Lalo Cura, La Locura
«Por aqueles dias Pedro Negrete viajou até Villaviciosa para arranjar um homem de confiança para o seu compadre Pedro Rengifo. Viu vários jovens. Estudou-os, fez-lhes algumas perguntas. Perguntou-lhes se sabiam disparar. Perguntou-lhes se poderia depositar a sua confiança neles. Perguntou-lhes se queriam ganhar dinheiro. Há muito tempo que não ia a Villaviciosa e a povoação pareceu-lhe igual à última vez. Casas baixas, de adobe, com pequenos quintais à frente. Só dois bares e uma mercearia. Para leste as ramificações de uma serra que parecia afastar-se e aproximar-se, conforme a deslocação do Sol e das sombras. Quando já tinha escolhido um jovem, mandou chamar Epifanio e perguntou-lhe à parte o que é que lhe parecia. Qual deles é, chefe? O mais novinho, disse Negrete. Epifanio olhou para ele de passagem e depois olhou para os outros, e antes de voltar para o carro disse que não estava mal, mas quem sabe.
(…) Negrete chamou o rapaz e disse-lhe que o tinha escolhido a ele. O rapaz olhou para Negrete e depois para o chão, como se estivesse a pensar no que lhe ia responder, mas de repente mudou de ideia, nada disse e partiu.
Quando Negrete saiu do bar encontrou o rapaz e Epifanio a conversarem apoiados no guarda-lamas do carro.
O rapaz sentou-se ao seu lado, na parte de trás. Epifanio sentou-se ao volante. Quando deixaram as ruas de terra batida de Villaviciosa e o carro rodava pelo deserto, o chefe da polícia perguntou-lhe como se chamava ele. Olegario Cura Expósito, respondeu o rapaz. Olegario Cura Expósito, repetiu Negrete, olhando para as estrelas, curioso nome. Durante algum tempo ficaram em silêncio. Epifanio tentou sintonizar uma emissora de Santa Teresa mas não conseguiu e desligou o rádio. Através da janela o chefe da polícia avistou, a muitos quilómetros de distância, o brilho de um raio. Naquele momento o carro deu um solavanco e Epifanio travou e saiu para ver o que é que ele tinha atropelado. O chefe da polícia viu-o desaparecer na estrada e depois viu a luz da lanterna de Epifanio. Abriu a janela e perguntou-lhe o que é que se passava. Ouviram um tiro.
O chefe abriu a porta e baixou-se. Deu uns quantos passos para desentorpecer as pernas, até que a figura de Epifanio apareceu sem pressas. Matei um lobo, disse ele. Vamos vê-lo, disse o chefe da polícia, e os dois voltaram a penetrar na escuridão. Na estrada não havia sinal de faróis de qualquer carro. O ar era seco embora às vezes viessem rajadas de vento salgado, como se antes de se estender no deserto esse ar tivesse limpado a superfície de uma salina. O rapaz olhou para o tabliê iluminado do carro e levou as mãos à cara. A alguns metros dali o chefe da polícia ordenou a Epifanio que lhe passasse a lanterna e focou o corpo do animal estendido na estrada. Não é um lobo, pá, disse o chefe da polícia. Ah, não? Olha para o pêlo dele, o do lobo é mais luzidio, mais brilhante, além de que não são tão parvos que se deixem atropelar por um carro no meio de uma estrada deserta. Vamos lá ver, vamos medi-lo, segura na lanterna. Epifanio focou a luz no animal enquanto o chefe da polícia o esticava e procedia à medição a olho. O coiote, disse, mede de setenta a noventa centímetros, contando com a cabeça, quantos dirás tu que este mede? Uns oitenta?, disse Epifanio. Correcto, disse o chefe da polícia. E acrescentou: o coiote pesa entre os dez e os dezasseis quilos. Passa-me a lanterna e levanta-o, não te vai morder. Epifanio pegou no animal morto ao colo. Quanto achas tu que pesa? Pois entre doze e quinze quilos, respondeu Epifanio, como um coiote. É mesmo um coiote, meu parvo, disse o chefe da polícia.
(…) Quando, em El Altillo, apareceram as primeiras luzes de Santa Teresa, o chefe da polícia quebrou o silêncio em que tinham mergulhado os três. Olegario Cura Expósito, chamou. Sim, senhor, respondeu o rapaz.
E os teus amigos como te chamam?
Lalo, disse o rapaz.
Lalo? Sim, senhor.
Ouviste, Epifanio?
Ouvi, disse Epifanio, que não conseguia deixar de pensar no coiote.
Lalo Cura?, perguntou o chefe da polícia.
Sim, senhor, confirmou o rapaz.
É uma brincadeira, não é?
Não, senhor, é assim que me chamam os meus amigos, disse o rapaz.
Ouviste Epifanio?, perguntou o chefe da polícia.
Claro que sim, ouvi, disse Epifanio.
Chama-se Lalo Cura, disse o chefe da polícia, e desatou a rir.
Lalo Cura, La Locura, topas?
Sim, sim, é claro, disse Epifanio, e também desatou a rir. Pouco depois os três puseram-se rir.»
[in 2666, de Roberto Bolaño, trad. de Cristina Rodriguez e Artur Guerra, Quetzal, 2009]
Pintura de Siron Franco, óleo sobre papel em fibra 100% algodão - 1999
Publicado no blog Bibliotecário de Babel