Sábado, 01.08.09

Número sete

Fotografia

 

 

 

 

Itaci Batista - Número sete - Fotografia (São Paulo SP Brasil), 2009

publicado por ardotempo às 21:44 | Comentar | Adicionar

Mentiras

Uma boa mentira
 
Leonel Moura
 
Existem muitos casos de animais artistas. O mais antigo que se conhece data de 1806 quando Hokusai, criador da famosa xilogravura “Grande Onda de Kanagawa”, mergulhou as patas de um galo em tinta vermelha e fê-lo andar por uma folha de papel, depois acrescentou uns traços a azul e chamou-lhe “Folhas à deriva no rio Tatsuta”. Nos anos 20 Nadezhda Ladygina-Kohts fez várias experiências com chimpanzés pintores. Nos anos 40 os laboratórios de Yerkes testaram as capacidades de composição. Quando se dava uma folha de papel com marcas em três dos cantos eles punham uma marca no quarto canto. Segundo Morris, a pintura é uma actividade calmante para estes símios.
 
Salvador Dali dizia que a mão do chimpanzé é quase humana e a mão de Pollock é quase animal.
– “Também há quem pinte com larvas mergulhadas em pigmento.”
 
– Com elefantes, gatos, ramos de árvore que abanam ao vento. O pintor francês Roland Dorgelès fez umas pinturas mergulhando a cauda de um burro em tinta que depois assinava com o nome de Boronali. Uma desla, “Pôr-do-sol sobre o Adriático” exposta no Salão dos Independentes em 1910, é famosa. Uma pintura pode ser feita de qualquer maneira, pouco importa. Como provocação, como ruptura, como inovação.
 
André Masson passava fome e drogava-se para perder a consciência do que fazia.
– “E o Pollock apanhava grandes bebedeiras para ser mais espontâneo.”
 
Há também o caso dos artistas inventados. O Centro Reina Sofia dedicou recentemente uma exposição ao pintor cubista Jusep Torres Campalans, companheiro de Braque e Picasso que nutria uma peculiar antipatia para com Juan Gris. Afinal este artista nunca existiu, foi uma criação do escritor Max Aub que, de modo a dar maior veracidade à farsa, pintou ele mesmo, com a ajuda de um sobrinho menor, mais de uma centena de obras assinadas por Campalans. Aub escreveu uma biografia do inexistente pintor, onde para além de uma rigorosa cronologia e relatos de vida, não faltaram algumas fotografias. Uma delas mostra Jusep ao lado de Picasso.
 
 
Qualquer idiota consegue dizer a verdade, mas é preciso talento para saber contar uma boa mentira, dizia o escritor Samuel Butler.
 
Imagem: Aquarela de Jusep Torres Campalans (por Max Aub)
 
Publicado no blog Bibliotecário de Babel
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publicado por ardotempo às 21:27 | Comentar | Adicionar

De volta ao paraíso

Mariana Ianelli

 

De volta ao paraiso
 
 
…Basta um livro, apenas um, para desencadear a interminável trama de encontros que ao longo do tempo vai desenhando a frondosa genealogia desta nossa outra família, que, se de nosso não tem o mesmo sobrenome, tem todos os nomes possíveis, todas as variantes de um mais profundo parentesco de espírito.
 
Bem pode ser esta a nossa mítica árvore da imortalidade, bem guardada por uma espada de fogo. E basta um fruto, apenas um, para cairmos na perdição do encantamento. Não por acaso Borges imaginava que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca, nem por acaso Saramago reúne seus autores diletos no que ele chama de sua “família de espírito”. É assim que nos rebatizamos, que elegemos parentes de coração, com quem nos reunimos por vontade própria, num silencioso (e nem sempre pacífico) convívio. E cada autor que amamos chama para a roda os seus amigos. Rilke chama Marina Tsvetáieva, Marina chama Anna Akhmátova, Anna nos leva a Ossip Mandelstam. E ainda há vínculos menos evidentes, subjacentes aos enredos da palavra, que, se nos vale descobrir, mais ainda vale imaginar, por exemplo, a gênese do Ensaio sobre a cegueira de Saramago latente no Sermão da Quinta Quarta-Feira da Quaresma, de Antonio Vieira. Um livro dentro de outro, um mundo se desdobrando em outro.
 
Entramos na mágica Jesusalém de Mia Couto e ali encontramos Hilda Hilst, Adélia Prado, Alejandra Pizarnik, Sophia de Mello Andresen. Entramos no lirismo de Hilda e somos transportados à poesia de Catulo. Assim vamos e voltamos no tempo, varamos os séculos, ignoramos as empedernidas fronteiras do espaço e traçamos nós mesmos a extensão da nossa terra natal, conforme o nosso mapa de afinidades e a bússola das nossas intuições. E tão generosa pode ser a paixão da leitura que por ela também experimentamos a delícia dos amores casuais.
 
Um livro que nos chega sem saber de onde, quem sabe do topo de uma pilha sem sentido, num balcão da livraria, como me aconteceu uma vez encontrar, em edição portuguesa, Uma mulher e Um lugar ao sol, de Annie Ernaux, cuja leitura, antes de me dirigir aonde quer que fosse, plantou-me na própria vida, num momento de luto. E, no meio dessa cartografia fantástica, vamos também de um livro a outras artes, como me aconteceu com a memorável descoberta de O direito de sonhar, de Bachelard, que me fez viajar pelas oníricas telas de Marc Chagall inspiradas na Bíblia. Eis que, lançando pontes, campeando distâncias, cruzando caminhos, aí chegamos ao livro dos livros, ao jardim primeiro, ao fruto dos frutos…
 
© Mariana Ianelli

Publicado no blog Tabacaria - Seção Ler faz crescer 

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publicado por ardotempo às 21:01 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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