Domingo, 31.05.09

Apenas Pintura - Abertura da exposição no dia 02 de junho

Apenas Pintura

 

 

 

 

 

 

 

 

Alfredo Aquino

Pinturas recentes - (Óleo sobre tela)

Sala O Arquipélago - 1º andar

Centro Cultural CEEE Erico Verissimo

Rua dos Andradas, nº 1.223

Centro - Porto Alegre RS

 

De 02 de junho a 1º de julho de 2009

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publicado por ardotempo às 18:08 | Comentar | Adicionar

O tempo dentro do tempo

Fotografia

 

 

 

Itaci Batista - Fotografia - Alfaite na Vila Mariana (São Paulo SP Brasil), 2009 

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Monsieur Hulot - O gato fuleiro

O gato fuleiro

 

publicado por ardotempo às 15:25 | Comentar | Adicionar

O roque da dama

A gripe da Dilma
 
Ferreira Gullar
 
Este não é um assunto novo mas, a cada dia, ganha novos contornos e exige novas avaliações. Por isso mesmo, em face dos acontecimentos que se sucedem, fica evidente que a candidatura da ministra Dilma Rousself à Presidência da República -que já está abertamente admitida pelo presidente Lula e pelo seu partido - tornou-se uma espécie de bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento; ou, mais precisamente, que tanto pode explodir amanhã como daqui a um mês ou daqui a um ano.
 
Não tenho nenhuma informação de cocheira a revelar. Tudo o que pretendo é tentar ver clara a situação criada, depois que se soube da doença da ministra. Uma doença grave, que tanto pode ser detida pelo tratamento a que ela se submete, como não, já que se trata de um câncer que surgiu no sistema imunológico e, por isso, não pode ser extirpado: a esperança dos médicos -e de todos nós- é que a quimioterapia o extinga definitivamente.
 
Isso no plano das possibilidades terapêuticas. No plano político, essa incerteza se transforma em indisfarçável problema, uma vez que o que está em jogo é o poder central do país. Por isso mesmo, a incerteza quanto ao desdobramento desta situação, aumenta na medida em que novos fatos ocorrem. Por exemplo, as dores nas pernas da ministra que a obrigaram a correr para São Paulo, internar-se no hospital e submeter-se a urgentes exames.
 
Pode-se imaginar o pânico que tal situação provocou em todo o governo e seus aliados. Ninguém sabia a causa daquelas dores, nem os médicos que, no final, afirmaram ter sido efeito da quimioterapia. Será verdade ou não? Se for verdade, isso indica que, de qualquer modo, a ministra Dilma talvez não tenha condições de enfrentar uma fatigante campanha eleitoral. Ou terá? Pode ser que tenha, mas, como é impossível afirmá-lo com indiscutível certeza, a insegurança se instala.
 
Em função disso, surgem as discussões e as divergências. Pelo sim, pelo não, um setor do PMDB decidiu dar curso a um projeto que possibilitaria uma segunda reeleição do presidente Lula. Sim, porque, se a candidatura da Dilma naufragar, só resta a Lula (ao PT e aliados) recandidatar-se. O projeto prevê um plebiscito, no estilo Chávez que, segundo o PSDB, não passaria no Senado.
 
Mas há uma questão que vem antes disso: a própria apresentação do projeto, que esvaziaria a candidatura da ministra. E por aí se vê o "dilema retrós", em que Lula e sua turma se encontram: os dias se passam, o limite para inscrever candidaturas termina em setembro próximo, dentro de apenas quatro meses, e ninguém pode apostar se a candidata terá condições de se manter candidata e muito menos de enfrentar durante meses uma estafante batalha eleitoral. Mas que fazer? A alternativa seria a candidatura de Lula, que exigiria mudar a Constituição. Vamos admitir que, convencido da inviabilidade da candidatura Dilma, ele aceitasse esta alternativa. Mas, e se a proposta for rechaçada no Congresso? Ficariam ele e sua turma no mato sem cachorro.
 
Como já dissemos, ninguém tem certeza de nada mas a opinião de Lula, conforme se deduz de suas declarações, é manter a candidatura de Dilma, dê no que der. Pelo menos por enquanto. Por isso, quando surgiu a notícia de sua urgente internação no hospital Sírio-Libanês devido às dores nas pernas, ele garantiu: "A Dilma está curada, ela não tem problema nenhum". E o PT, seguindo a voz do dono, reafirmou seu apoio à candidatura da ministra.
 
 
Ela, de fato, não tem problema algum; só um câncer linfático, que exige, para ser tratado, uma quimioterapia muito violenta, a tal ponto que não pode ser administrada senão através de um cateter, nas artérias coronarianas, mais resistentes. Daí os fortes efeitos colaterais após cada aplicação.
 
Mas Lula não tem muita escolha. Se a cada fato novo, que ameaça a candidatura de Dilma, ele se mantiver calado, estará admitindo a sua inviabilidade. E a coisa chega a tal ponto que, após ter ela declarado que iria reduzir sua participação nos eventos políticos, ele, lá dos quintos da Turquia, imediatamente reagiu: "Quando a gente fica em casa, por doença, a gente fica mais doente. A gente tem que espantar qualquer doença. Nesse negócio, mulher é especialista. Qualquer homem,quando tem uma gripezinha, já quer ficar deitado. Você nunca viu uma mulher deixar de trabalhar por causa de gripe ou deixar de cuidar do filho por causa de gripe".
 
Pois é, assim como ele a obrigou a ir para a TV revelar sua doença, quer agora obrigá-la a manter-se no palanque, já que está apenas gripada.
 

© Ferreira Gullar - Publicado na Folha de São Paulo / UOL 

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publicado por ardotempo às 15:20 | Comentar | Adicionar

Paisagem urbana

As ruas de Porto Alegre

 

 

 

Porto Alegre RS Brasil, 2009 

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Em busca da direção certa

Austrália
 
António Lobo Antunes
 
Deitava-me na relva dos canteiros e ficava horas a olhar o céu entre as árvores. De início parecia imóvel e depois enchia-se de vida, aproximava-se e afastava-se consoante as folhas tremiam e eu espantado que as folhas tremessem por não existir vento. O coração demasiado rápido dos pássaros assustava-me, impedindo-me de lhes tocar. Insectos incompreensíveis, cheios de patas e antenas, joaninhas que essas sim, entendia, o suspiro de papel de seda das roseiras, eu eterno, a China eterna, o cão invisível que ladrava ao longe eterno, tudo eterno. Ladrava uma espécie de tosse, contra quem? O pombal por fora verde, por dentro poeirento e escuro, a que faltavam tábuas. Sinos às vezes, para além do muro baldios, quintas, um burro a ajoelhar-se. Os comboios eternos também ou então foi o mundo que parou por falta de corda. Estive tuberculoso, lembro-me de não comer, de atirar para o chão os brinquedos que me traziam, não lembro mais nada acerca disso. Sonhos em que queria fugir sem conseguir correr, todos passavam por mim e eu parado. Se não há nem um sopro qual o motivo dos braços da trepadeira oscilarem? A maior parte das coisas não tinha nome nem precisava dele. Porque carga de água temos nome, nós?
 
No outro lado da rua um homem sai de uma porta, some-se noutra. Eu a escrever isto e ele a sair de uma porta e a sumir-se noutra: se calhar a outra engoliu-o dado que não o vejo mais. Agora nuvens muito altas, idênticas àquelas de quando me deitava nos canteiros: não mudaram, as nuvens, julgo que as mesmas de antes de eu nascer, de antes toda a gente nascer. Nos momentos difíceis penso na serra, acalmo: essa acho que nasceu comigo ou existe apenas quando tenho saudades dela. Um duende de gesso acolá, num quintal: olá duende, és tão feio, de barrete pintado de encarnado, de casaco pintado de azul e o encarnado e o azul a empalidecerem, vai-lhe faltando a tinta, uma manhã destas dou por ele outra vez e branco. O duende sorri. De mim?
 
