrescentou: "O dia em que o companheiro José Alencar e a direção do PRB entraram em meu gabinete para aprovar o nome do companheiro Gabeira para ministro...". Como se não bastasse, ao se dirigir ao novo ministro do futuro, Samuel Guimarães, chamou-o de Mangabeira, e, ao tentar corrigir o erro, piorou, trocando-lhe o nome de Samuel por Salomão... Parece que bebe!
 
 
 
 
 
Criticado pelo presidente do STF devido ao comício-piquenique que fez com Dilma e seus ministros, às margens do São Francisco, Lula respondeu: "Agora eles estão nervosos porque estamos inaugurando obras". Mentira, estavam ali, segundo a própria versão oficial, para "fiscalizar" as obras mas, ainda assim, desde quando é função do presidente da República fiscalizar obras? Apenas pretexto para fazer campanha eleitoral fora do prazo legal. A alegação de que isso está dentro da lei, porque só é proibido inaugurar obras públicas após 31 de julho do ano eleitoral, não significa que se pode fazer campanha eleitoral anos antes daquela data; é um sofisma, que o STF estranhamente engoliu. E Lula ainda teve a desfaçatez de afirmar que estava ali a trabalho (com Dilma e Ciro), comendo churrasco e ouvindo um cantor de forró, por ele contratado. E, com a maior cara-de-pau, afirmou: "É muito fácil assumir a Presidência da República e não fazer nada, porque ninguém nunca fez". Gente, até quando o país vai ter que aturar semelhante megalomania? Ninguém imaginou que um presidente oriundo da classe operária viesse a dar nisso.
 
Conforme a segunda lei da termodinâmica, os sistemas físicos tendem à desordem. A perturbação da ordem de um sistema chama-se entropia, como, por exemplo, os ruídos numa transmissão radiofônica. Isso vale também para outros sistemas, como a sociedade humana, cuja ordem é mantida pelas normas e leis que regem o comportamento de seus integrantes. A sociedade carioca, por exemplo, como sistema social, entrou em processo de entropia desde que, nos anos 70, o tráfico começou a instalar-se nas favelas. Os conflitos armados entre grupos de traficantes e desses com a polícia comprometem a ordem social e põem em risco a vida das pessoas. Essa tendência à desordem pode ser revertida se o governo e a sociedade, juntos, se dispuserem a isso.
 
O prefeito do Rio decidiu promover corridas de Fórmula Indy no aterro do Flamengo, área de lazer que ostenta belos exemplares da mata brasileira, ali plantados por Burle Marx. Vão atormentar os moradores do Flamengo e envenenar a fauna e a flora do parque, embora exista na cidade um autódromo. Sai um imperador entra outro!
 

©  Ferreira Gullar

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publicado por ardotempo às 13:25 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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