Sábado, 21.03.09

Uma casa de outra época

Herança em livros
 
Andrei Netto
 
Ela tem 28 anos, é miúda de corpo e carrega no nome - Sylvia Beach Whitman - e nos ombros a herança do que muitos consideram o santuário da literatura de língua inglesa na França: a livraria Shakespeare and Company. Aberta em Paris em 1919 pela americana Sylvia Beach e fechada em 1941, o título Shakespeare & Co. voltou à fachada de uma loja, em 1962, depois que, em testamento, sua fundadora legou ao amigo George Whitman, pai da outra Sylvia - que assim a batizou em homenagem à livreira, usando inclusive o sobrenome famoso -, a grife de seu negócio pequeno, mas revolucionário: foi com o selo da Shakespeare & Co. que chegou aos leitores a primeira edição de Ulysses (1922), de James Joyce. Pudera: Joyce se tornara amigo de Sylvia Beach e não teve dúvida em levar-lhe os originais de seu romance avassalador depois que Virginia Woolf se recusara a publicá-lo na sua Hogarth Press (há quem diga que ficou desconcertada com o que leu).
 
Pelos corredores do estabelecimento passavam, com frequência, autores como Ernest Hemingway, T. S. Eliot e André Gide. A jovem Simone de Beauvoir era habitué e o músico George Gershwin também andou por lá. Em seu endereço atual - 37, rue de la Bucherie (originalmente ficava na Dupuytren e em 1921 se mudou para a Odéon) -, onde se ergue uma construção que abrigou, no século 16, um monastério, George Whitman, hoje com 95 anos, hospedou escritores, estudantes e aficionados por literatura em geral (deixando sempre disponíveis seis camas estreitas). Em seu modo de entender, para além de uma livraria, de uma editora, de um lugar, enfim, dedicado às letras, a Shakespeare & Co. deveria ser um espaço dedicado ao cultivo da convivência, do encontro entre pessoas. 
 
 
É essa cultura que torna a Shakespeare & Co. ainda hoje - contra todas as celebrações das megastores - uma referência literária na cidade, seja para quem é do ramo, seja para clientes eventuais. Entre as prateleiras da loja continuam a circular jovens escritores (ou candidatos a) - que, como sempre, conseguem passar um período hospedados no estabelecimento. 
 
O acervo, de 40 mil títulos, que ocupam os dois primeiros andares da Shakespeare & Co., é, de fato, extraordinário. Não bastasse a variedade e a qualidade dos livros, ainda se pode topar, a qualquer instante, com obras raras como a primeira edição de Lady Chatterley's Lover (1928), de D. H. Lawrence - evidentemente, invendável -, mas pode-se namorá-la à vontade. I
 
Nada disso, contudo, asseguraria à Shakespeare & Co. o posto que ocupa se, por trás da excelência de seu acervo e do glamour que envolve o estabelecimento não houvesse as figuras lendárias que a conduziram até recentemente - e Sylvia Beach Whitman tem a grave incumbência de substituir. É verdade que em dias e horários aleatórios, quando se sente mais forte, George Whitman desce as escadas - ele vive recolhido e quase inalcançável no terceiro andar da loja- e se mistura aos clientes, no que se transforma imediatamente num acontecimento. Reza a lenda que, vez ou outra, ainda se pode encontrar no meio de algum exemplar da livraria notas de 100 ou 500 francos com as quais Whitman costumava marcar a página em que parara sua leitura. Encontrá-las não é sorte grande nem traz, claro, nenhuma fortuna, já que o franco hoje só circula no imaginário dos mais saudosos. Achar uma dessas cédulas não atesta apenas a inclemência do tempo, que corrói até moedas fortes, mas também a longevidade de Shakespeare & Co. - para não falar do desapego material de seu proprietário.
 
A história do norte-americano Whitman, nascido em Salem, Massachusetts, em 1913, é contada com recortes de verdade comprovada e lendas que se perpetuam. Sua vida só mudou de rumo aos 33 anos, quando estava em Paris para trabalhar com órfãos de guerra e acabou se matriculando na Sorbonne para estudar civilização francesa. Nunca mais foi voltou para os Estados Unidos. Sobrinho-neto do poeta americano Walt Whitman, ele abriu em 1946 sua primeira livraria, a Le Mistral, que acabaria herdando o nome da Shakespeare & Co. A peregrinação diária de escritores, pretensos escritores, poetas beats e leitores à loja de George Whitman, que os acolhia com generosidade - em troca da hospitalidade, só exigia duas horas de trabalho no caixa e a leitura de um livro por dia, política que segue em vigor - chamou a atenção de Sylvia Beach. Em pouco tempo, ela já visitava Whitman com regularidade. O resto já se sabe. 
 