Olá duende que sorris de mim, contentíssimo. Um inverno qualquer, com a chuva, lágrimas de gesso no sorriso, o barrete uma lágrima pelo corpo abaixo, deitam-no fora, compram outro com o mesmo barrete, o mesmo casaco, a mesma alegria, deitam este no balde: só os duendes não são eternos, o resto, a China, o cão, eu, sem fim. Gostava dos bêbados, da sua ternura
 
- Menino, menino 
 
cheia de ameaças, de como tudo se tornava dificultoso para eles, a esbarrarem nos gestos, a escalarem degraus inventados numa concentração demorada, a baralharem as pernas, ora numerosas, ora uma apenas, ora compridas, ora curtas, ora em simultâneo curtas e compridas, como se pode tomar conta de um corpo tão inesperado não mencionando as ideias difíceis e a hostilidade das paredes que fingem lançar-se contra eles e lhes escapam. Olha, afinal o homem que desapareceu na porta voltou com uma camisa diferente, a abotoar-se ainda, a desentender-se com um dos punhos, a subir a manga para examinar melhor, a conseguir. O duende não está sozinho, tem uma rã de loiça a três metros, enorme. Não tarda nada dá um salto e come-o. Passa um sujeito de cabelos brancos, a baloiçar as chaves do automóvel, nem um cabelo fora do sítio, a risca perfeita. Ao contrário do duende não sorri, deve ser casado, a amiga da mulher que protesta
 
- Nunca mais sais de casa
 
tem ar de estar metido num molho de brócolos, como é que eu resolvo o assunto agora, vou aguentando isto, mando as duas à fava, ainda por cima as prestações da casa, ainda por cima uma colega da minha filha e eu a deixar-me ir, vontade de largar tudo e ir caçar morsas para o Pólo Norte, a gente mete-se em cada uma, porra, tu que és meu amigo o que achas e o amigo não acha ou acha que tens de fazer como os fulanos do circo, com uma mesa comprida cheia de paus com pratos a rodarem em cima e o fulano de um lado para o outro a esforçar-se para manter a loiça a girar, mas o das chaves não se imagina a manter a loiça a girar muitos meses, não tarda um prato escapa-me e depois, o amigo e depois o melhor é fazeres como eu, fugires dos cacos, se largares uma delas a gaja assanha-se, arrebanha as outras, juntam-se todas contra ti, emigra para a Austrália a contar cangurus, o sujeito de cabelos brancos começa a suar, com as chaves do automóvel amolecidas na mão, quem me manda ser parvo, nunca mais aprendo, a ver se tiro os pratos a pouco e pouco e no entanto, dentro dele, a certeza agora é tarde, agora é tarde e eu na relva dos canteiros a olhar o céu entre as árvores, insectos incompreensíveis, cheios de patas e antenas, oiço o suspiro de papel de seda das roseiras, um sino, o cão que ladrava uma espécie de tosse contra quem, o senhor José a consertar o pombal à martelada, um comboio eterno, sempre no mesmo sítio e sempre a ir, na estação vazia uma balança e um relógio enorme, horários que se descolam, o cartaz de uma tourada ainda, às vezes o meu pai cantava a fazer a barba, punha o creme de um boião no cabelo e o pente dele pegajoso, de uma das três janelas da casa de banho via-se a mesa de tampo de pedra junto ao muro, o sujeito que baloiça as chaves do automóvel sobe a rua agora, cruza-se com uma mulata, volta-se, mais um prato para manter a girar no seu pau, torna a subir a rua, torna a voltar-se, desiste do prato e do pau, some-se, o céu enchia-se de vida, aproximava-se e afastava-se consoante as folhas tremiam e eu espantado que as folhas tremessem por não existir vento, o meu coração mais rápido que o dos pássaros, joaninhas que essas sim, entendia, um burro a ajoelhar-se, um burro ajoelhado fitando-me, quer dizer não fita ninguém, o sujeito entrou no automóvel
 
(escuto-lhe o motor)
 
à procura, em cada esquina, de uma seta que lhe indique a Austrália: talvez o resto de gasolina no depósito chegue.
 
muitos meses, não tarda um prato escapa-me e depois, o amigo e depois o melhor é fazeres como eu, fugires dos cacos, se largares uma delas a gaja assanha-se, arrebanha as outras, juntam-se todas contra ti, emigra para a Austrália a contar cangurus, o sujeito de cabelos brancos começa a suar, com as chaves do automóvel amolecidas na mão, quem me manda ser parvo, nunca mais aprendo, a ver se tiro os pratos a pouco e pouco e no entanto, dentro dele, a certeza agora é tarde, agora é tarde e eu na relva dos canteiros a olhar o céu entre as árvores, insectos incompreensíveis, cheios de patas e antenas, oiço o suspiro de papel de seda das roseiras, um sino, o cão que ladrava uma espécie de tosse contra quem, o senhor José a consertar o pombal à martelada, um comboio eterno, sempre no mesmo sítio e sempre a ir, na estação vazia uma balança e um relógio enorme, horários que se descolam, o cartaz de uma tourada ainda, às vezes o meu pai cantava a fazer a barba, punha o creme de um boião no cabelo e o pente dele pegajoso, de uma das três janelas da casa de banho via-se a mesa de tampo de pedra junto ao muro, o sujeito que baloiça as chaves do automóvel sobe a rua agora, cruza-se com uma mulata, volta-se, mais um prato para manter a girar no seu pau, torna a subir a rua, torna a voltar-se, desiste do prato e do pau, some-se, o céu enchia-se de vida, aproximava-se e afastava-se consoante as folhas tremiam e eu espantado que as folhas tremessem por não existir vento, o meu coração mais rápido que o dos pássaros, joaninhas que essas sim, entendia, um burro a ajoelhar-se, um burro ajoelhado fitando-me, quer dizer não fita ninguém, o sujeito entrou no automóvel
 
(escuto-lhe o motor)
 
à procura, em cada esquina, de uma seta que lhe indique a Austrália: talvez o resto de gasolina no depósito chegue.
 
 
 
 
© António Lobo Antunes

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publicado por ardotempo às 15:10 | Comentar | Adicionar
Sábado, 30.05.09

O ateliê não está vazio

IANELLI - O pintor da cor sublime
 
 
O ateliê do grande mestre não está vazio. O artista nos deixou no triste e doloroso dia 26 de maio, numa trágica manhã cinzenta da capital paulistana, trágica aos nossos sentimentos pessoais e artísticos. Ele o fez suavemente como fazia tudo, preparando-nos com antecendência para o desfecho, como preparava de maneira suave e coerente, a transição de suas fases. Porém essa possibilidade presumida não nos aliviou em nada. O choque restou brutal a todos nós, como costumava acontecer de mesmo modo quando nos defrontávamos com suas novas propostas artísticas. Elas sempre surpreenderam pela coragem da mudança, pela qualidade no acabamento e, em especial, pela originalidade de sua invenção criativa.
 
Ianelli sempre foi um poderoso artífice de suas próprias mutações, transformou-se continuamente como artista, na vazão do seu pensamento inquieto e pesquisador e nunca ancorou-se no sucesso de um eventual reconhecimento de uma de suas fases. Evitou o conforto de uma fórmula bem sucedida e buscou sempre algo novo que mantivesse incandescente a chama interior de sua criatividade. Pela ponderação e profunda reflexão exercitadas enquanto o fazia, já não mais retornava ao estágio anterior.
 
 
Ao mudar as características de suas fases, foi desbravando o universo da pintura e encontrando, às vezes, a rarissima condição de ser paradigmático; do figurativo à abstração, do gestual matérico ao abstracionismo geométrico estruturado na cor, do conjunto de quadrados superpostos em sutis transparências cromáticas à sublime descoberta das vibrações pictóricas infinitas e ilimitadas. Enfrentou ainda os desafios da tridimensionalidade nas esculturas em pedra, em hierático mármore de Carrara e em bronze, criando centenas de obras de pura linguagem ianelliana. Aventurou-se em relevos em madeira nos quais pintava as superfícies a óleo, recriando um misto de esculturas de parede e pintura. Um notável conjunto ainda inédito (salvo uma única apresentação de algumas dessas obras numa sala especial de sua grande e memorável restrospectiva na Pinacoteca de São Paulo, em 2002). Da mesma forma que as séries de gravuras, de tiragens pouco numerosas (litogravuras esplendidamente impressas que nunca foram expostas num conjunto constituído para a observação de seu público). O grande artista fazia estes trabalhos para si, assim como fez o conjunto primoroso, a grandiosa coleção secreta de milhares de estudos a pastel que formam a base de construção de sua gigantesca obra em pintura. Todas essas obras permanecem inéditas, pulsantes e vivas, no ateliê que não está vazio.
 
 
O artista paradigmático é aquele que não se parece a ninguém e dali a algum tempo serão os outros que a ele se assemelharão. Arcangelo Ianelli alcançou algumas vezes essa condição em longa carreira - no cromatismo em grises de sua fase figurativa, nos quadrados superpostos da fase geométrica e especialmente na originalissima e singular fase das vibrações. São raros no universo artístico os artistas que alcançaram essa condição do paradigma: Matisse, Jacometti, Brancusi, Miró, Picasso, Tamayo, Chillida, Anselm Kiefer, Karel Appel, De Koënning, Marcel Duchamp, Torres Garcia, Piza, Alfredo Volpi...
 
O ateliê do grande artista não está vazio, porque ali está um conjunto expressivo de obras primas, em todas as suas fases e em variadas formas de expressão - desenhos, esculturas, pastéis, relevos, gravuras e pinturas. Porque nele se escutam os passos e transita a força silenciosa de Dirce Ianelli, sua esposa em todas as intensas horas de sua longa vida, nos momentos duros e nos instantes de epifania; ali está a sua querida “cara-de-ameixa”, sua bela e competente filha Katia, que conduz com talento e mestria o Instituto Arcangelo Ianelli; sua neta Simone que realiza os processos de conservação e restauro de sua obra no acervo da família; e a outra neta, a poeta Mariana, a legítima herdeira de seu nome na condição da potencialidade criativa como artista da palavra. 
 
