Poemas, Sonetos e Baladas - Vinicius de Moraes
Paulo Rodrigues Ferreira
Nascido em 1913, no Bairro da Gávea, Rio de Janeiro, poeta lírico notável pelos sonetos, músico, diplomata, jornalista, crítico de cinema, fumador inveterado, amante do whisky, Vinicius de Moraes, o «poetinha», leva uma vida recheada de muito trabalho e, principalmente, de muito prazer.
Formado em Direito, em 1938 recebe uma bolsa do Conselho Britânico para estudar literatura inglesa na Universidade de Oxford. A partir de 1945, começa a trabalhar no Ministério das Relações Exteriores. Nos anos 50, com trabalhos diplomáticos em Paris e Roma, relaciona-se com Sérgio Buarque de Hollanda. Em 1954, publica uma colectânea de poemas que intitula de Antologia Poética e dá vida à peça de teatro Orfeu da Conceição.
Em 1956, começa a trabalhar com Tom Jobim para musicar a sua peça. Os dois viriam a compor canções como «Se todos fossem iguais a você», «Um nome de mulher», «Mulher sempre mulher», «Eu e você», «Felicidade», «Chega de saudade», «Eu sei que vou te amar» ou «Garota de Ipanema».
Conhecido como um dos fundadores da Bossa Nova, viria ainda a colaborar com Baden Powell, Carlinhos Lyra, Chico Buarque ou Toquinho. Vinicius recebia as suas visitas na banheira, onde gastava os dias. Dos seus (diferentes) amigos, destaque-se alguns nomes: Orson Welles, Tommy Dorsey, Louis Armstrong, Carmen Miranda, Sara Vaughn ou Pablo Neruda. Da banheira, chega-se às mulheres. Acreditando no casamento, o poetinha desposa nove mulheres: Tati, Regina, Lila, Lucinha, Nelita, Cristina, Gesse, Marta e Gilda.
Poemas, Sonetos e Baladas, também conhecido como Encontro do Cotidiano, seria originalmente publicado pela Editora Gaveta em 1946, com 22 desenhos de Carlos Leão. O que une os poemas presentes neste livro agora reeditado pelas Edições Quasi é o lirismo. E a ideia de morte, de fim.
A morte é a mais esperada, «os homens matam a/morte por medo/da vida» (p.8), a morte é cruel, «aparece e leva/o homem sozinho, sem/amores para o chorarem/apenas ele envolvido pelo vento/ “num qualquer/ponto de treva”» . Na «Balada do Cavalão», o poeta fala da morte de uma filha: «Levou o anjo o outro anjo/Da saudade de ser pai/Susana foi de avião/com quinze dias de idade/Batendo todos os recordes!». Em «Canção», volta-se à menina fenecida: «De que eu não queira comigo/A primogénita em mim/A fria, seca, encruada/Filha que a morte me deu» .
À ideia de morte física, junta-se a morte dos sentimentos, do amor. A paixão pode salvar um homem da ruína: «Na sua tarde em flor uma mulher/Me ama como a chama ama o silêncio/E o seu amor vitorioso vence/O desejo da morte que me quer». Mas o amor, com as mulheres e a vida, é efémero, apaga-se. O final é trágico, não há esperança. O homem finalmente derrotado vai de encontro ao mar, ao infinito, e despedaça-se dentro da treva: «Para o silêncio onde o Silêncio dorme» .
Na «Balada do Enterrado Vivo», poema magistral pela forma como é descrita a sensação de uma criatura que quer fugir de dentro do caixão, o enterrado chega à conclusão de que não poderá chegar à morte de outra maneira que não seja morrendo.
Em «Lápide de Sinhazinha Ferreira», «A paixão é pouso/Que a treva não nega/A morte carrega/E o sono dá gozo» . O amor leva a uma ruptura. Se é céu, não deixa de ser treva, se é doce, amarga, e no final é sempre o sabor amargo que fica na boca: «Consolai-me as mágoas/Que não passam mais/Minhas pobres mágoas/De quem não tem paz/Ter paz…tenho tudo/De bom e de bem…/Respondei-me, sinos…/A morte já vem?». A mulher que ama perdida na noite pode ser a morte que chega. Repetidas são palavras como angústia, trevas, solidão, tristeza, noite ou caminho.
Mas nem só de negro se enche Poemas, Sonetos e Baladas. Do meio da morte e dos desgostos amorosos, surge o sexo a trazer de volta o optimismo e uma inocência quase infantil. Se «Marina» se inspira numa paixoneta de Vinicius por uma filha de pescadores da Ilha do Governador, local que habitou durante a adolescência, em «Rosário» se descreveria a perda da virgindade de um rapaz de quinze anos com uma rapariga de vinte: «Toquei-lhe a dura pevide/Entre o pêlo que a guardava/Beijando-lhe a coxa fria/Com gosto de cana-brava./Senti, à pressão do dedo/Desfazer-se desmanchada/Como um dedal de segredo/A pequenina castanha/Gulosa de ser tocada». Veja-se como, através da utilização de lexemas como «dura pevide» ou «pequenina castanha», se entra na cabeça de um simples menino que descreve uma vagina.
Mas mesmo na meninice se percebe que o encontro é sempre distância, que o que nasce morre e que o que se aproxima se afasta. Pegando no «Soneto de separação», «De repente, não mais do que/de repente/Fez-se triste/O que se fez amante/E de sozinho o que se fez contente».
Poder-se-ia dizer que, pela falta de hedonismo, de voluptuosidade ou de sentido de humor, Poemas, Sonetos e Baladas não é o livro que mais reflecte a biografia do seu autor.
Não parece que estes poemas lúgubres tenham sido escritos em ambiente de banheira com água morna e whisky. Escrita em anos sombrios (Segunda Guerra Mundial), esta obra melancólica e triste reflecte o estado de espírito de um Vinicius de Moraes ainda jovem e, por isso, abalado com questões existenciais, entristecido com a fatalidade que se abateu sobre o ser humano ao vir ao mundo sob a forma de animal que nasce, que come, que defeca e que morre.
Poemas, Sonetos e Baladas
Vinicius de Moraes
Edições Quasi
2009