À primeira vista, as duas Sylvias parecem muito diferentes. Antes de mais nada, a filha de Whitman demonstra indisfarçáveis preocupações com a beleza. Ao deparar com o repórter do Estado, ela pede dois minutos "para resolver uns problemas". Volta penteada e com os lábios vermelhos. "Ainda não penso em lançar novos autores. Neste momento, estou mais preocupada em reparar e preservar a loja, modernizá-la no que é possível - gestão de estoque, página de internet, festival literário", conta. "Aí, pouco a pouco, me sentirei mais confortável para editar" , diz a jovem, formada em história e teatro em Londres, sua cidade natal.
 
Não por acaso, em uma das paredes do estabelecimento se lê: "Be not inhospitable to strangers/ Lest they be angels in disguise" (em tradução livre: Seja hospitaleiro com os estranhos. Podem ser anjos disfarçados). Sylvia Beach Whitman, que não mora no ex-mosteiro, guarda, neste sentido, um saudável conservadorismo: "Sou sensível em minha preocupação de não alterar o equilíbrio e o estilo desta loja", diz a britânica. "Para mim, é a casa de alguém que vive em outra época."
 
Andrei Netto - Publicado em O Estado de São Paulo - Indicação do blog Verdes Trigos 
publicado por ardotempo às 18:57 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

08. Onde está o leitor? Onde está a leitora?

De livros e sua falta de leitura
 
Ivan Lessa
 
"Era uma manhã clara e fria de abril e os relógios soavam 13 horas".
 
Soavam, e não marcavam.
 
Alguém na distinta platéia reconhece este início de romance tido como um clássico moderno? Alguém no Reino Unido? Não. Pouquíssima gente.
 
Trata-se da primeira frase do romance 1984, de George Orwell. Isso. Aquele do "Big Brother". Todo mundo fala do livro, quase ninguém leu. Basta pensar nessa tolice inominável televisiva que varre o mundo: a casa do Big Brother.
 
Quem bolou foi um holandês. Dada a nacionalidade, daria para entender a falta de intimidade com o livro. O Big Brother de Orwell, afinal, é o representante de uma sociedade totalitária onde todos os cidadãos são observados 24 horas por dia. Para conferir que não estejam fazendo besteira. Caso estejam, prisão e tortura, para eles. Tortura ainda que psicológica. Pura "ditabranda", como está sendo dito por aí. Hoje em dia, Big Brother é adotado em "n" países e passou a ser conhecido por suas iniciais: BB5, BB9 e assim por diante.
 
Não era bem o que Orwell tinha em mente.
 
Quinta-feira, 5 de março, comemorou-se aqui no Reino Unido o que chamaram de "Dia Mundial do Livro". Os relógios também soaram 13 horas. Uma pesquisa foi encomendada com o objetivo de se saber quem lê e quanto lê. Mas lê mesmo. Afinal de contas, os britânicos, com seus mais de 200 mil títulos novos de livros publicados todos os anos, são tidos como um dos povos que mais lê no mundo. Duro acompanhar esse montão.
 
O questionário deixou claro que tem gente mentindo para valer. O que é um fenômeno mundial. Vamos dar uma espiada no que foi encontrado.
 
Perguntados se já haviam se gabado de terem lido um livro quando na verdade não tinham, 65% disseram que sim, que mentiram. Ao menos, com o anonimato garantido de uma pesquisa, não enganaram. 42% admitiram que, apesar de nunca terem sequer aberto o 1984 de Orwell, faltaram com a verdade com o intuito de impressionar alguém.
 
Na lista das inverdades literárias, segue-se o Guerra e Paz, de Leão Tolstói, com 31% na escala de mendacidade. 33% juraram de pés juntos que nunca passaram perto de uma falsidade livresca: leram tudo que disseram que leram.
 
Outros livros que se prestaram a uma enganação literária: Madame Bovary, de Flaubert. Os ímpios bateram ponto e bateram feio: a Bíblia não foi lida. Folheada, com boa vontade. Dom Quixote, lá fez sua triste figura. Os chamados populares Thomas Hardy, Dickens e Anthony Trollope? Hum. Sérias dúvidas no ar.
 
Deixando as hipocrisias para lá: o pessoal lê mesmo são os livros de Harry Potter e do John Grisham. Mais Sophie Kinsella e Jilly Cooper. A primeira, nunca ouvi falar. A segunda, conheço de vista. 99% de mim mesmo não está faltando com a verdade.
 