O ateliê de Ianelli não está vazio porque ali ainda se escutam os ecos das conversas, do alarido e das risadas dos amigos queridos e outros artistas que por ali passaram com frequência - Ferreira Gullar, Paulo Mendes de Almeida, Tomie Ohtake, Volpi, Fiamminghi, Marc Berkowitz, Paulo Machado, Rufino Tamayo, Lizeta Levy, Emanoel Araújo, Olívio Tavares de Araújo, Thomaz Ianelli, João Kon, Radha Abramo, Pierre Soulages e outros. 
 
 
Ianelli foi um artista autodidata que aprendeu ao extremo fazendo a sua arte, que trocava informações e técnicas com outros artistas, que revelava aos outros o que aprendera ao longo de sua vida, que ensinava os segredos que descobrira nas tintas, nos pigmentos, nos suportes e que aprendia o tempo todo, porque sabia escutar.
 
Certo dia, caminhando junto a ele no Jardim da Aclimação em São Paulo, cedinho, numa manhã de outono, perguntei-lhe sobre como funcionava o processo de inspiração. Se isso existia, de fato. Ianelli respondeu-me que não, que esse estado era condicionado pelo trabalho. “Se num dia você está um pouco indisposto, sem idéias, talvez isso possa até resultar um dia especial. Comece a trabalhar, comece a desenhar, a colocar os rabiscos num papel, esboçar algo, risque uma tela, tente estruturar alguma idéia ali, apague, desmanche, erre, faça de novo... dali a duas horas você estará tão envolvido no trabalho, tão concentrado, distraído das dificuldades iniciais, que talvez nesse dia aparentemente tão desfavorável, você esteja criando a obra da sua vida... não existe essa tal de inspiração, que cairia sobre você como um raio divino enquanto você está à espera, existe somente o trabalho, o trabalho árduo... desse trabalho sai algo maravilhoso.
 
O artista tinha a convicção da beleza e da busca da cor, não da cor industrializada que está pronta no tubo ou no vidro de pigmentos, e sim na cor elaborada, na cor que se busca, na cor que se faz, na cor que não existe. E nessa busca obsessiva, ele se fez o pintor da cor sublime. Quando vemos suas imensas telas de aparência aveludada, em que as cores “cantam baixinho, sussurradamente”, nos perguntamos, como ele conseguiu fazer isso?
 
 
Ianelli era amigo leal de seus amigos, em especial, de seus amigos artistas, e eles convergiam ao seu encontro, à sua casa e ao seu ateliê. Em 31 anos de amizade próxima, eu nunca o ouvi falar mal ou com ironia de um outro artista, ele sempre lhes oferecia uma palavra bondosa ou encontrava um argumento convincente para apoiá-los e justificá-los. Sempre. Nunca deixou de apoiar a nenhum deles. E isso podia ser visto silenciosamente no interior recatado de sua casa. No seu ateliê, estavam as suas obras, as suas telas, os estojos das grandes gravuras, os armários corrediços do acervo de pintura, os múltiplos, o pavilhão das esculturas... obras com a sua assinatura. Dele, que é com toda a certeza, um dos grandes artistas brasileiros de todos os tempos.
 
Dentro da sua casa, no entanto, estavam lá os outros artistas. Em todas as paredes da sua casa, viam-se apenas as obras dos outros artistas, de seus amigos artistas. Lá, naquela casa aconchegante, tão visitada por tantos, em meio a uma floresta densa num centro cosmopolita, quase na Av. Paulista, ali estavam todos eles, por todas as paredes: Alfredo Volpi, Tomie, Thomaz, Stockinger, Siron Franco, Palatnik, Rufino Tamayo, Cuevas, Picasso, Poliakoff, Chemiakin, Fiamminghi, Piza, Aldir Mendes de Souza.
 
Foi com a arte e com a beleza que o artista Arcangelo Ianelli conviveu. De seu ponto de observação privilegiado, ele via o mundo ao seu redor e o transformava pela sua interpretação artística. E via e convivia, em generosidade, com os outros. Há muita coisa para ser vista e descoberta na sua obra, extensa e bem documentada pelo Instituto Arcangelo Ianelli. O ateliê do artista não está vazio.
 
 
 
Texto de Alfredo Aquino - Publicado no Caderno de Cultura - Zero Hora / 30.05.2009
publicado por ardotempo às 13:21 | Comentar | Adicionar
Sexta-feira, 29.05.09

Buracos d'água

Fotografia

 

 

 

 

Gilberto Perin - Teto e caixas d'água - Fotografia (Porto Alegre RS Brasil), 2009

publicado por ardotempo às 23:34 | Comentar | Adicionar

A greve cândida (e impossível)

Armas
 
José Saramago
 
O negócio das armas, sujeito à legalidade mais ou menos flexível de cada país ou de simples e descarado contrabando, não está em crise. Quer dizer, a tão falada e sofrida crise que vem destroçando física e moralmente a população do planeta não toca a todos. Por toda a parte, aqui, além, os sem trabalho contam-se por milhões, todos os dias milhares de empresas declaram-se em falência e fecham as portas, mas não consta que um único operário de uma fábrica de armamento tenha sido despedido.
 
Trabalhar numa fábrica de armas é um seguro de vida. Já sabemos que os exércitos precisam de armar-se, substituir por armas novas e mais mortíferas (disso se trata) os antigos arsenais que fizeram a sua época mas já não satisfazem as necessidades da vida moderna. Parece portanto evidente que os governos dos países exportadores deveriam controlar severamente a produção e a comercialização das armas que fabricam. Simplesmente, uns não o fazem e outros olham para o lado. Falo de governos porque é difícil crer que, a exemplo das instalações industriais mais ou menos ocultas que abastecem o narcotráfico, existam no mundo fábricas clandestinas de armamento.
 
Logo, não há uma pistola que, por assim dizer, não vá tacitamente certificada pelo respectivo, ainda que invisível, selo oficial. Quando num continente como o sul-americano, por exemplo, se calcula que há mais de 80 milhões de armas, é impossível não pensar na cumplicidade mal disfarçada dos governos, tanto dos exportadores como dos importadores. Que a culpa, pelo menos em parte, é do contrabando em grande escala, diz-se, esquecendo que para fazer contrabando de algo é condição sine qua non que esse algo exista. O nada não é contrabandeável.
 
Toda a vida tenho estado à espera de ver uma greve de braços caídos numa fábrica de armamento, inutilmente esperei, porque tal prodígio nunca aconteceu nem acontecerá. E era essa a minha pobre e única esperança de que a humanidade ainda fosse capaz de mudar de caminho, de rumo, de destino.
 
 
 
 
José Saramago - Publicado no blog O Caderno de Saramago
publicado por ardotempo às 23:11 | Comentar | Adicionar
Quinta-feira, 28.05.09

Algo está fora do normal

Vício maldito
 
Ivan Lessa
 
Chatas são aquelas primeiras horas. Andar pela casa de um lado para outro sem saber direito o que fazer. Uma chegada até o quarto. Olhar pela janela. Tudo normal lá fora. Gente normal fazendo coisas normais. Passou um ônibus na esquina e respeitou o sinal vermelho. Lá vai aquele senhor da casa ao lado levando o cachorrinho para um passeio pelo quarteirão. Uma mocinha sorri com, para e de seu celular. Ninguém no jardim. Também o dia não está lá grande coisa. Reina uma absoluta normalidade até onde dá para se ver.
 
Que se passará, no entanto, atrás das janelas cerradas (venta um pouco)? Lembrança momentânea de James Stewart, com sua perna quebrada, em Janela Indiscreta, de Hitchcock, bisbilhotando a vida dos outros.
 
Perna quebrada. Quebrada. Uma palavra a ser evitada nessas horas.
 
Aventuras na cozinha. Mudar a água da gata. Encher a cumbuquinha da gata com os biscoitinhos dela. De atum. Que é o sabor que ela mais gosta. A gata mordisca um pouco. Depois bebe sua água. Abro a geladeira. Tem ainda duas latas de água de coco da Indonésia. Com elas, quebro meu galho. Abro uma, deito goela abaixo, deixo metade para depois. Abro a torneira da pia e, sem a menor necessidade, lavo as mãos, desperdiçando água mas ganhando tempo.
 
Tempo. Que não passa. Que não corre nada. Tempo canalha.
 
Na sala, em cima do sofá de couro, intacto, virginal, o jornal do dia. Impossível ler, nessas horas. Nestas condições. Há que se tentar. Quais serão os parlamentares de hoje a abusar de suas mordomias? Com muita dificuldade, a primeira página é digerida. As fotos coloridas, as manchetes e os subtítulos. Vem à mente a frase feita como vem as frases durante o estado lisérgico ou de diamba forte:
 
"A vida deveria ser apenas fotos coloridas, manchetes e subtítulos."
 
Pelo espaço de pelo menos um minuto a ponderação é examinada e logo jogada fora. Como um cigarro em suas duas últimas tragadas.
 
Cigarro. Tragada. Tudo é conspiração.
 
