Domingo, 14.06.09

O mundo é nossa casa

 O milagre da vida (ou O suicídio anunciado)

 

O maravilhoso filme de Yann Arthus-Bertrand sobre a terra e a vida; e sobre a tragédia que se abate (lentamente ?) sobre o meio ambiente e sobre a vida. Será que ainda poderemos mudar esse destino anunciado?

 

 

Veja o filme de Yann Arthus-Bertrand: O mundo é nossa casa

Fotografia de Yann Arthus-Bertrand

publicado por ardotempo às 20:15 | Comentar | Adicionar

O papel do futuro

O raiar da nossa obsolescência
 
Luis Fernando Verissimo
 
Já contei que fui cobrir minha primeira Copa do Mundo em 1986, no México. Aquela em que a França nos eliminou nos pênaltis. Fui como correspondente da revista “Playboy”, o que me valeu dois problemas:
 
1) explicar para quem olhava o meu crachá o que, exatamente, um correspondente da “Playboy” fazia numa Copa do Mundo, onde sexo e mulheres nuas sem dúvida faziam parte mas não eram o assunto principal, e
 
2) como escrever para uma revista mensal sobre um evento que ia se redefinindo quase que dia a dia, obrigado a ter a matéria pronta antes de saber como o evento acabava.
 
Não consegui convencer ninguém que a “Playboy” não é só sexo e mulheres e que eu estava lá para ver futebol com todo o respeito, e tive que fazer uma ginástica estilística para que a matéria da revista tivesse ao menos algum mérito literário, já que não teria nenhum como reportagem. Isso depois de resistir à tentação, que seria desastrosa, de adivinhar o resultado - uma final, claro, com a presença do Brasil - e reportá-lo como acontecido. No fim a matéria falava mais sobre o México do que sobre futebol, mais sobre astecas e melecas e os murais do Orozco em Guadalajara do que sobre Zico, Platini e Maradona. Ou sobre sexo e mulheres nuas.
 
Lembro como tínhamos inveja dos jornalistas europeus e americanos, que já então usavam lap-tops, ou coisa parecida, enquanto nós estávamos condenados a perfurar fitas de telex e esperar vagas em barulhentos aparelhos medievais para transmiti-las. Eu também, pois além da matéria única para a “Playboy” fazia colunas diárias para jornais no Brasil. Enquanto nosso futebol era derrotado em campo nossa imprensa era humilhada pela tecnologia adversária. Em técnica jornalística, os cinturas-duras éramos nós.
 
Na Copa seguinte, no entanto, em Roma, já estávamos empatando. E na última copa ninguém nos humilhou - pelos menos fora de campo. O vexame na Alemanha teve cobertura tecnicamente perfeita da imprensa brasileira, igual a de qualquer super-desenvolvido. Entramos na zona VIP do silencio, e hoje só ouvimos o martelar dos aparelhos de telex em pesadelos. Não tenho a menor idéia de como funciona o uai-fai, nem a menor idéia de como consegui viver por tanto tempo sem ele.
 
 
Mas mal sabíamos nós que, ao ver aqueles primeiros computadores portáteis no México, estávamos vendo o raiar da nossa obsolescência. O que era para ser instrumento do jornalismo impresso está substituindo o jornalismo impresso. As maiores empresas jornalísticas do mundo sentem a competição da Internet e de outros derivados daquelas máquinas primitivas e contemplam um futuro sem papel, ou a morte. A notícia do futuro irá da máquina para a máquina, sem necessidade do jornal como nós o conhecemos, e amamos. Talvez já na Copa de 14.
 
© Luis Fernando Verissimo
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publicado por ardotempo às 18:55 | Comentar | Adicionar

O dinheiro é público, o ingresso é caro

O dinheiro de Caetano Veloso
 
Gilberto Dimenstein
 
 
 
 
Para assisitir neste final de semana ao show "Zii e Zie", de Caetano Veloso, paguei R$ 290 por dois ingressos -as duas horas de espetáculo terão custado mais da metade um salário mínimo ganho por muitos trabalhadores depois de um mês de trabalho. Apesar de as cadeiras, espremidas em torno de uma mesa, ficarem longe do palco e não apreciar gente bebendo ou comendo enquanto ouço música, não reclamo: o show vale o preço. Até me dispus a pagar um pouco mais se encontrasse um lugar melhor. Não tinha.
 
