Novo elogio da loucura

Os títulos dos livros são diversos do original em espanhol:

 

Nuevo elogio de la locura

 

Alberto Manguel

 

No Brasil: À mesa com o Chapeleiro Maluco

              Ensaios sobre corvos e escrivaninhas

 

Em Portugal: No Bosque do Espelho

                  Uma viagem fantástica ao mundo dos livros

 

 

 

 
Foi em 1996, com Uma História da Leitura, que Alberto Manguel (n. 1948) chamou a atenção de toda a gente. Nessa época já ele era um autor canadiano. Na vasta bibliografia, só o livro inaugural foi escrito na língua materna: Dicionário de Lugares Imaginários (1980), obra de que é co-autor com Gianni Guadalupi. A partir daí escreveu sempre em inglês. Manguel nasceu em Buenos Aires, mas passou a infância e parte da adolescência em Israel, onde o pai era embaixador. Voltou à Argentina para completar o ensino secundário, tornou-se íntimo de Jorge Luís Borges, viajou por todo o mundo antes de fixar-se no Canadá nos anos 1980, mas, não obstante a cidadania canadiana, vive actualmente em França. Manguel goza de uma fama notoriamente excessiva (a lista de prémios internacionais é impressionante). Embora tenha escrito romances e contos, alguns de natureza gay, e organizado antologias de diversa índole, é como ensaísta que se destaca. Os anos em que lia para Borges, já então cego, foram um bom tirocínio.
 
No Bosque do Espelho (À mesa com o Chapeleiro Maluco - Companhia das Letras / Brasil - AT) toma como ponto de partida a obra-prima de Lewis Carroll, adoptando como divisa o mot de Heraclito: "Nunca mergulhas no mesmo livro duas vezes". Trata-se de uma colectânea de ensaios de muito diversa proveniência: artigos encomendados, textos para cursos de jornalismo das artes, conferências, recensões críticas, antologias gay, introduções e posfácios. Manguel estabece um fio condutor entre textos de Borges, Cortázar, Chesterton, Melville, Cynthia Ozick, Santo Agostinho e outros. Do ponto de vista da erudição e do ofício, tem a perfeição do amanuense culto. Mas raramente nos surpreende com um golpe de asa.
 
Uma das excepções é a sanha com que “desmonta” Bret Easton Ellis a partir de Psicopata Americano (1991). A parte do anedotário é conhecida: depois de ter pago um adiantamento avultado a Ellis, e ter o livro impresso, a Simon & Schuster desistiu de o pôr à venda por causa da violência do conteúdo; saiu, como é sabido, sob chancela da Vintage Contemporaries da Random House. Mas Manguel aproveita para aliviar o fígado: «A primeira linha do livro é o lema de Dante para as portas do Inferno [...] De facto, tudo está montado de modo a levar o leitor a crer que a história que se segue é, de facto, de natureza literária: contemporâneo e irónico [...] moderno [...] sério e filosófico. As 128 páginas que se seguem (a primeira cena brutal começa na página 129) são agonizantes para qualquer pessoa que não esteja habituada a ler publicidade de moda. [...] Não é escrita; é um desfile de palavras com o propósito de fazer um catálogo.» E não poupa nos adjectivos: os relatos são «grotescos», a prosa «desajeitada», o estilo «débil» e o vocabulário «magro». Tudo por contraponto com Ovídio, Dante, Novalis, Sade, Kafka e Dostoievsky. Convenhamos na desproporção.
 
O ensaio dedicado a Cynthia Ozick é dos mais estimulantes. A partir das leituras que Ozick fez de Primo Levi, Manguel reflecte sobre a condição judaica, ameaçada pela «galáxia canibal da cultura cristã». Faz isso com argúcia e desenvoltura, sobretudo quando contrapõe os conceitos de raiva e misericórdia que, na perspectiva de Ozick, Levi relacionava com autodestruição.
 
A afirmação de que, «até à década de 1960, o Canadá mal reconhecia a existência da literatura canadiana» é completamente inesperada. Creditando esse reconhecimento à teimosia e perseverança de alguns editores, bem como à projecção da obra de Margaret Atwood — que classifica com paternalismo —, Manguel reserva os elogios para Richard Outram (1930-2005), «um dos melhores poetas em língua inglesa».
 
Tudo visto, parece-me fútil, para não lhe chamar pedante, ter alinhado os textos sob o enigmático patrocíno de Alice no País das Maravilhas. Mesmo nos ensaios sobre Borges, porventura aqueles em que está mais à-vontade, Carroll é uma fasquia muito alta para este argentino déraciné.
 
Eduardo Pitta - Publicado no Blog Da Literatura

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publicado por ardotempo às 19:40 | Comentar | Adicionar