Já tem agora duas horas. Sem nada. Cara limpa. Na sala, de novo, sentar na ponta da poltrona. Ligar a televisão. Gente sem som. Que é como deveria ser sempre. As gentes produzem uma grande quantidade desnecessária de som. Lá estão. Discutindo ou narrando as atrocidades e bizarrices de sempre. Em silêncio. Que tudo fica mais interessante tentando colocar num vago contexto o que na tela - mudamente, sempre mudamente - se passa. Poderia ser engraçado em outras circunstâncias. Não nestas.
 
Sentindo a passagem de cada segundo como um corte de gilete na pele, não é que quatro horas já foram para o beleléu do tempo e seus confins? Hora de conferir. As regras do jogo foram respeitadas. Duramente respeitadas. Dolorosamente cumpridas.
 
Abre-se, liga-se então, o computador. Os momentos pesados escorrendo até a tela se povoar de sua gentarada icônica habitual. Tudo lá. Ícone e mais ícone. No meio, para chamar mais a atenção, o do browser (como é que é browser em português mesmo? Navegador?). Com o camundongo apontando para ele - e acusando-o e maldizendo-o - o clique dado com suavidade hipócrita e, que remédio? esperançosa. A tela se enche com a mensagem que há três dias lhe atormenta. Em poucas e duras palavras, informa que o computador não está ligado à internet.
 
Fechar tudo. Voltar ao telefone. Para, pela enésima vez, após passar por uma multidão de gravações e instruções de que tecla premir, esperar que uma pessoa viva - por que serão sempre indianos ou paquistaneses? - venha mentir dizendo que houve um problema na linha e que é para aguardar umas quatro horas, quando tudo estará resolvido e, aí então, tentar de novo. Que, ele garante, tudo terá voltado ao normal. Normal, dizem eles. Normal.
 
Ivan Lessa - Publicado no blog BBC Brasil 
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publicado por ardotempo às 02:35 | Comentar | Adicionar

Relevos de Ianelli

Arcangelo Ianelli

 

 

 

 

 

Dois relevos em madeira, em chapas de MDF superpostas em planos assimétricos, recortadas e pintadas a óleo em suas superfícies, datados de 2000.

publicado por ardotempo às 02:04 | Comentar | Adicionar
Quarta-feira, 27.05.09

APENAS PINTURA - Exposição no dia 02 de junho

 Convite APENAS PINTURA

 

 

 

 

 

 

Esta mostra de pintura é dedicada a Arcangelo Ianelli, o pintor da cor sublime.

publicado por ardotempo às 14:31 | Comentar | Adicionar

Poema para Ianelli

Arcangelo Ianelli
 
Somente a intenção infinitamente reproduzida
De superar as oscilações do tempo
Te levaria ao encontro das linhas retas, 
À hospitalidade mansa dos interiores
Habitados pelo repouso de uma certa época,
Às formas dançantes em seu mínimo desassossego,
E, finalmente, ao acontecimento daquele rosto de filha
Piedoso e profundo, melhor obra do teu imaginário.
 
E foste além na tua procura ordenada pela delicadeza
E pela regularidade na evolução das tuas fases,
Chegaste à vibração calorosa que passa do vermelho ao negro
Num princípio de abismo,
Ao horizonte pacífico da música tornada obscura.
 
Somente a ousadia de possuir outra compreensão da vida
Te ofereceu uma passagem sem volta
Ao lento desaparecimento dos limites.
 
 
 
 
© Mariana Ianelli
publicado por ardotempo às 03:08 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar
Terça-feira, 26.05.09

Luto na Arte do Brasil, luto em ARdoTEmpo

Morreu Arcangelo Ianelli

 

Morreu hoje o pintor da cor sublime. Morreu o paradigmático, (talvez) o maior pintor brasileiro de todos os tempos. Uma grande perda, uma dor imensa para a Arte e para pintura, no Brasil e no mundo. Um dia muito triste e trágico para a pintura.

 

 

 

Ianelli morreu aos 87 anos na manhã desta terça-feira (26) em São Paulo. De acordo com a nota de falecimento divulgada pelo hospital Albert Einstein, o artista plástico morreu às 8h por falência múltipla de órgãos.
 
O enterro do corpo acontece amanhã quando o cortejo fúnebre chegar cemitério Gethsêmani, na região do bairro do Morumbi. O cortejo deve deixar a Pinacoteca às 10h.
 
Na década de 1950, Ianelli fez parte do grupo Guanabara, que reunia vários artistas japoneses, entre eles Manabu Mabe (1924-1997), Yoshiya Takaoka (1909-1978) e Tikashi Fukushima (1920-2001).
 
A abstração apareceu pela primeira vez em sua carreira na década seguinte. Mais tarde, nos anos 70, iniciou a produção de esculturas. Foi quando apareceram seus quadrados e os retângulos monocromáticos cujas simplificações se tornariam sua marca registrada.
 
"Nesse período, por causa de uma intoxicação com tinta a óleo, passei a usar a têmpera a ovo, que me ensinou técnicas de transparência e uniformidade, que uso desde então."
 
Recebeu inúmeros prêmios, participou de diversas exposições na Europa, nos EUA e no Brasil, entre elas, oito bienais de São Paulo.
 
Suas obras estão em museus no Japão, México, Itália, Canadá e na América Latina, além de constar do acervo das principais instituições brasileiras. Em 2004, o artista plástico ganhou um livro sobre sua obra: IANELLI Trajetória de um artista - com texto de Mariana Ianelli.
 

 

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Segunda-feira, 25.05.09

Gilberto Perin - Fotografia

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Gilberto Perin - Bandeira - Fotografia (Porto Alegre - Brasil), 2009

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Marcos Magaldi - Fotografia

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Marcos Magaldi Elevador Lacerda, o Mercado Modelo e a marina do porto, Salvador - Fotografia (Salvador, Bahia - Brasil) 

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Marcos Magaldi - Fotografia

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Marcos Magaldi - Pelourinho - Fotografia (Salvador, Bahia - Brasil) 

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Marcos Magaldi - Fotografia

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Marcos Magaldi - Solar do Unhão / Caixas do Futuro, de Siron Franco - Fotografia (Salvador, Bahia - Brasil)

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Universidade Senior - Uma idéia de gênio

Porquê no Brasil não poderia existir uma?
 
Mayores
 
José Saramago
 
Em português diríamos pessoas de idade. Num caso e no outro trata-se de eufemismos para fugir à aborrecida palavra “velhos”, que podendo e devendo ser tomada como uma afirmação vital (“Vivi e estou vivo”), é, com demasiada frequência, lançada à cara do idoso como uma espécie de desqualificação moral.
 
E, contudo, pelo menos no meu país, usava-se (usa-se ainda?) uma resposta definitiva, fulminante, dessas que tapam a boca ao interlocutor: “Velhos são os trapos”, respondiam os velhos do meu tempo a quem se atrevesse a chamar-lhes velhos. E continuavam com o seu trabalho, sem dar mais atenção às vozes do mundo. Velhos seriam, claro, mas não inúteis, não incapazes de meter a sovela no lugar certo do sapato ou de guiar a relha do arado com que andasse lavrando. A vida tinha uma coisa má: era dura. E tinha uma coisa boa: era simples.
 
Hoje continua a ser dura, mas perdeu a simplicidade. Talvez tenha sido esta percepção, formulada assim ou doutra maneira, que fez nascer a ideia de criar uma universidade para pessoas de idade em Castilla-La Mancha, essa que precisamente se chama Universidad para Mayores e de que tenho a honra de ser patrono. Pessoas a quem a idade obrigou a deixar o seu trabalho, que fazer com elas? Outras em quem a idade fez nascer curiosidades que até então não se haviam experimentado, que fazer com elas?
 
A resposta não tardou: criar uma universidade para as gerações de cabelos brancos e rugas na cara., um lugar onde pudessem estudar e descobrir mundos do conhecimento ocultos ou mal sabidos. Cada uma dessas pessoas, cada uma dessas mulheres, cada um desses homens, pode dizer quando abre um livro ou escreve a resposta a um questionário: “Não me rendi”. Nesse momento uma aura de juventude rediviva perpassa-lhes no rosto, em espírito é como se estivessem sentados ao lado dos netos, ou foram eles que se vieram sentar ao lado dos seus maiores. O conhecimento une cada um consigo mesmo e todos com todos.
 
 
Qualquer idade é boa para aprender. Muito do que sei aprendi-o já na idade madura e hoje, com 86 anos, continuo a aprender com o mesmo apetite. Não frequento a Universidade para Mayores Castilla-La Mancha (lá irei um dia), mas partilho a alegria (diria mesmo a felicidade) dos que lá estudam, esses a quem me dirijo com estas palavras simples: Queridos Colegas.
 

José Saramago - Publicado no blog O Caderno de Saramago 

Fotografia de Mário Castelo

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Domingo, 24.05.09

A sereia de Vila-Matas

Un Bradbury perfecto
 
Enrique Vila-Matas  
 
Al mediodía, un descubrimiento casual. En la biblioteca, detrás de las novelas de Flaubert, encuentro -tan polvoriento como intacto, más de un cuarto de siglo sin verlo- mi añorado y extraviado número 1 de la revista de fantasía y ciencia-ficción Minotauro. Edición de 1964. En aquel año, la revista comenzó a distribuirse en librerías junto a las novelas de la colección del mismo nombre y era en realidad la edición en castellano de The Magazine of Fantasy and Science Fiction.
 
