Sábado, 18.07.09

Bastidores, de João Fahrion

 Pintura

 

 

 

Bastidores - João Fahrion - Pintura - Óleo sobre tela (Porto Alegre RS Brasil), 1951

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publicado por ardotempo às 18:11 | Comentar | Adicionar

A paleta mineral

As cores da terra

 
José Saramago
 
As mãos, quando trabalham a terra, confundem-se com ela. Há pintores que se acercam à superfície do suporte com as mãos manchadas das cores da terra. Há pintores que não podem nem nunca quereriam esquecer as cores da terra quando se preparam para pintar um rosto, um corpo despido, o brilho de um cristal, ou nada mais que duas rosas brancas numa jarra. A luz também existe para esses pintores, mas apreendem-na como se ela lhes tivesse subido do interior da terra obscura.
 
Ao distribuí-la na tela, ou no papel, ou numa parede, o que eles fazem aparecer são os tons surdos e quentes dos barros, os negrumes do húmus, o pardo das raízes, o sangue do almagre. Pintam o humano e a sua contingência com as cores da terra porque essas é que são as cores fundamentais, não as outras.
 
De um retrato que tenha sido pintado pelas cores da terra (como os pintava Cézanne) nunca se diga que está parecido, diga-se, sim, que é idêntico, idêntico ao original, idêntico na sua última substância: neste caso, a maior ou menor semelhança que seja capaz de oferecer-nos será o que menos deva importar. Uma figura pintada com as cores da terra terá sempre no rosto a inteireza áspera do sílex, nos cabelos os redemoinhos que o vento desenha e move nas searas, e as mãos aparecer-nos-ão como se tivessem acabado de erguer do chão os seus frutos mais profundos. As cores, todas as cores, as da terra e as do ar, sempre procuraram as formas de que precisavam para serem percebidas mais além da sua primeira manifestação. As cores foram sempre o que desafiou ou conteve o ímpeto contraditório que se encontra implícito nas formas, campo eterno de um conflito entre as agitações caóticas da rebeldia e as passividades da submissão ao costume.
 
Tudo isto será certamente menos perceptível nas pinturas que, havendo-se proposto como miméticas transposições do “real” aparente, aspiram, acima de tudo, a ser “reconhecidas”, “identificadas”, “classificadas”, porém, essas, mais tarde ou mais cedo, acabam por ser presas da acção desgastadora de um olhar que pouco a pouco as vai “neutralizando”. Pelo contrário, ao defender-se de formas facilmente identificáveis com as representações comuns da realidade circundante, a arte abstracta, quer directa, quer de opção tendencial, “resguarda” e “liberta”, em princípio, a independência relativa da cor, não a “estrangula” no aperto constringente de configurações mais ou menos previsíveis ou de modelos social e consensualmente correctos.
 
Não foi por mera casualidade que utilizei a palavra “tendencial” como característica de uma certa prática pictórica que, apesar de instalada sem equívocos naquilo que, generalizando demasiado, chamamos arte abstracta, se recusa a cortar completamente as pontes com o mundo dos signos e dos símbolos, quer arquetípicos, quer modernos.
 
Ela brotou espontaneamente no meu espírito enquanto contemplava, de olhos deslumbrados e tomado por uma emoção poucas vezes experimentada antes, as pinturas murais com que Jesús Mateo cobria as paredes frias da igreja de San Juan Bautista de Alarcón. Era Jesús Mateo um pintor abstracto “tendencialmente” realista? Ou, pelo contrário, um pintor realista “tendencialmente” abstracto?
 
E essas pontes de ligação a que acima fiz referência seriam somente praticáveis para comunicar a arte “abstracta”com os signos e os símbolos gerados nas diversas indagações de que a realidade tem sido objecto, ou existiriam igualmente para comunicar a arte “realista” com um universo de abstracções em contínua expansão? Pensei então que Jesús Mateo, ao mesmo tempo que se havia libertado das ataduras condicionadoras de um realismo estrito para se entregar a um trabalho sobre formas também elas “tendencialmente” livres, embora em meu entender acatando sempre a lógica cromática, havia logrado, graças à introdução inteligente e criteriosamente medida de signos e símbolos sem custo identificáveis, fundir em uma expressão única, e quase diria uníssona, como um coro a plenas vozes simultâneas, como um políptico perspectivamente reunido em um só ponto de fuga, as enormes paredes que subiam do chão arrastando consigo toda as cores surdas da terra para ir ao encontro das cores luminosas do ar. Perante o ciclópico assombro, conceitos como abstraccionismo e realismo perdem algo do seu significado autónomo corrente, tornam-se mão esquerda e mão direita modelando em harmonia o mesmo barro.
 
Não sei se a igreja de San Juan Bautista de Alarcón virá a ser olhada como a Capela Sixtina do nosso tempo, mas sei, tanto por ciência que creio certa como por intuição divinatória, que o pintor Jesús Mateo nasceu da mesma árvore genealógica que deu os seus melhores frutos em Hyeronimus Bosch e Brugel, o Velho.
 
