Domingo, 15.03.09

A loura cabeça de Fonseca

Federico García Lorca

 

 

Som de negros em Cuba

 

Quando chegar a lua cheia

irei a Santiago de Cuba,

irei a Santiago

em um carro de água negra,

irei a Santiago.

Cantarão os tetos de palmeira.

Irei a Santiago.

E quando quiser ser medusa o plátano,

irei a Santiago.

Irei a Santiago

com a loura cabeça de Fonseca.

Irei a Santiago.

E com a cor rosada de Romeu e Julieta

irei a Santiago.

Mar de papel e prata de moedas.

Irei a Santiago.

Oh, Cuba! Oh, ritmo de sementes secas!

Irei a Santiago.

Oh, cintura quente e gota de madeira!

Irei a Santiago.

Harpa de troncos vivos. Caimão. Flor de tabaco.

Irei a Santiago.

Sempre disse que iria a Santiago 

em um carro de água negra.

Irei a Santiago.

Brisa e álcool nas rodas,

irei a Santiago.

Meu coral na treva,

irei a Santiago.

O mar afogado na areia,

irei a Santiago.

Calor branco, fruta morta.

Irei a Santiago.

Oh, bovino frescor de canaviais!

Oh, Cuba! Oh, curva de suspiro e barro!

Irei a Santiago.

 

 

Federico García Lorca - Poeta em Nova York, 1930

Tradução: William Agel de Melo, UnB, 1996

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publicado por ardotempo às 23:05 | Comentar | Adicionar

Poesia de José Mário Silva

 Livro

 

 

Luz Indecisa - José Mário Silva - Poesia

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publicado por ardotempo às 22:57 | Comentar | Adicionar

Retratos Notáveis - 29

O funâmbulo

 

 

Retrato de Philippe Petit - O equilibrista funâmbulo (Nova York EUA), 2009

Fotógrafo:  autoria indefinida 

 

"Uma parte de mim não quer estar na terra. Gosto de voar sobre ela, ser inalcançável" - Philippe Petit

publicado por ardotempo às 19:54 | Comentar | Adicionar

A vida idealizada

Gol com a mão não vale
 
Ferreira Gullar
 
O futebol poderia ser definido assim: "A vida como ela não é".
 
Explico-me. Já se disse que as partidas de futebol são como batalhas em que os contendores não têm por objetivo liquidar fisicamente uns aos outros mas apenas vencer a disputa. Essa comparação com a batalha pode nos ajudar a expor nosso ponto de vista: numa batalha, todo recurso é válido, desde truques e dissimulações até a violência mais cruel e homicida. Quanto mais inimigos mortos, melhor, já que com isso se reduz a capacidade ofensiva do adversário.
 
Na batalha, portanto, não há regras, não se pode imaginar, em meio à luta, um árbitro de apito na boca a invalidar determinada ação de um exército ou de outro. Piuiiii! Apitaria o árbitro da batalha. "Parem a guerra, que esse golpe não vale!" E aí os soldados deteriam o próximo tiro de bazuca para reclamar do árbitro, erguendo os dois braços para demonstrar que não fizeram nada errado, como os jogadores de futebol. Para os guerreiros mais afoitos, o cartão vermelho, que os poria fora de combate.
 
Nada disso acontece nas batalhas de verdade. Acontece no futebol, que não é a vida mesma e, sim, uma idealização da vida. Melhor dizendo, um modo de lutar e derrotar o adversário, sem liquidá-lo fisicamente e dentro de normas pré-estabelecidas. Pode alguém achar que a vida deveria ser assim, ou seja, quando alguém violasse a norma (pisasse na bola), o juiz anularia a jogada. Por exemplo, se você é casado e começa a flertar com a colega de trabalho, poderia no começo levar uma advertência, digamos, um cartão amarelo, e, se insistisse a ponto de levá-la a um motel, seria caso de expulsão de campo, ou de cama.
 
De todos os modos, essa marcação homem a homem, na vida, é impraticável, já que não se passa numa área delimitada, às vistas da torcida e transmitido pela televisão. Além do mais, na vida a desigualdade é maior, uma vez que, além de o juiz estar ausente, quem pode mais manda mais e até mesmo anula as normas do convívio social. Sim, porque a vida também tem regras, tem leis, só que mais difíceis de aplicar do que numa disputa esportiva.
 