Aquel primer número contenía relatos de Knight, Bradbury, Boucher, Leiber, Clarke, Reed, Anderson, Bester y Ballard. Quien me lo regaló fue la primera persona del mundo a la que oí decir que quería ser mi amiga y a la que sin embargo vi sólo en dos ocasiones -en la segunda me regaló ese ejemplar inolvidable de Minotauro- y después perdí totalmente de vista, sin que haya vuelto a saber nada de ella en los últimos cuarenta y cinco años.
 
No leía mucho entonces y prefería con creces el cine, y de aquella revista - me inquietaba la idea de que fuera de ciencia-ficción - me limité a leer La costa en el crepúsculo, el cuento de Ray Bradbury, el único autor que me sonaba, ya que Truffaut había comenzado a preparar el rodaje de Fahrenheit 451, película basada en una novela suya. No he podido olvidar nunca que quedé absolutamente fascinado por el cuento. Hasta este mediodía siempre lo había recordado como la poética historia de dos jóvenes que encuentran a una sirena de una belleza extrema y van a la ciudad a buscar hielo para conservarla. La sirena se la lleva el mar y ellos se quedan esperando a que vuelva algún día.
 
Releída hoy, me ha parecido recordar que la historia me fascinó porque vi desmentirse de golpe todas las ideas, cargadas de temores, que me había ido construyendo acerca de lo que podía ser un cuento de ciencia-ficción. Creo que vi que la etiqueta de escritor de ese género aplicada a Bradbury no tenía el menor sentido. La costa en el crepúsculo, releído años después, no ha perdido su fuerza y encanto. Al igual que le sucede a la sirena, el cuento tiene unidas dos mitades y termina por ser un relato de orden fantástico, pero en el fondo perfectamente realista: "Las dos mitades de la sirena estaban unidas de tal modo que no se veía dónde la mujer perlada, la mujer blanca de agua transparente y de cielo claro, se confundía con la mitad anfibia...".
 
Me pareció un cuento perfecto. Allí estaba reunida, con la máxima concentración, toda una visión del mundo. Era un relato que enseñaba a escribir relatos. Era un cuento que situaba a la espera como condición esencial del ser humano. Como no había leído por aquel entonces demasiado y no tenía mucho donde comparar, la historia de Bradbury me recordó Ante la ley, de Kafka, donde el protagonista se pasa la vida esperando cruzar una puerta que sólo está destinada a él y que nunca logrará atravesar. También en La costa en el crepúsculo la espera se situaba en el centro de la historia. Leído ahora, el parentesco con Kafka no lo veo por ningún lado. Pero es que, además, la gracia de Bradbury y su genialidad estriban en parte en que, a pesar de que se han pasado la vida clasificándole, es un escritor tan original como inclasificable. En La costa en el crepúsculo es admirable su destreza en el tratamiento de la ambigüedad a lo largo de todo el relato. Es un cuento perfecto, de estirpe clásica, porque se abre a todo tipo de interpretaciones. Es el cuento de una gran anarquista y arquitecto al mismo tiempo. Su historia de la sirena en una playa desierta socava y reconstruye el paisaje banal de la realidad.
 
Al volver a pensar en el relato después de tanto tiempo, he vuelto también a los días del invierno de 1968 en los que adapté ese cuento para el cine, para el primero de los dos cortometrajes que dirigí en Cadaqués antes de cumplir los veinte años. La película la titulé Todos los jóvenes tristes -en homenaje caprichoso a un título de Scott Fitzgerald- y conté en ella la historia de una desesperación generacional. Silvia Poliakov fue la sirena. Quico Viader, Gay Mercader y Manuel Pérez Estremera, entre otros, participaron en este rodaje. La película no llegó a ser montada y por tanto no ha sido nunca vista y lo filmado descansa en una caja circular que guardo en casa. Del rodaje recuerdo muy especialmente un episodio extravagante: la secuencia del suicidio del autor, una escena trágica que incluí en la película y que tal vez fue el involuntario reconocimiento por mi parte de que no servía para el cine.
 
Hasta este mediodía, La costa en el crepúsculo no fue para mí más que un texto ligado a mi biografía cinéfila de joven triste; un texto perdido en una etérea y modesta revista de 1964; un relato no conectado con nada ni con nadie, salvo conmigo, que intenté pasarlo al cine y conservo de la experiencia unas fotografías extrañas que publicó Fotogramas. Hasta este mediodía yo creía que era un cuento que nadie conocía y que, de ir al buscador de google, no lo encontraría ni nombrado. Y sin embargo la sorpresa ha saltado cuando he visto que hay una película española de 1971, The sleeping coast, firmada por Rafael Gasent, "inspirada lejanamente en el cuento La costa en el crepúsculo".
 
¿Es Gasent alguien que en aquellos días llevó una vida paralela a la mía? ¿Tiene Gasent una mínima noticia de todo esto? Lo más curioso es que el año pasado revisó aquella historia rodada en su juventud y "filmó Living in the coast, basándose en aquel cuento de la sirena (...) tomando apuntes de la narrativa de Bradbury, pero llevándolos a su propio terreno". O sea que muy probablemente es alguien que, como yo, ha visto su vida marcada por aquel relato de Bradbury.
 
Ese primer número de la revista Minotauro -me indica también google- fue publicado por el gran editor argentino Francisco Porrúa, al que hace unos años conocí en Barcelona y me trató con un inesperado cariño inolvidable, como si intuyera o creyera que estábamos unidos por más cosas que un simple saludo. Porrúa fue el editor en 1955 de Crónicas Marcianas -también de Bradbury, traducida bajo seudónimo por el propio Porrúa y con un inolvidable prólogo de Borges- y el histórico primer editor de Cien años de soledad.
 
Como pensaba que nadie conocía ese cuento perdido, me he llevado también una sorpresa al enterarme de que lo escribió Bradbury tras leer "un encantador poema de Robert Hillyer sobre el hallazgo de una sirena en Plymouth Rock". Ahora, para completar un círculo imaginario, debería averiguar quién es el tal Hillyer y tal vez acercarme algún día a la playa de Plymouth Rock y repetir allí la secuencia del suicidio del autor. Y de paso comprobar que tampoco Plymouth Rock me pertenece plenamente. 
 
 
 
 
Enrique Vila-Matas - Publicado em Babelia
Imagem: A sereia (detalhe) - Pablo Picasso - Pintura, óleo sobre tela - 1947 
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Sábado, 23.05.09

No, no puede ser!

No, no puede ser!
 
Tradutor de Mario Benedetti, o escritor Aldyr Garcia Schlee se despede emocionado do seu velho e querido amigo uruguaio
 
 
Morreu domingo, enquanto dormia, um dos últimos viúvos de Margaret Sullavan. A notícia de sua morte esperada, ainda assim, despedaça-nos, rasga-nos por dentro como a própria morte de Margareth Sullavan terá feito com ele.
 
Era um pequenino homem de bigode branco, ronronando sua asma brônquica entre um pigarro e outro, sempre discreto, austero e calado em seu canto, com os olhinhos úmidos e muito sugestivamente brilhantes. Quando eu nasci, ele tinha já 14 anos e estava deixando os estudos para trabalhar; só fui conhecê-lo pessoalmente quando principiava a ser admirado, reconhecido e venerado em seu país, onde fora vítima da intolerância, da injustiça, da censura e da perseguição política impostas pela ditadura militar que infelicitara o Uruguai a partir de 1973.
 
Mario Benedetti contava que em janeiro de 1960, estando com a esposa em Nova York e pretendendo ver num teatro do Village a peça Nossa Cidade, de Thornton Wilder, soube do porteiro que os ingressos estavam esgotados. “A esta hora o senhor pretende ingressos? Em que mundo vive?”, ¬ perguntou-lhe o porteiro. Mario, com seu bigode e sua modéstia, sentiu-se como o provinciano que era realmente, incapaz de enfrentar então ao menos uma escada rolante... Foi quando tilintou o telefone, ali no saguão do teatro. O porteiro atendeu em silêncio, logo se transfigurou; e disse quase soluçando: não! não pode ser, não pode ser!
 
Mario Benedetti, solidário sempre e em todas as circunstâncias, aproximou-se, tocou-lhe brevemente o braço, perguntou-lhe o que acontecia, se havia recebido alguma má notícia, se podia ajudar... Então o rapaz se voltou para ele e disse como se despertasse de um pesadelo:
 
- Morreu Margaret Sullavan!
 
- No, no puede ser - disse Benedetti para si mesmo e para ninguém mais, com o assombro e a tristeza de quem tomava consciência de que naquele instante desaparecia o último vestígio de sua já distante adolescência. E ele percebia que pela primeira vez em sua vida havia perdido um ente querido.
 