O que me incomodou foi saber que Caetano Veloso tem a chance de receber dinheiro da Lei Rouanet (R$ 2 milhões) para a turnê nacional desse espetáculo, com a interferência direta do ministro da Cultura, Juca Ferreira. Aparentemente, não há nenhuma ilegalidade no patrocínio - aliás, concedido, mais uma vez com a intervenção do ministro, a Maria Bethânia.
 
Nem Caetano nem Maria Bethânia estão fazendo nada de errado; estão seguindo o que a lei permite. Mas esse tipo de fato acaba estimulando o debate, cada vez mais efervescente, sobre a lei de incentivos fiscais para a cultura.
 
É óbvio que Caetano e Maria Bethânia não precisam de dinheiro público para fazer seus shows - assim como também não fez sentido, por exemplo, a verba incentivada para o Cirque de Soleil, cujo ingresso pode chegar até a R$ 490 e a pipoca (e aqui não vai nenhum exagero) custa mais do que o "PF" de um operário.
 
Supostamente, a reforma da lei de incentivo à cultura veio para corrigir essas e outras distorções e desperdícios. Isso não significa que se deva confiar na capacidade gerencial das burocracias públicas.
 
Se todo o dinheiro arrecadado até agora com o incentivo fiscal se transformasse em imposto e ficasse nas mãos só do governo, acabaria, em boa parte, sustentando salários de funcionários -isso se não ficasse preso por alguma restrição orçamentária ou fosse desviado para protegidos políticos. Desapareceram os bilhões de um fundo (Fust) para informatizar as escolas.
 
Se, na cidade de São Paulo, ir a museus virou programa de pobre, como mostra pesquisa do Datafolha, é por causa da lei de incentivos fiscais. Não haveria, por exemplo, um Museu da Língua Portuguesa - nem concertos de música erudita a preço popular.
 
 A melhor contrapartida a esse do benefício fiscal é quando ele se converte em educação pública. É sabido que estímulos culturais como a dança, a música, o teatro, as artes plásticas e o cinema são uma extraordinária isca para o aprendizado -e uma alavanca para desenvolver na criança e no jovem a capacidade de interpretar a realidade. Não deveria, aliás, existir nenhuma separação entre educação e cultura. Não existe pessoa educada sem repertório cultural -e não existe repertório cultural sem educação.
 
Por isso, foi um avanço o acerto entre o governo federal e representantes de empresários para maior aproximação entre as escolas públicas e o chamado "Sistema S", como Sesi ou Sesc. Se está sendo implementado, é algo a ser observado -a minha impressão é de que, por enquanto, a ideia está mais no papel.
 
 Na semana passada, relatório do Unicef mostrou, mais uma vez, a debandada de jovens do ensino médio. Se as escolas tivessem mais conexões culturais, seria menos difícil conter essa evasão.
 
Os incentivos seriam muito bem usados se a contrapartida se traduzisse não apenas em ingressos gratuitos mas também em programas para o envolvimento das escolas, com direito à formação de professor. Se o Caetano Veloso e todas as celebridades artísticas quiserem cobrar até R$ 500 por uma cadeira num de seus shows, sem problema.
 
Mas se quiser ter apoio da Lei Rouanet, ele que apresente um plano de shows públicos ou aulas-espetáculo para estudantes de música. As escolas poderiam transformar esses espetáculos em momentos inesquecíveis na vida dos jovens - e fontes de aprendizado.
 
Um pouco desse espírito transgressor aprendi a apreciar ouvindo Caetano Veloso. Pelo menos quando ele e tantos baianos se mostravam novos e caminhavam contra o vento sem lenço e sem documento.
 
 
 
 
© Gilberto Dimenstein - Publicado na Folha de São Paulo / UOL
publicado por ardotempo às 15:27 | Comentar | Adicionar

O olhar de Deus

Voo cego
 
Ferreira Gullar
 
 
Não se trata de que o que irá acontecer já esteja escrito. Os gregos pensavam assim e, ainda hoje, há quem pense igual: se não é o Destino, é Deus. Mas há quem acredite que coisas acontecem por uma combinação de acaso e necessidade, sendo que o que chamamos de acaso não é mais que uma probabilidade real embora imprevisível. É que a complexa tessitura da existência excede nossa capacidade de abarcá-la e, menos ainda, de prevê-la. Assim, nós, seres humanos, em face da imprevisibilidade da vida, inventamos Deus, que é a Providência, ou seja, aquele que nos protege do imprevisível, do acaso, isto é, da bala perdida.
 
