Segunda-feira, 20.04.09

Cabeça de mulher

 Fotografia colorizada

 

 

 

Man Ray - Cabeça de mulher - Fotografia P&B, colorizada à mão com pigmentos e lápis de cor, assinada pelo artista (Paris - França), 1935

publicado por ardotempo às 22:10 | Comentar | Adicionar

O mercado da imagem

Exibicionismos
 
José Saramago
 
Palavras como discrição, reserva, recato, pudor ou modéstia ainda se encontram em qualquer dicionário. Temo, porém, que algumas delas venham a ter, mais cedo ou mais tarde, o triste destino da palavra esgártulo, por exemplo, varrida, como outras, do dicionário da Academia por uma manifesta e pertinaz falta de uso que havia feito dela um peso morto nas eruditas colunas. Eu próprio não me lembro de a ter dito alguma vez e muito menos tê-la escrito. Já a palavra reserva, embora vá a caminho de perder a acepção que me levou a incluí-la na lista acima, tem garantida uma vida longa por aquilo da reserva de bilhete ou de lugar sem os quais serviços fundamentais como os transportes aéreos simplesmente não funcionariam. E isto sem esquecer outra reserva, a mental, inventada pelos jesuítas como explicação última de terem dito primeiro uma coisa e feito depois a contrária, operação, aliás, que vingou e prosperou ao ponto de acabar por se difundir na sociedade humana como condição mesma de sobrevivência.
 
Não é minha intenção moralizar, além de que se o fizesse perderia o meu tempo e suspeito que alguns leitores. Bem sabemos que a carne é fraca e que ainda o é mais o espírito por muito que se costume gabar das suas supostas fortalezas, que o ser humano é o território por excelência de todas as tentações amáveis possíveis, tanto as naturais como as que veio inventando em séculos e milénios de práticas reiteradas. Bom proveito lhe faça. Que atire a primeira pedra quem nunca se deixou tentar. A coisa começou por desapertar-se a roupa, por usá-la mais leve e reduzida, também mais transparente, pondo à mostra um número cada vez maior de centímetros quadrados de pele até se chegar ao nudismo integral cultivado com franqueza absoluta em certas assinaladas praias. Nada de grave, porém. No fundo, há em tudo isto, como já escrevi noutro contexto, uma certa inocência. Adão e Eva também andavam nus e, contra o que a Bíblia diz, sabiam-no perfeitamente.
 
Ao pôr em funcionamento o vigente espectáculo universal que concentra e ao mesmo tempo dispersa as atenções do mundo, não parece que hájamos previsto que iríamos dar nascimento a uma sociedade de exibicionistas. A divisão entre actores e espectadores acabou, o espectador vai para ver e ouvir, mas também para ser visto e ouvido. O poder da televisão, por exemplo, alimenta-se em grande parte desta simbiose malsã, mormente nos chamados reality shows, onde o convidado, para isso pago e às vezes regiamente, vai pôr a descoberto as misérias da sua vida, as traições e as vilezas, as canalhices próprias e alheias, e, se necessário fôr ao espectáculo, as da família e dos seus próximos. Sem discrição nem reserva, sem recato nem pudor, sem modéstia. Não faltará quem diga que ainda bem que é assim, que devemos abandonar aquele ferro-velho vocabular, portas abertas ainda que a casa cheire mal, alguns, não duvidemos, irão mesmo ao extremo de afirmar que se trata de um benéfica efeito da democracia. Dizer tudo, com a condição de que o essencial fique escondido. Sem vergonha.
 
 
 
 
José Saramago - Publicado no blog O Caderno de Saramago
publicado por ardotempo às 21:55 | Comentar | Adicionar

Gravura em metal

Cor na gravura 

 

 

 

Arnulf Rainier - Backbone - Gravura em metal (Paris - França), 1979

publicado por ardotempo às 21:19 | Comentar | Adicionar

O invisível

O repórter investigativo

 

Com o olhar voltado para a cidade, para o conjunto da sociedade, para a ética, para o interesse público e para os acontecimentos aparentemente triviais, o repórter conta a vida e traz a consciência para a história de uma comunidade. Revela o que todos enxergam sem ver e aponta as luzes sobre as sombras escondidas de uma realidade obscura e mal-disfarçada. Faz a investigação e mostra a todos o comportamento de alguns e os malefícios que se constróem à vista de todos e que, apesar disso, quase ninguém vê. Como afirma o repórter de televisão Daniel Scola, "a reportagem é a vida real".