Ao justificar sua paixão por Margaret Sullavan, Benedetti reconhecia com a simplicidade de quem está trilhando o óbvio, que uma atriz de cinema não é exatamente uma mulher, é antes uma imagem. Como muitos de nós, reconhecia ele que havia se apaixonado pela imagem de Margaret Sullavan na adolescência, quando uma paixão dessas se torna definitiva. Fora a imagem daquela atriz que pela primeira vez habitara a sua e a nossa insônia e nos cortara a respiração, significando nosso primeiro ensaio de emoção, nosso primeiro arremedo de amor.
 
Quando procurei Mario Benedetti pela primeira vez, e precisava encontrá-lo para que me permitisse traduzir seu conto Sábado de Glória, ele estava na Espanha. Depois, quando finalmente nos encontramos, fiquei tão perturbado diante daquele homenzinho e de sua descomunal estatura moral, cívica e literária, que esqueci o nome do conto, o título do livro correspondente, tudo, e só me lembrei de Margaret Sullavan - a inesquecível atriz de cinema que me encantara, que encantara o escritor e que encantava ainda e também o infeliz narrador da tragédia familiar contada por Benedetti - que minha mulher lera chorando e que eu, chorando, traduzira para o português.
 
Em torno de Margareth Sullavan estivemos uma vez sentados numa mesa de La Popponita, onde se falava de cinema e quando não me animei a confessar-lhe que 20 anos antes costumava ler e tentara colecionar suas crônicas publicadas em La Mañana. Benedetti não dizia nada, não precisava dizer nada, admitindo e aprovando divertidamente com seu sorriso ladeado nosso entusiasmo com o cinema e nossas lembranças de filmes, atores e atrizes. A partir de Margareth Sullavan, nós nos perguntávamos sobre Gene Tierney, Ava Gardner e Rita Hayworth, sobre os melhores anos de nossas vidas, sobre tempos modernos, sobre a bela e a besta... De repente, eu me dei conta de que - posta a câmara em Mario Benedetti, como numa tomada cinematográfica - tudo o mais era acessório, era dispersão. E me calei. Não havia mais o que dizer.
 
Benedetti havia dosado com a emoção e o amor despertados pela imagem de Margaret Sullavan todo o conteúdo poético de sua prosa ficcional, feita da retomada e da recuperação dos grandes dramas e das pequenas tragédias do cotidiano urbano uruguaio. Embora fosse, por isso mesmo, um poeta, seus versos duros, reiterativos e panfletários, pouco deixavam transparecer a poesia, submetidos geralmente à clara proposição política e ideológica que os fazia inseparáveis das lutas sociais em que ele esteve envolvido.
 
Uma vez estivemos juntos numa mesa de debates, na Biblioteca Nacional; outra, na Intendência Municipal de Montevidéu. Em ambas as ocasiões, senti-me oprimido e deprimido, vendo que Mario Benedetti não estava à vontade: ele como que já não tinha o que dizer, já estava cansado; estava cansado de repetir o que esperavam que dissesse, já estava cansado de ouvir o que sempre diziam dele.
 
Fora um combatente das letras. Fora o primeiro e era o último sobrevivente da geração crítica de 1945 - que tivera a coragem de denunciar o pedantismo, a frivolidade, a hipocrisia e o conformismo dos cultores da “belas letras” no Uruguai desde o propalado reconhecimento do país como “a Suíça americana”. Ele voltara para Montevidéu os olhos do leitor uruguaio - habituado até então à nostalgia campeira de uma literatura “criolla” - e reconstruíra a partir da capital a sua urbanidade, ajudando a recompor e reafirmar a identidade uruguaia como a de um país montevideano.
 
Fora mais do que um combatente das letras. Fora um militante da justiça social e da dignidade humana, um defensor da vida e da alegria. Enfrentara a ditadura como um dos fundadores do Movimento 26 de Março, braço legal do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros. Precisara exilar-se na Argentina para não sucumbir à fúria militar em seu próprio país; precisara fugir para o Peru a fim de escapar com vida da AAA, a Ação Anticomunista Argentina...
 
Fora o intérprete dos anseios, das contradições e das perplexidades dos escritores latino-americanos; fora galardoado com prêmios, títulos, insígnias internacionais, antes que lhe reconhecessem os méritos no próprio Uruguai - onde só em 2005 lhe deram o título de Doutor Honoris Causa da Universidade da República.
 
Certamente estava cansado de tudo isso.
 
Sempre fora um homem pequeno e modesto, com seu eterno bigode (e até cultivara um certo topete na testa cada vez mais ampla e alta). Sempre vivera dos sonhos e das emoções que alimentaram sua escritura da mesma forma como a confiança e a esperança que tinha em um mundo melhor, mais justo e mais feliz.
 
Era casado com uma extraordinária mulher chamada Luz Alegre, cujo nome bastava para justificar o quanto dela ele dependia como companheira e orientadora. E tinha ele mesmo um paradoxal e estranho nome quilométrico, só comparável à variedade e à quantidade de sua imorredoura obra literária: Mario Orlando Hamlet Hardy Brenno Benedetti Forugia.
 
A morte é definitivamente o fim. Mas, como se fora o começo de tudo, Mario Benedetti terminou velado na Sala dos Passos Perdidos do Palácio Legislativo Uruguaio; e enterrado no Panteão Nacional do Cemitério Central de Montevidéu.
 
Agora, o que adianta?
 
Fica o eco de nosso desconsolo e de nossa incredulidade ante a notícia de sua morte.
 
¡No, no puede ser!
 
© Aldyr Garcia Schlee - Escritor e tradutor
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Sexta-feira, 22.05.09

Pela voz da sombra

Sobre O Mago, Fernando Morais revela os segredos
 
Fernando Morais passou quatro anos a mergulhar no passado de Paulo Coelho, a segui-lo como uma sombra, a ir no seu encalço, a falar com os amigos e inimigos e a escrever a biografia do famoso escritor brasileiro. Quando o primeiro exemplar impresso de “O Mago” foi parar às suas mãos, tal como havia prometido, o jornalista brasileiro enviou-o em correio urgente para Paulo Coelho. Tinham pré-acordado que o autor de “O Alquimista” não teria acesso ao manuscrito da sua biografia.
 
 
Deixou passar cinco dias, uma semana, duas semanas e nada. Silêncio tumular. Começou então a telefonar para o escritor e a chamada caía no atendedor de chamadas. Com o telemóvel acontecia a mesma coisa. Aos “emails” não obtinha resposta. Passou um mês, mês e meio. Fernando Morais começou a ficar preocupado. Meteu-se num avião, foi a Paris e bateu à porta de Paulo Coelho. Ele atendeu.
 
“– Senhor, que passa? Que está acontecendo?”, disse Fernando Morais quando Paulo Coelho lhe abriu a porta. “ – Entra para cá, rapaz”, respondeu o escritor.
 
Ficaram os dois em pé. “Ele não me mandou sentar”, conta Fernando Morais, num restaurante de Lisboa onde esteve a semana passada a promover o seu livro. Paulo Coelho explicou ao biógrafo o seu silêncio – que era ainda mais estranho porque na última fase da escrita da biografia falavam várias vezes por dia – dizendo que teve que ler “O Mago” duas vezes. Teve uma enorme dificuldade em se identificar com aquele personagem e descobriu que o seu passado lhe dava “um medo muito grande”. Contou ainda que “O Mago” o tinha obrigado a fazer psicanálise, uma coisa que ao longo de 60 anos sempre tinha recusado. Sentiu-se como se tivesse colocado um dedo na garganta e deitado para fora, tudo o que tinha de feio do lado de dentro.
 
E fez uma queixa. Paulo Coelho disse a Fernando Morais que o facto de ele ser ateu, de ser materialista, o impediu de ver o lado espiritual dele. “Não concordo com essa crítica”, afirma agora Fernando Morais que tem uma explicação para essa crítica. “De cada vez que o Paulo [Coelho] contava, no meio de um depoimento, que um dia estava no seu carro em França e se apercebeu que tinha um anjo ao seu lado eu perguntava-lhe: ‘Anjo como? De carne e osso? Anjo homem ou anjo mulher? Falava? Francês, português, espanhol?’ Ele se irritava com aquilo. Dizia-me que eu não tinha capacidade de absorver a transcendência. Toda a vez que ele falava de experiências paranormais, eu insistia. Não estou me defendendo mas acho que para o leitor do livro foi melhor ter um biógrafo ateu do que um biógrafo crente. Muitas das perguntas que fiz para ele, muitos dos apertos que eu dei nele são curiosidades que o leitor tem.”
Mas entre os dois – biografado e biógrafo – “não ficou nenhuma sequela” e Paulo Coelho “cresceu como ser humano” aos olhos de Fernando Morais quando deixou que tudo isso, o que é revelado em “O Mago”, fosse publicado.
 
