Eu e o meu plinto
Ivan Lessa
Todos querem saber o que é que eu vou fazer lá em cima do plinto da praça Trafalgar.
Plinto. Nada de muito complicado, basta ir ao novo dicionário Houaiss contendo as obrigações da nova reforma ortográfica brasileira e custando apenas R$ 250.
Plinto é pedestal. Ponto. A praça Trafalgar, ou Trafalgar Square, em bom português, tem bem no meio um plinto com o Almirante Nelson, entre pombos, contemplando o horizonte, enquanto turistas o contemplam e pombos o ultrajam.
Em três outros plintos, três personalidades de renome que ninguém sabe direito quem são, não interessa e não vem ao caso. O quarto plinto, o da quina noroeste, está há alguns anos vazio da silva, já tendo dado margem para muito esquema artístico ou ufanista e, agora, mais uma vez, encontra-se nas garras na comunidade dita criativa.
Antony Gormley, escultor, bolou uma boa. Durante cem dias, 2,4 mil pessoas têm o direito de ficar uma hora lá no alto do plinto fazendo o que bem entender. Contanto que não seja nada de ilegal, claro.
O esquema criativo leva o nome de One & Other (“Um e Outro”). Na segunda-feira de manhã, um guindaste conduziu à sua hora e seu plinto de glória Rachel Wardell, uma dona de casa de 35 anos que, não se sabe direito como, dedicou seus 60 minutos à arrecadação de fundos beneficentes para a Sociedade Protetora de Animais.
Nos próximos três meses de arte pública, as outras 2.399 pessoas, escolhidas sem qualquer critério preestabelecido, darão o melhor de si para os visitantes ao célebre cartão-postal que constitui a praça em questão.
Outra Rachel, esta Elliott, gorduchinha, como mostraram os jornais, se exibirá totalmente despida. Ela tem uma pequena tatuagem em seu braço esquerdo, muitos notaram. Rachel pretende ainda criar algumas contas, pois este é seu passatempo favorito. Logo depois de tirar a roupa, fica subentendido.
Uma senhora lá do norte, de Newcastle, pretende ficar tricotando durante uma hora. Vestida, está claro.Suren Sereneviratne, de 22 anos, estudante, londrina, tem a firme intenção de subverter os cem dias de arte pública ficando, no tempo que lhe cabe, absolutamente imóvel naquelas alturas. Como uma estátua. Não deve ter notado a redundância.
Um cavalheiro do aprazível bairro de Hampstead, no norte de Londres, pretende se vestir metade “Grã-Bretanha Multicultural”, metade quadro da “Fraternidade Pré-Rafaelita”. Difícil visualizá-lo.
Um contador de Newcastle dará um pulo à capital e durante sua hora lerá trechos selecionados da Bíblia. Amém.
E assim por diante.
Amigos, e principalmente inimigos, me aconselham – ainda há tempo – a candidatar-me a um tempinho no plinto. “Vai que é uma boa”, garantem-me. Paro e considero. Não, não é uma boa. Mas se eu tivesse direito a uma hora de plinto, pergunto a mim mesmo, em posição da estátua “O Pensador”, de Rodin, o que faria lá de cima diante de todas aquelas pessoas?
Depois de muito refletir, resolvi a questão: eu botaria terno e gravata, coisa que não faço há 24 anos, e ficaria fazendo minha famosa imitação do escritor José Saramago, de quatro, procurando no chão o par de óculos que acabara de lhe cair do rosto. Arte, além do mais pública, é duro.
Encerro voltando-me, como sempre volto, aos queridos Brasil e Rio de Janeiro. Fiquei sabendo que, desde 2 de julho, obras de arte de sete franceses ocupam a galeria a céu aberto de Copacabana, Ipanema e Leblon.
São responsáveis por 20 painéis de dez metros de altura em dez pontos da orla. Mais uma manifestação, como a da praça londrina, de arte pública. Mas com a picardia que é só nossa e de mais ninguém.
Como o evento ocorre no Rio de Janeiro, Brasil, e os responsáveis pelas obras expostas são todos franceses, qual o nome que escolheram para a ocasião? Claro: “Street Biennale”. Nós somos engraçados. Funny, drôles, divertenti.
Ivan Lessa - Publicado no blog BBC Brasil
Imagem: © Antony Gormley