 

Giovani Grizotti é o repórter televisivo sem imagem. Por razões de qualidade na profissão e por necessidade de proteção, em virtude da contundência e profundidade de suas reportagens, vencedor de mais quarenta prêmios jornalísticos (entre eles vários dos cobiçados Prêmios Esso de Telejornalismo). Ele preserva confidencialmente as suas fontes, a sua autonomia, a sua liberdade de ação e a sua integridade física. Jamais subiu num palco para buscar um prêmio. Não permite fotografias de seu rosto, não aparece no vídeo. Apenas a sua voz em locução off.

 

É necessário. Precisa se disfarçar às vezes, fazer-se passar por outra personagem como se fosse um ator, para obter a noticia real, crua, escancarada, na defesa tácita de uma sociedade que se vê muitas vezes indefesa frente a opacidade de atuação das autoridades responsáveis pela sua defesa. As regras e as leis existem, são boas e suficientes mas não são cumpridas. A imprensa muitas vezes exerce a função fiscalizadora e corrige as falhas que o DNA defeituoso dos seres humanos insiste em impor em ganância e em crimes contra o bom senso e o bem comum.

 

O repórter, temerário, por vezes faz o papel do promotor e do defensor público expondo a realidade e revelando o escândalo do inaceitável, do inimaginável. Começa em algo pequeno, por vezes aparentemente inofensivo e acaba por neutralizar uma grande manobra lesiva à sociedade, em larga escala e em números estratosféricos. Sempre envolvendo o dinheiro público...Casos de desvio de merenda escolar, casos de presídios superlotados e abandonados à própria sorte ou ao azar da gestão dos piores condenados, que administram a ruína carcerária e o crime organizado nos bairros dos cidadãos livres, loteados de dentro das celas desconstruídas, sem grades e sem limites.

 

A sociedade não sabe, o repórter vê e mostra. 

 

Grizotti mostrou o caso do contrabando que atravessava não mais pela grande ponte, na qual a fiscalização se intensificara em métodos policiais de contenção. Aparentemente eficientes. Ele observou que as mercadorias continuavam à venda clandestinamente nas ruas como sempre estiveram. Como isso era possível? Olhou sob a ponte e viu o ir-e-vir dos barcos. O tráfico continuava ali, irremovível, a solução líquida. Filmou os barcos, fez a travessia, entrevistou os próprios contrabandistas, gravou escondido as imagens e as conversas. Esteve no coração da máfia. Revelou tudo, desde as margens das favelas nos dois lados do rio, bem como navegando os riscos inerentes da superfície interfronteiras.

 

A coragem e o destemor de olhar as regras, de ser obediente às leis e mostrar como fazem os que as transgridem e as afrontam como hienas vorazes, quando todos ficam de costas ou apenas um pouco de lado, mas cabisbaixos e calados como se o bem público e o dinheiro público não fossem um coletivo que tem origem transparente no trabalho árduo e honesto de todos.

 

 

Man Ray - Fotografia - Rayograph / Gelatina, sal de prata e ampliação em papel fotográfico

publicado por ardotempo às 17:34 | Comentar | Adicionar

Cidade Nua

Arthur Felling Weegee

 

Foi repórter fotográfico Weegee que criou o termo Cidade Nua, ao referir-se aos dramas cotidianos das grandes metrópole (a partir de Nova York) e consagrou-se como o fotógrafo dos tablóides de Nova York dos anos 30 aos 50. Cometeu uma revolução estética com os furos de suas fotos jornalísticas, criando um estilo próprio de repórter investigativo do cotidiano urbano.

 

 

Solitário e destemido, habitava dois lugares em Nova York: uma modesta quitenete na praça do Mercado Central, num pequeno edifício de um quarteirão povoado de armeiros, lojas de armas e de material de caça e pesca; e o seu próprio carro. Na quitinete mantinha uma linha direta, clandestina, com a frequência de rádio da polícia, para saber em primeira mão sobre os crimes e acontecimentos que poderiam render boas fotografias. No carro, como se esse fosse um antepassado pré-histórico dos telemóveis e celulares, conduzia um laboratório ambulante de revelação fotográfica em preto e branco e uma espécie de escrivaninha adaptada com uma máquina de escrever, na qual redigia rapidamente as noticias de impacto, que estariam nas primeiras páginas dos jornais do dia seguinte, fazendo a sua própria pauta.

 

 

Dali, da rua mesmo, realizava o seu trabalho antes dos outros fotógrafos e repórteres, chegando sempre à frente de todos, com a notícia viva da arma ainda fumegante.

 

 

 

 

Fotografias de Arthur Felling Weegee

publicado por ardotempo às 16:40 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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