Quando Fernando Morais se mudou da editora Companhia das Letras para a Planeta, esta editora só lhe pediu que se escrevesse uma biografia não fosse sobre uma personagem estritamente brasileira. Como sempre tinha tido uma grande curiosidade sobre Paulo Coelho – que não conhecia nem nunca tinha visto –, lembrou-se dele depois de Hugo Chavez ter recusado. Só tinha lido os seus dois primeiros livros – “Diário de um Mago” e “O Alquimista” –, e não se tinha convertido num “coelhista”. Numa entrevista de Umberto Eco descobriu que Paulo Coelho escreve para quem tem fé, para quem acredita. “Não é o meu caso, sou agnóstico, sou ateu, não sou baptizado”, explica.
 
Tinha muita curiosidade “não sobre o fenómeno Paulo Coelho, o ‘popstar’ das letras, a Madonna, o Mick Jagger da literatura mas tinha curiosidade sobre o ser humano”. Queria saber “quem é o cara que vive debaixo da pele do fenómeno Paulo Coelho”. Mas disse à editora Planeta que achava que ele não ia aceitar sobretudo porque teria que ser obrigatoriamente uma biografia não autorizada: ele não leria os originais.
 
Paulo Coelho respondeu por “email” quando lhe fizeram o pedido: “Já recusei mais de 30 propostas idênticas feitas por autores norte-americanos e europeus mas sendo o Fernando Morais a minha resposta é sim”. O jornalista marcou então um encontro com o escritor no aeroporto de Lyon porque ele vive numa localidade no sul da França. Foi a sua primeira surpresa. “Imaginava que ele fosse chegar numa limusina, com batedores, com guarda-costas, com puxa saco, com secretária, com o cara que vai fazer o ‘check in’ para ele, o cara que atende o celular…” Morais que raramente usa gravata até foi de gravata e de repente, viu parar um táxi e de lá de dentro descer “um cara” que parecia “um padre de interior, um cura de província”. Estava de “jeans”, “camiseta”, bota de lona e puxava uma “malinha vagabunda”. “Era um tipo como qualquer outro.”
 
Nesse encontro Fernando Morais disse-lhe que havia uma condição: ele não teria acesso ao manuscrito. Para sua surpresa, Paulo Coelho respondeu que não havia problema. Morais começou a ficar preocupado, a achar que não devia ser uma boa história. “Se ele está me dando com tanto desprendimento isso deve ser uma história água com açúcar.” Achou que tinha entrado “numa roubada” mas foi descobrindo que ao contrário do que possa parecer à primeira vista, ou do que se pode julgar pela leitura das suas obras, a vida de Paulo Coelho é uma sucessão de tragédias. “Desde o começo, desde a infância mais remota, a vida do Paulo é uma sucessão de tragédias familiares, religiosas, sexuais. Ele é internado em hospício, abandona o cristianismo fundamentalista dos jesuítas onde tinha sido educado e na pré-adolescência dá uma guinada de 180º e mete-se com Satanismo, sacrifício de animais domésticos, Anjo da Morte.
 
Paulo Coelho é uma “sucessão de surpresas”. Jornalista há mais de 50 anos, Morais nunca tinha visto nada parecido com o que acontece com o escritor brasileiro. “Ele não é só um fenómeno literário. Quando está junto do público as pessoas não se satisfazem só de receber um autógrafo. Querem tocar nele e muitas vezes quando começa a falar, as pessoas choram.”
 
Depois de acompanhar o escritor pelo mundo, foi para um hotel perto da casa dele em França onde esteve hospedado. Acordava uma hora mais cedo do que o seu biografado, ia para casa dele e só o abandonava quando se ia deitar. “Fui a sombra dele. Não só gravando mas vendo como ele se comportava com a mulher, com o barbeiro, com o vizinho, com o padeiro. Queria fotografar o miolo dele.
 
Regressou então ao Brasil para ouvir as pessoas referidas nesse longo depoimento. Quase todas estavam vivas, menos a mãe que já morreu, bem como Raul Seixas (para quem Coelho fazia letras das canções). Ficou oito meses no Rio e entrevistou 100 pessoas. Regressou a França para reconfirmar informações que Paulo não lhe tinha contado. Ao voltar ao Brasil começou a escrever. Já tinha 200 páginas escritas quando “bateu o olho” no testamento que o escritor renova anualmente. “Ali tinha uma coisa mais importante do que o dinheiro. Numa linha perdida lá no meio dizia: ‘Na minha casa no Rio de Janeiro, no fundo de uma dispensa de guardar bagulhos velhos, tem um baú fechado com dois cadeados. As chaves estão no banco x de Copacabana e esse baú deve ser incinerado com todo o conteúdo, sem ter sido aberto imediatamente depois da minha morte.’”
 
Quando Fernando Morais lê isto e telefona imediatamente a Paulo Coelho a pedir as chaves do baú. O escritor diz-lhe que lá não há nada que lhe interesse (“são só desenhos, coisas da primeira infância”) Morais responde-lhe que não é “bobo” – se fosse algo tão pouco importante ele não ia mandar queimar. Nada feito. Mas um dia Paulo acorda Fernando com um telefonema de madrugada e desafia-o: “Se você descobrir quem foi o militar que me torturou em Agosto de 1969 no interior do Paraná na cidade de Ponta Grossa eu te dou as chaves. Não o quero processar, só tenho muita curiosidade, quero saber quem é esse cara e onde está.” O escritor só se lembrava que o homem era major na época porque tinha patente no ombro e que uma parte de um dos seus dentes da frente era de ouro.
 
O jornalista começou a sua investigação, foi ver quantos majores estavam naquela época naquele sítio, quantos tinham morrido, foi reduzindo a lista e ficaram três ou quatro hipóteses. Foi então consultar o livro “Tortura Nunca Mais” – uma relação com todos os torturadores da ditadura identificados pelo nome. “Cruzei os meus dados e Bingo! Estava lá. Estava vivo, retirado, um senhor já velhinho, que não vive mais na mesma cidade. Fui até lá e na hora em que comecei a falar, ele me botou para fora de casa. Começou a gritar que era ‘um absurdo’, ‘só me faltava essa de ser difamado pelo mundo fora como o torturador de Paulo Coelho! Eu nem sabia de Paulo Coelho, nem me lembro dessa época, eu nunca torturei ninguém’. E eu fiz uma foto dele com o celular porque precisava que o Paulo visse para me poder dar as chaves. Foi a única entrevista que o Paulo leu e a única foto que ele viu antes de ver o livro pronto. Falei é esse o cara? Ele disse: ‘É’. Então eu quero as chaves.
 
Quando foi à casa de Paulo Coelho em Copacabana Fernando Morais pensava que ia encontrar um baú daqueles em que as avós guardam botões e agulhas. Afinal era um baú dos que se levam nas grandes viagens de barco. Uma arca coberta de poeira, com uma televisão a preto e branco em cima e lá dentro tinha “ouro puro”. Eram 170 cadernos e uma data de cassetes áudio onde Paulo Coelho registou os seus diários dos 10 aos 50 anos. Fernando Morais começou a ler e “arrepiou os cabelos”. Percebeu que tinha que começar o livro de novo.
 
Digitalizou todos aqueles documentos, contratou um especialista japonês para criar um banco de dados e um programa de pesquisa. “Joguei fora as páginas escritas e recomecei o livro do quilómetro zero. Isto atrasou o livro um ano.” Obrigou-o a uma nova viagem à Europa para falar com Paulo Coelho “por causa das centenas de episódios e de pessoas a que ele nunca tinha feito referência ou por omissão de memória ou por autodefesa. Nunca o soube e pouco importa.”
 
Todas aquelas revelações íntimas do diário de Paulo Coelho acabaram por trazer a Fernando Morais um problema que não tinha tido nos seus livros anteriores: um conflito ético. “Cada vez que eu descobria uma coisa feia para os nossos valores, uma coisa que depõe contra ele, eu pensava: Será que tenho o direito de tornar pública uma informação como essa sobre alguém que está sendo tão generoso comigo, que está abrindo a sua casa, o seu coração, a sua alma? E isso me perturbava muito. A minha mulher percebeu e me disse: ‘Você está ameaçando submeter o seu leitor a uma censura que o Paulo não te pediu. Ele não impôs nada.’”
 
Se Fernando Morais tivesse um baú como o de Paulo Coelho, não o daria para ninguém. E se o leitor, fechar os olhos e pensar um minuto se entregaria o seu baú, qual seria a sua resposta? Certamente, não daria. Paulo Coelho deu e depois da leitura desta biografia ninguém olhará para o escritor com os olhos de antigamente.
 