Pois bem, como disse no começo, não se trata de que o que vai ocorrer na viagem de Guto - que neste momento arruma a mala - à Europa esteja escrito. Não está, mas, na intrincada cadeia de probabilidades, dada a ação de tantos fatores que, cegamente, prepararam o futuro, pode a aeronave despencar de 11 mil metros de altura ou simplesmente explodir.
 
Assim, sem de nada saber, fechou a mala, pôs no ombro a sacola e dirigiu-se para o elevador. Atravessou o hall de entrada e caminhou até o táxi. Depois que o chofer guardou-lhe a bagagem no porta-malas, Guto, já acomodado no banco de trás, falou-lhe:
 
- Para o aeroporto Tom Jobim.
 
- Vamos nessa. Quer que ligue o ar refrigerado?
 
- Por enquanto, não.
 
Estavam em Copacabana e o melhor caminho àquela hora era pela avenida Atlântica, mesmo porque Guto preferia ver o mar a sentir-se sufocado em meio a ruas saturadas de tráfego.
O táxi entrou, depois, pela Princesa Isabel, passou pelo Túnel Novo e dirigiu-se para o Aterro do Flamengo. Durante todo esse caminho, ele olhava a cidade com uma sensação estranha, como se despedisse dela. Evitou esse pensamento e voltou-se para a enseada de Botafogo, tranquila naquele fim de tarde. Ao fundo, o Pão de Açúcar erguia-se granítico e eterno, o que lhe fez pensar nas tantas e tantas pessoas que, ao longo do tempo, o viram ali e se foram, enquanto ele continua. Para livrar-se dessas ideias, pegou o celular e ligou para Júlia.
 
- Oi, amor, tudo bem com você?... Ainda estou no táxi, a caminho do aeroporto... Ontem à noite foi bom, não foi?
 
Conversaram ainda um pouco, mas ela estava de saída para a casa da irmã, onde passaria alguns dias.
 
O táxi seguia agora pela Linha Vermelha, como sempre engarrafada àquela hora. Mas tinha tempo suficiente, pois, quando viajava, sempre saía de casa com bastante antecedência para evitar estresse. E com razão, pois quando desceu do carro no aeroporto faltavam ainda duas horas para o embarque. Por isso, sem pressa, ainda que estranhamente apreensivo, dirigiu-se para o balcão da Air France, onde teve de enfrentar uma fila de bom tamanho. Finalmente, despachou a bagagem, recebeu o cartão de embarque e caminhou até o restaurante para beber alguma coisa, enquanto esperava a chamada. O restaurante estava lotado, como costuma acontecer ultimamente, tal é o número de pessoas que viajam de avião. Preferiu ir logo para a sala de embarque, onde se acomodou e ficou lendo a revista que levara consigo.
 
Enquanto isso, acima do Atlântico, na zona de convergência intertropical, por onde o seu avião inevitavelmente passaria, armava-se uma feroz tempestade. Nuvens de tamanho incomensurável, como negras montanhas móveis, carregadas de eletricidade e granizo, juntavam-se naturalmente, sem qualquer propósito, movidas aleatoriamente pelas correntes atmosféricas.
 
Sem de nada saber, Guto, ao ouvir a chamada para o embarque, entrou na fila que já se formara à porta da aeronave. Ali estava ele, tomado de estranha apreensão, como nunca lhe ocorrera nas viagens que frequentemente fazia. Nunca ficara tenso, mesmo porque, mal sentava na poltrona, caía no sono e só acordava horas depois, quando a viagem já chegava ao fim. Desta vez, porém, a tranquilidade costumeira mudara-se em tensão, e tenso esperou até que os motores começassem a funcionar e o avião levantasse voo.
 
Não só lá fora, sobre o Atlântico, uma ameaça se armava, mas também no avião, na sua estrutura eletromecânica, alguma coisa inesperada parecia insinuar-se, como falha ou pane. Se na natureza os processos se desenvolvem sem nenhum propósito ou finalidade, no avião, ao contrário, máquina que é, obra humana, tudo cumpre uma função determinada, para fazê-lo voar. Se alguma coisa falha...
 
Só que, para Guto e as outras 220 pessoas que, no bojo daquele Airbus-A330, seguiam para Paris, era impossível sabê-lo, já que, na ausência dos deuses, todo voo é cego. Para o bem ou para o mal.
 

 
 
© Ferreira Gullar - Publicado na Folha de São Paulo / UOL 
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publicado por ardotempo às 15:24 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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