Façamos a ponte aérea e partamos para o Brasil, sempre uma viagem agradável. Mesmo tendo apenas umas 3000 livrarias em todo o país, menos do que em Lisboa, com suas 4000, incluindo os alfarrabistas (é sebo, gente), nós não lemos nada. Paulo Coelho, talvez. Jorge Amado, capaz, bem capaz. Os Sertões? Machado de Assis? Graciliano Ramos? Clarice Lispector? Tenho sérias dúvidas. Uns poucos são capazes de citar algumas linhas - sempre as mesmas - de Carlos Drummond e outras de Vinícius, principalmente se tiveram sido musicadas. Paremos por aqui.
 
Desconfio até mesmo da leitura de Paulo Coelho, que é mais lido na França, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e nos Emirados Árabes. Nossos quase que 200 milhões de leitores em potencial? Sei não, sei não.
 
 
É conhecida a história de que Euclides da Cunha escreveu Os Sertões, e foi logo, tal como hoje em dia, chamado de "gênio da raça". Um ano após sua publicação, se esquecera de que era seu autor. Perguntado se lera Os Sertões, Euclides invariavelmente respondia, "Quê, Quem?".
 
Ivan Lessa - Publicado no blog BBC Brasil
publicado por ardotempo às 15:49 | Comentar | Adicionar

um.desenho.por.semana.14

09.março.semana - 03

 

 

 

publicado por ardotempo às 15:00 | Comentar | Adicionar

Navio quebra-gelo

Yann Arthus-Bertrand

 

 

Fotografia de Yann Arthus-Bertrand - Navio quebra-gelo em Nunavut (Canadá) 

 

© Yann Arthus-Bertrand

publicado por ardotempo às 14:52 | Comentar | Adicionar

Museu Imaginário

André Malraux

 

 

Fotografia - André Malraux e as fotografias para o Museu Imaginário - Fotografia de Maurice Jarnoux -  1947

publicado por ardotempo às 14:18 | Comentar | Adicionar

Fora de sintonia

Maioria dos portugueses são contra a reforma ortográfica
 
O acordo gerou vários movimentos contrários na sociedade portuguesa.
 
A maioria dos portugueses são contra a aplicação do acordo ortográfico e diz que não vai utilizar as novas normas, segundo sondagem realizada pela empresa Aximage, sob encomenda do jornal Correio da Manhã.
 
Segundo os dados da pesquisa, feita por telefone, 57,3% dos portugueses são contra as novas regras de ortografia e apenas 30,1% são a favor. O número dos que não são nem a favor nem contra chegou a 11% do total, enquanto 1,6% diz que não tem opinião a respeito. A reação maior é na utilização das novas normas, em que 66,3% afirmam que não vão utilizar as normas resultantes do acordo, enquanto 22,1% dizem que pretendem escrever da maneira prevista pelo acordo.
 
"É um processo. Ninguém será obrigado a escrever automaticamente dessa maneira. Haverá um período de adaptação", diz Rui Peças, assessor de imprensa do ministro da Cultura. Segundo ele, apesar da reação contrária, o processo vai continuar sem adiamento. Apenas 4,8% declararam não ter opinião a respeito dessa questão e 6,8% querem utilizar as normas do acordo só em alguns casos.
 
A maior percentagem dos que rejeitam o acordo está entre os jovens de 18 a 29 anos, faixa etária em que 65% não querem mudar a forma de escrever. Na faixa acima de 60 anos é a mais favorável, em que apenas 49,2% têm posição contrária ao acordo.
 
Os portugueses com formação superior têm maior aceitação do acordo, com 35% favoráveis às mudanças, enquanto no resto da população apenas 25,5% tem uma posição favorável. O anúncio de que o acordo seria aplicado gerou vários movimentos contrários na sociedade portuguesa.
 
Só na Internet, há três abaixo-assinados, um com 6.268 assinaturas, outro com 12.067 e o terceiro, encabeçado pelas figuras mais conhecidas do Movimento contra o Acordo reuniu até agora 101.784 assinaturas até 12 de março (data da última atualização).
 
O ministro da Cultura de Portugal, José Antônio Pinto de Lima, anunciou em fevereiro que pretende iniciar a aplicação do acordo ainda no primeiro semestre deste ano e que em 2010 já haverá instituições do Estado usando as novas normas.

 

Jair Rattner - Publicado no Blog BBC Brasil

publicado por ardotempo às 14:01 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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