Publicado por Isabel Coutinho, no blog Ciberescritas - reproduzido de Ípsilon (Lisboa - Portugal)
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A lista dos 50 melhores livros publicados no Brasil, em 2008

A lista dos candidatos ao Prêmio Portugal Telecom

 

O prêmio Portugal Telecom divulgou os 50 livros selecionados para a próxima fase da premiação. Veja a lista completa:
 
· “Pássaros de Voo Curto“, Alcione Araújo
· “Circenses“, Alkmar Santos
· “Como se Caísse Devagar“, Annita Costa Malufe
· “Ontem Não Te Vi em Babilônia“, António Lobo Antunes
· “Noite Nula“, Carlos Felipe Moisés
· “Flores Azuis”, Carola Saavedra
· “Poemas da Recordação e Outros Movimentos”, Conceição Evaristo
· “O Conto do Amor”, Contardo Calligaris
· “O Maníaco do Olho Verde”, Dalton Trevisan
· “Cordilheira”, Daniel Galera
· “Cinemateca Eucanaã”, Ferraz
· “Retrato Desnatural”, Evandro Nascimento
· “Canalha!”, Fabrício Carpinejar
· “Marcelino”, Godofredo de Oliveira Neto
· “Aprender a Rezar na Era da Técnica”, Gonçalo Tavares
· “A Filha do Escritor”, Gustavo Bernardo
· “Ravenalas”, Horácio Costa
· “A Eternidade e o Desejo”, Inês Pedrosa
· “O Livro das Emoções”, João Almino
· “Acenos e Afagos”, João Gilberto Noll
· “Cemitério de Pianos”, José Luís Peixoto
· “Lisbon Blues”, José Luiz Tavares
· “A Viagem do Elefante”, José Saramago
· “Memórias de um Intelectual Comunista”, Leandro Konder
· “A Arte de Produzir Efeito Sem Causa”, Lourenço Mutarelli
· “O Osso Côncavo e Outros Poemas”, Luís Carlos Patraquim
· “A Casa da Minha Infância”, Luis Nassif
· “O Livro das Impossibilidades”, Luiz Ruffato
· “Contos Eróticos“, Luiz Vilela
· “Memórias Inventadas - A Terceira Infância”, Manoel de Barros
· “Rasif”, Marcelino Freire
· “Animais em Extinção”, Marcelo Mirisola
· “O Livro dos Nomes”, Maria Esther Maciel
· “Venenos de Deus, Remédios do Diabo”, Mia Couto
· “A Primeira Mulher”, Miguel Sanches Neto
· “Rio das Flores”, Miguel Sousa Tavares
· “Órfãos do Eldorado”, Milton Hatoum
· “Manual da Paixão Solitária”, Moacyr Scliar
· “Ó”, Nuno Ramos
· “Cinco Lugares da Fúria”, Pádua Fernandes
· “A Fábrica do Feminino”, Paula Glenadel
· “Predadores”, Pepetela
· “Chocolate Amargo”, Renata Pallottini
· “Todos os Cachorros são Azuis”, Rodrigo de Souza Leão
· “Galiléia“, Ronaldo Correia de Brito
· “De Paixões e de Vampiros”, Ruy Espinheira Filho
· “Jornada com Rupert”, Salim Miguel
· “Heranças”, Silviano Santiago
· “O Livro Amarelo do Terminal”, Vanessa Barbara
· “Satolep”, Vitor Ramil
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Quinta-feira, 21.05.09

Lançamento de livro - Cor da Lápide

Sábado - 23 de maio

 

 

publicado por ardotempo às 17:21 | Comentar | Adicionar

Sobre quadrinhos e mulheres nuas

Muita mulher nua
 
Ivan Lessa
 
Muita mulher nua e muita mulher pelada. Internetando, eu poderia ficar vendo, talvez admirando, muita mulher nua. Algumas até peladas. Muita gente faz isso. Nada tenho contra mulheres nuas ou peladas. Acompanhadas ou não. Fazendo isso ou aquilo outro. Problema ou alegria delas (e seus deles também).
 
Minha cota de mulheres nuas e peladas fazendo artes já se esgotou. Meu tempo passou. Não que eu tenho enjoado. Mulher nua e pelada, até mesmo sendo apenas razoável, é sempre - perdão - um prazer. Agradável de se ver, ter, pegar, fazer o que normal, ou anormalmente, se faz nessas horas.
 
Por ora, nesta prorrogação de meu tempo regulamentar, prestes a se esgotar, não tenho tempo para bobagem. Conforme disse a raposa para as uvas inalcançáveis: "Ora, estão verdes!" E que me perdoem as mulheres nuas e peladas. A culpa está em mim e não nelas.
 
Claro.
 
 
Internetando, digo a verdade, sou mais história em quadrinho. Da época de ouro da HQ. Lá entre os anos 40 e 50. Depois veio Stan Lee, romance gráfico, tudo, as coisas e as pessoas, ficaram excessivamente sérias. Tudo bobagem. Foucault e Derrida nunca se preocuparam com essas coisas. Nem mulheres nuas e peladas, nem com o Doll Man, o Homem-Bala, Manolita, Meia-Noite, Brucutu e Dick Tracy.
 
Will Eisner é o santo padroeiro dessa gente toda, dessa época que se foi. Chegou até mesmo, num dia menos inspirado, a perpetuar o primeiro romance gráfico. Se visse o que Alan Moore e o Frank Miller e o Art Spiegelman fizeram com o gênero, deixaria serenamente que o Espírito encerrasse seu expediente se casando afinal com Helen Dolan além do mais com a benção do Comissário Dolan. E fim de história. Em quadrinho.
 
Almocei uma vez com Will Eisner. Todos brasileiros almoçaram uma vez com Will Eisner. Ele nunca disse não a um festival de HQ, fosse no Rio, São Paulo ou Guarapuçaú. Nem todo brasileiro tem, no entanto, dois desenhos do Espírito incentivando-o, como é meu caso, a "keep up the good fight". Estão lá em casa. Emoldurados e pendurados na parede de meu quarto-escritório.
 
Chego enfim ao busílis. Descobri, depois de quase setenta anos, como morreu O Cometa e porque foi substituído no Globo Juvenil Mensal, em fevereiro de 1942, por seu irmão, O Vingador, que nada tinha a ver com a série de nosso rádio.
 
Um gangster, "Big Boy" Malone, em julho de 1941, matou O Cometa. Fico sabendo, e já tenho idade para suportar o choque, que tudo não passou de uma jogada comercial, direitos, questão de circulação.
 
No sítio que descobri, depois de, sei lá por que motivo, googlar "o cometa hq", lá estava tudo. Um sítio por nome "hq Quadrinhos", em português, e que tem tudo, tudo, tudo da idade de ouro, prata e zircão das HQ. Como o zelador da prazerosa localidade conseguiu originais de capas e histórias para contar suas histórias não sei.
 
Aonde pescou o acervo todo, santo Deus! Será que se trata de um legítmo super-herói? Num sei. Sei que lá está no perfil do homem: Lancelot, idade: 50; Gênero: masculino; Signo Astrológico: Virgem; Ano Zodíaco: Cachorro; Indústria: Agricultura; Locação: Afeganistão. Seguramente alguém tá "mangando de mim". O que importa é reencontrar os dois irmãos, ver, imprimir, pegar, depois de quase 70 anos, repito, sem ver O Cometa e O O Vingador.
 
Tremendo de um blog. No momento, em minha cotação pessoal, cinco estrelas e o apodo de "O Melhor Blog do Mundo".
 
Há outros sítios de HQ sensacionais. Mas sou egoísta. Devagar com o andor. Não acredito nessa história de que a internet é para ser compartilhada. Negócio é que quando é bão, mas bão mesmo, esconder, moitar, malocar.
 
Ao Cometa e ao Vingador, tudo! Às mulheres nuas e peladas, bravo, parabéns, continuem na luta! Saibam, no entanto, que jamais chegarão aos pés de O Cometa e de O Vingador.
 
Ivan Lessa - Publicado no blog BBC Brasil
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publicado por ardotempo às 05:20 | Comentar | Adicionar

Retratos Notáveis - 31

Cor

 

 

 

Fotografia: Retrato de Arcangelo Ianelli (São Paulo SP Brasil) - sem data

Fotógrafo: autoria desconhecida

publicado por ardotempo às 04:56 | Comentar | Adicionar

Coelhos em Paris

Fotografia

 

 

 

 

Coelhos em Paris - Fotografia - Eric Tenin  (Paris - França), 2009

 

Publicado no blog Paris Daily Photo

publicado por ardotempo às 04:01 | Comentar | Adicionar

Joan Manuel Serrat canta

 Pela Vida

 

 

Pela água, pelo ar, pela floresta, pelos animais, pelos oceanos, pela terra, pelos seres humanos, pelas sementes, pela palavra.

 

Veja o vídeo: Joan Manuel Serrat / Pare

Fotografia: Mário Castello

publicado por ardotempo às 03:35 | Comentar | Adicionar

Homenagem a Pintura

Arcangelo Ianelli

 

 

 

 

 

Pintura - Série Vibrações - Arcangelo Ianelli - Vibraçoes em Azul / Vibrações em Branco / Vibrações em Vermelho - Óleo sobre tela , em grande formato. C. 2000 / 2001 (São Paulo)

 

Uma homenagem a Pintura - uma epifania, realizada de maneira surpreendente e ilimitada por um pintor que é capaz de pintar de forma assombrosa e infinita. A Arte é a vida essencial.

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publicado por ardotempo às 02:53 | Comentar | Adicionar
Quarta-feira, 20.05.09

A figura

Fotografia

 

 

 

Gilberto Perin - Fotografia - A figura - Escultura monumental em bronze (Oslo - Noruega), 2008

publicado por ardotempo às 00:14 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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