Em suma, o futebol nos permite viver numa disputa justa, uma vez que o número de contendores é o mesmo de cada lado e as regras valem para todos. Se um time é melhor que outro, isso se deve às qualidades dos jogadores e do treinador.
 
Aqui também, como na vida, quem pode mais manda mais, isto é, contrata mais e melhor, o que nos levará, fatalmente, a concluir que a igualdade total, que não existe na vida, tampouco no futebol se consegue alcançar. Mas, nele, se chega muito mais perto e, às vezes mesmo, se alcança, pois há partidas entre times igualmente bons, cujo resultado é impossível prever.
 
Todo este precário filosofar veio a propósito dos frequentes erros que os juízes cometem, às vezes tão graves que comprometem o resultado da partida e até a conquista de um título de campeão. E isso não é tão raro assim.
 
Os comentaristas esportivos são unânimes em reconhecer que é praticamente impossível o árbitro não errar, uma vez que ele não tem a capacidade de perceber certos detalhes de um lance decisivo. Já a câmera da TV mostra se foi pênalti ou se não foi.
 
E a pergunta que se impõe é sempre esta: por que não dotar a arbitragem de recursos tecnológicos que evitariam os erros? Mas a gente ouve sempre, como resposta, que o uso desses recursos faria o futebol "perder a graça". Quer dizer, então, que a graça do futebol estaria no erro do juiz, na vitória injusta, na derrota injusta, na revolta do torcedor que se sente garfado? A graça do futebol não está no drible habilidoso, na jogada inteligente, no gol de letra, enfim, na beleza e mestria do próprio futebol? Pelo contrário, além de alterarem lamentavelmente o resultado da partida, os erros irritam os torcedores e criam condições para que os mais violentos imponham sua vontade, levando a agressões e às vezes à morte.
 
A resistência dos responsáveis em adotar os recursos da tecnologia como meio auxiliar da arbitragem é resultado de uma visão, que contraria a essência mesma do esporte.
 
O jogo não é igual à vida precisamente porque possibilita uma disputa justa, em que todos estão submetidos às mesmas exigências. Vence o melhor. A obediência às regras é a essência do jogo, porque são elas que permitem a disputa de igual para igual. O árbitro existe para impedir a violação das regras. Ampliar sua capacidade de seguir os lances e apitar sem erros é preservar a essência mesma do jogo. Vitória injusta - por roubo ou erro - é que não tem graça.
 
 
 

 

© Ferreira Gullar - Publicado na Folha de São Paulo / UOL 

Foto de Philippe Petit, o funâmbulo poeta que estendeu clandestinamente um cabo de aço entre as Duas Torres do World Trade Center em Nova York, em 1974 e passeou os 43 metros de distância entre os edificios, durante 45 minutos a 417 metros do solo, sobre o abismo.

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publicado por ardotempo às 19:26 | Comentar | Adicionar

07. Onde está o leitor? Onde está a leitora?

O romance morreu?

 

 

(...) Uma coisa talvez esteja acontecendo: a literatura de ficção não acabou, o que está acabando é o leitor. Poderá vir a ocorrer esse paradoxo, o leitor acaba mas não o escritor? Ou seja, a literatura de ficção e a poesia continuam existindo, mesmo que os escritores escrevam apenas para meia dúzia de gatos pingados? 

 

Um pesquisa recente sobre hábitos de leitura no meio universitário chegou a conclusões espantosas: trinta e seis por cento dos pesquisados nunca, repito, nunca haviam lido sequer um livro de ficção. Uma minoria lia um ou dois livros de ficção durante o ano. Um número grande lera apenas um livro a vida inteira. Estamos falando de universitários. (...)

 

Os leitores vão acabar? Talvez. Mas os escritores não. A síndrome de Camões vai continuar. O escritor vai resistir.

 

Rubem Fonseca

(Extraído de O romance morreu - Crônicas - Companhia das Letras, 2007)

publicado por ardotempo às 17:34 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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