Sábado, 03.10.09

A mão direita quebrada

 

 

Mão direita

 

 

Couraça de gesso

Fragmentos da granada interna

As estrelas de Man Ray

Cirurgia de urgência

Anestesia geral

Três pinos cruzados

Seis semanas em fermata

Livro em cinco sinistros mais um destro

Abraços ao terrorista

Série dos desenhos da mão quebrada

Tinta china, canivete, dedos negros

O anel de ouro de Gardel

O controle remoto da TV

Lírios brancos 

Borboleta de aço polido

Saudades do paraíso

 

publicado por ardotempo às 22:16 | Comentar | Adicionar

Traduções

O que se perde na tradução
 
José Mário Silva
 
 
"Poesia é o que se perde na tradução", escreveu Robert Frost. E perde-se sempre muito, mesmo nos casos em que o tradutor domina bem as duas línguas (a de partida e a de chegada), mesmo nos casos em que o tradutor é, ele próprio, um poeta. Impunha-se, por isso, instituir uma lei: todos os livros de poesia traduzidos devem ser bilingues. Isto para que o leitor possa em qualquer momento recorrer ao original e reencontrar a tal matéria perdida de que falava Frost.
 
Vem isto a propósito do livro de John Updike que a Civilização acaba de publicar, Ponto Último e outros poemas, bem traduzido por Ana Luísa Amaral (especialista em literatura norte-americana e autora de poesia), mas que tem a pecha de não ser bilingue e por isso não permitir o confronto com os textos originais. Embora o trabalho de Ana Luísa Amaral seja meritório, é evidente que há particularidades e subtilezas da escrita de Updike que desaparecem completamente na versão portuguesa. Era o acesso imediato a essas particularidades e subtilezas que não devia ser negado ao leitor.
 
Veja-se, por exemplo, como traduziu Amaral os dois primeiros versos
do poema A Lightened Life:
 
Uma vida mais leve:
as últimas provas do romance
expedidas – a revisão final,
para trás, para a frente,
 
No original, os mesmos versos são assim:
 
A lightened life:
last novel proofs FedExed —
the final go-through,
back and forthing,
 
Para começar, parece-me que «last novel proofs» não são «as últimas provas do romance», mas sim as provas do último romance, do romance final, daquele a que não se seguirá nenhum outro (este poema, como quase todos os outros, é marcado pelo sentido do fim, da morte que se aproxima). E depois, como traduzir «FedExed»? Difícil. As provas foram expedidas, de facto, mas não apenas expedidas.
 
Foram expedidas pela FedEx, uma empresa americana que os leitores americanos conhecem bem. «Expedidas» faz pensar em estação dos correios; «FedExed» faz pensar num funcionário a bater à porta de casa do Sr. Updike e a levar o pacote das provas numa carrinha branca com letras roxas e cor-de-laranja.
 
Talvez não houvesse forma de passar decentemente aquele «FedExed» para português, mas se o livro fosse bilingue podíamos pelo menos intuir a urgência do verbo usado por Updike (a FedEx é uma empresa de entregas rápidas) e que o verbo português escolhido claramente não evoca.
 

© José Mário Silva – Publicado no blog Bibliotecário de Babel 

tags:
publicado por ardotempo às 21:21 | Comentar | Adicionar

Fronteira Sul - Imagens e Texto

FRONTEIRA SUL
 
Aldyr Garcia Schlee
 
 
Nasci no lado brasileiro do Jaguarão, mais precisamente no lado de cá do rio, na cidade de Jaguarão, diante da cidade uruguaia de Rio Branco, que fica do lado de lá.
 
Isso me fez definitivamente fronteiriço; e me impôs a necessidade, desde pequeno, de alimentar muitas dúvidas e de enfrentar grandes perplexidades. Por que haveria de ser assim?
 
Por que aqueles dois mundos tão próximos e tão separados, apesar da majestosa ponte que os unia e das falas diferentes que os distinguiam? Como explicar tudo aquilo, que poderia ser tão simples e tão igual, sendo tudo a mesma gente, sem a linha divisória, numa terra só?
 
Aprendi, então, a olhar para o outro como quem se vê num espelho. E descobri que, na fronteira, nós não somos nós, apenas; somos nosotros, nós outros, nos outros. E percebo que  essa é a grande lição da fronteira, justificando todos os seus mistérios e toda a sua magia.
 
Na fronteira há permanentemente o outro lado. Que é também, por consequência, o outro lado de tudo, de todos, de todas as coisas, sempre a nos desafiar — porque nada se explica sem ele: o outro lado oferece-nos o balanço dialético do que é e do que não é, do que pode ser e do que não pode ser, alimentando pelo avesso nossos sonhos, nossas ilusões e nossas esperanças, sem que deixemos de encarar a contra-pelo a realidade, e sem que precisemos dispensar nela o mágico e o misterioso, que são sua imponderável graça, sua atração irresistível e sua reafirmada diferença em relação aos outros espaços do mundo (afinal, a fronteira não é fronteira se não for um espaço fronteiro, um espaço que ao mesmo tempo é a soma de dois que se confrontam sobre uma linha que os divide e separa).
 
Que magia, que mistério, na fronteira.
Que tipos, que figuras, que lugares!

Que paisagens!
Que paisagens, as da Fronteira Sul.
 
É o que me ocorre dizer (e escrever, entusiasmado) diante das extraordinárias imagens fronteiriças captadas pela lente privilegiada de Leopoldo Plentz, em que ele nos coloca muito emblemática e sugestivamente do outro lado do que retrata, impondo-nos mágica e misteriosamente, com o domínio de sua técnica e de sua arte, o verdadeiro sentido misterioso e mágico da fronteira.
 

© Aldyr Garcia Schlee 

 

FRONTEIRA SUL 

Fotografias de Leopoldo Plentz

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

© Fotografias de Leopoldo Plentz

publicado por ardotempo às 20:51 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

Pesquisar

 

Outubro 2009

D
S
T
Q
Q
S
S
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
21
23
26

Posts recentes

Arquivos

tags

Links