Tal como eles, Jesús Mateo explicou o homem. Pelo visível e pelo invisível.
 
© José Saramago - Publicado no blog O Caderno de Saramago
 
 
Auto-retrato, de João Fahrion - Pintura, óleo sobre placa de madeira (Detalhe)
publicado por ardotempo às 17:59 | Comentar | Adicionar

Água engarrafada: isso é bom ou ruim?

Cidade australiana proíbe venda de agua engarrafada
 
Com uma votação quase unânime em uma reunião da comunidade, os moradores da pequena cidade turística australiana Bundanoon iniciaram um debate mundial sobre os efeitos sociais e ambientais da água engarrafada que colocou a indústria de bebidas na defensiva.
 
 
 
Autoridades estaduais e municipais nos EUA vêm diminuindo o uso de água engarrafada em escritórios públicos nos últimos anos, alegando diversas preocupações, dentre elas a energia usada para produzir e transportar as garrafas e o aumento da desconfiança do público na água encanada. Até onde sabem os ativistas, Bundanoon é a primeira cidade no mundo a proibir a venda de água engarrafada.
 
Localizada nas terras altas no sudeste de Sydney, Bundanoon é uma cidade pacata de jardins arrumados e chalés graciosos cercados por casas de campo de cidadãos urbanos ricos. É o típico lugar onde desconhecidos conversam nos bancos do parque ao longo da pitoresca rua principal e as pessoas do lugar deixam flores no memorial de guerra local.
 
De acordo com Huw Kingston, proprietário do Ye Olde Bicycle Shoppe e líder da campanha, a proibição não começou como cruzada ambiental. Começou quando a empresa engarrafadora pediu permissão para extrair milhões de litros de água do aquífero local.
 
A princípio, os moradores não gostaram da ideia de caminhões de água atravessando suas ruas tranquilas. Mas, com o crescimento da oposição, muitos moradores começaram a questionar o próprio conceito de transportar água por caminhão por cerca de 160 km ao norte, para uma engarrafadora em Sydney, para depois ser transportada para outras partes - possivelmente até de volta a Bundanoon - para ser vendida.
 
"Tomamos consciência, enquanto comunidade, do que é essa indústria", disse Kingston. "Então nasceu a questão: se não queremos uma fábrica de extração em nossa cidade, talvez não devêssemos mesmo vender o produto final".
 
Uma dezena de ativistas se reuniu e convocou uma reunião da comunidade. Dos 356 moradores que apareceram para votar com um aceno de mão, apenas um fez objeções.
 
A proibição é inteiramente voluntária. Com o apoio do público, os seis principais comerciantes de alimentos da cidade concordaram em tirar a água engarrafada de suas prateleiras a partir de setembro. Eles planejam recuperar suas perdas vendendo garrafas reutilizáveis e baratas que poderão ser enchidas em fontes e bebedouros que serão distribuídos pela cidade.
 
Alguns dos 2.500 moradores da cidade dizem que apoiam o projeto porque se preocupam com os efeitos dos agentes químicos das garrafas plásticas; alguns veem como demonstração positiva contra a engarrafadora.
 
Uns não acreditam que a prefeitura conseguirá manter as novas fontes, enquanto outros se preocupam com as implicações para a saúde de deixar apenas alternativas açucaradas nas prateleiras das lojas.
 
"Não vejo porque se deve teimar apenas com a água", disse Trevor Fenton, morador aposentado de Bundanoon. "O que eu gostaria era de vê-los se livrarem de todos os refrigerantes, mas eles nunca fariam isso."
 
Os ambientalistas vêm ganhando força na luta contra a água engarrafada. Além das novas restrições de governos estaduais e municipais nos EUA, muitos restaurantes importantes também começaram a substituir água mineral importada por água da bica. Recentemente, um comitê do Congresso norte-americano debateu se não deve aumentar a regulação sobre a indústria da água engarrafada, após revisar dois novos estudos que questionavam se a água engarrafada era mais saudável do que a da bica.
 
A repercussão do assunto irritou a indústria, que envolve quase US$ 60 bilhões (em torno de R$ 120 bilhões) por ano no mundo e cerca de US$ 400 milhões (R$ 800 milhões) por ano na Austrália. Grupos da indústria dizem que é injusto discriminar a água engarrafada quando muitos outros produtos -como fraldas descartáveis e produtos importados, queijo e vinho - têm igual ou maior impacto no meio ambiente.
 
"Precisamos manter o produto em perspectiva", disse Parker. "Há dezenas de milhares de produtos no setor de bens de consumo e há um vasto número com uma pegada de carbono maior do que a água engarrafada."
 
A questão é sensível. No dia da votação em Bundanoon, o governo de New South Wales anunciou que ia parar de comprar água engarrafada, levando o ministro do meio ambiente a instar outros Estados a fazerem o mesmo. As medidas geraram uma enxurrada de editorais nos jornais e em programas de rádio no final de semana em toda a Austrália.
 
Publicado no UOL - Universo On Line
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publicado por ardotempo às 17:38 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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