Quinta-feira, 26.03.09

Elegâncias

Três Corvos
 
The Raven, de Edgar Allan Poe, um dos mais célebres poemas em língua inglesa, começa com esta estrofe:
 
Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore –
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
"’T is some visitor," I muttered, "tapping at my chamber door –
Only this, and nothing more."
 
Um livrinho recentemente editado pela Relógio d’Água (O Corvo), já na onda do bicentenário de Poe, oferece-nos as traduções do poema feitas por dois dos maiores escritores de língua portuguesa dos últimos 150 anos: Fernando Pessoa e Machado de Assis. Cotejar as duas versões não deixa de ser interessante, no que cada uma delas revela (ou não) da estratégia literária dos respectivos tradutores.
 
Eis a primeira estrofe segundo Fernando Pessoa:
 
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
 
E agora a versão de Machado de Assis:
 
Em certo dia, à hora, à hora,
Da meia-noite que apavora,
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga,
Ao pé de muita lauda antiga,
De uma velha doutrina, agora morta,
Ia pensando, quando ouvi à porta
Do meu quarto um soar devagarinho,
E disse estas palavras tais:
"É alguém que me bate à porta de mansinho;
Há-de ser isso e nada mais."
 
Não resisto a juntar uma terceira versão: a de Margarida Vale de Gato, no livro que vai ser lançado esta tarde. Ei-la:
 
Era o meio da noite sombria, fraco e lasso eu reflectia
Sobre os tomos singulares dos saberes ancestrais;
E com sono, cabeceando, eis que ouvi algo raspando,
Seco som, ténue, tocando, tocando à porta de fora,
Visita decerto seria, batendo à porta lá fora,
Isso só e nada mais.
 
 
Publicado por José Mário Silva no Blog Bibliotecário de Babel
publicado por ardotempo às 23:49 | Comentar | Adicionar

Câmera Especular

Faíscas
 
Luis Fernando Verissimo
 
Num livro chamado “Maomé e Carlomagno", publicado em 1939, o historiador belga Henri Pirenne dizia que as primeiras conquistas do mundo árabe/islâmico, a partir do sétimo século, tinham acabado com a unidade da civilização mediterrânea dominada pela Roma Cristã e propiciado a ascensão dos nórdicos, dos germanos e da França carolíngia – ou seja, dos ex-bárbaros.
 
As cruzadas para a liberação da Terra Santa do domínio árabe não foram mais do que manobras na guerra pela hegemonia num pretendido estado imperial europeu entre papas, príncipes e reis, e tiveram mais efeito na história da Europa do que sobre os árabes. E a expulsão dos árabes da península ibérica foi por uma igreja mobilizada e mobilizadora que depois não parou mais: a reconquista da Espanha foi o preambulo da conquista da América.
 
Portanto a atual intervenção explosiva dos islâmicos na nossa história faz parte de uma constante, a dos árabes como catalizadores dos destinos do Ocidente. O “choque de civilizações” do Samuel Huntington não seria uma metáfora apropriada para atual relação entre o Islã e o que o Immanuel Wallerstein chama de “pan-Europa”, ou o Ocidente. Mais certo seria falar num continuado atrito de civilizações do qual vez por outra salta uma faísca detonadora. Deveríamos o nosso mundo e seus sobressaltos a estas faíscas.

Metafísica difusa
 
Quem primeiro usou a palavra "ideologia" no seu sentido moderno foi Napoleão Bonaparte. Referia-se aos críticos do seu despotismo e defensores da democracia e chamou a ideologia de "metafísica difusa" que procurava fundamentar o governo em causas abstratas em vez de adapta-las "a um conhecimento do coração humano e das lições da História". A ela, segundo Napoleão, se devia "todos os infortúnios da França".
 
Desde então os liberais acusam os ideólogos da esquerda de desconhecerem a realidade dos desejos humanos e defenderem causas abstratas. Mas hoje, com a Crise, a esquerda tem todo o ditreito de adotar o julgamento de Napoleão e chamar os liberais de metafísicos difusos, ao desprezarem os fatos que desmentem sua ideologia. Com o liberalismo neo-clássico sendo desmoralizado a cada nova má notícia da economia mundial, a persistência da sua ideologia só pode ser atribuída a uma impermeabilidade dogmática maior do que jamais foi atribuída à esquerda.
 
 
© Luis Fernando Verissimo

 

publicado por ardotempo às 23:14 | Comentar | Adicionar

Será que é Arte?

Uma exposição de carros pintados

 

A mostra está atualmente em Nova York, ocupando luxuosamente o espaço expositivo de um Museu. Como já esteve no MASP em São Paulo há uns 15 anos atrás, talvez indevidamente, e apresenta uns carros de uma marca  famosa alemã que foram pintados por alguns artistas de renome, há bastante tempo.

 

 

É mostra de Arte de verdade? Já naquela época a pergunta de fazia necessária e urgente.

 

Ou terá sido sempre apenas uma melancolia tristonha, um ardiloso movimento de marketing, mostrando artifícios decorativos e estéreis aplicados sobre um suporte de carrocerias de automóveis - hoje em dia já meio antigos - peças da indústria de consumo e da obsolescência veloz, já ultrapassadas, que nem mais rodam pelas ruas e estão mais para o antiquariato de placa preta do colecionismo do que para a expressão de uma modernidade que, datada, se fez ultrapassar e enterrar, inevitavelmente?

 

O tempo desmascara as intenções.

 

A arte (?) ali proposta se mostra fúnebre, domesticada e artificialmente morna. Mas desde o princípio, essa proposta respirou apenas por aparelhos, impulsionada pela mídia de aluguel.

 

O que está errado no que ali se expõe? Primeiramente, a improvisação evidenciada nos trabalhos dos artistas que aderiram ao projeto mediante o apelo monetário pela encomenda do patrocinador interessado comercialmente no conjunto da mostra - evidentemente não houve a menor necessidade interna e espiritual para se realizar aquilo.

 

Em segundo lugar, a proposta é meramente decorativa e nem nesse aspecto se sai muito bem, superada que é pelos especialistas anônimos nessa "estética" automobilística, que produz sempre alguma coisa que se mostra mais interessante a cada dia - basta olhar para as ruas e em algum momento se vê passando algo mais criativo, mais bizarro ou engraçado. Mesmo assim isso também não é Arte...

 

A terceira abordagem equivocada está no público que comparece à mostra, que não é o público dos museus e o da cultura como interesse primordial - é o público que iria em massa a um Salão de Automóveis ou  a uma loja de carros para bisbilhotar as novidades e ver as ofertas.  Que sairá frustrado do Museu  por ver, nos dias de hoje, apenas umas velharias que não o interessam mais - desse modo nem para formar um novo público para a Arte essa mostra serve, como anteriormente já acontecera no MASP de São Paulo. Esse público comparece por curiosidade pelas notícias veiculadas, pelo anúncio publicado pela fábrica, observa aqueles carros antigos, vai embora e não retorna nunca mais. Não vê as mostras que estão ao lado, nos outros andares, tampouco se interessa pelo acervo do Museu.

 

A propósito, por onde estarão aqueles aviões a jato, de viagens intercontinentais, concebidos por Calder há uns 30 anos atrás? Eram bonitos, eu os vi pousando algumas vezes no aeroporto de São Paulo... Quem os viu recentemente?  Foram colocados em algum museu? Ou simplesmente viraram sucatas, foram vendidos como ferro velho e sumiram da memória coletiva da Arte, como obras pensadas apenas para serem efêmeras?

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publicado por ardotempo às 00:46 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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