Domingo, 01.03.09

A montanha de Cézanne

A montanha Sainte-Victoire

 

 

A montanha mítica de Aix-en-Provence, foi o tema de várias pinturas de Paul Cézanne e de outras telas, desenhos e gravuras de Pablo Picasso. Cézanne pintou-a exaustivamente e através das suas pinceladas em progresso, construiu uma estética modernista, destruiu e reconstruiu as bases de uma pintura original e paradigmática. Picasso, que compreendera tudo ao ver a pintura de Cézanne, chamou-o de "o pai de todos", reconhecendo-lhe a importância fundamental e singular. Dali, daquele ponto de partida chegou ele próprio, à desconstrução e reconstrução estética que seria o cubismo, desenvolvido em esgrima ágil, em diálogo de pinturas geniais, com Georges Braque.

 

A montanha e o castelo negro acompanharam Picasso em sua jornada. A tela e o desejo. Certa feita, telefonou ao seu marchand Kahnweiler e comunicou-lhe que comprara a montanha Sainte-Victoire. O marchand perguntou-lhe qual delas, pensando nas telas de Cézanne, que sabia, Picasso tanto admirava. Picasso, preparado, respondeu agudo: "A própria." Comprara o castelo, a paisagem e a vista da montanha. Foi morar sob a guarda e à sombra da montanha.

 

Hoje, seu fantasma continua por lá, flutuando no vale da Provence, ao largo da paisagem querida de Sante-Victoire, uma vez que foi enterrado ali mesmo, sob a relva do jardim de seu castelo ateliê, que mantém sempre uma luz acesa numa das janelas durante toda a noite. "O artista está trabalhando..."

 

 

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publicado por ardotempo às 22:19 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Aforismo Borgesiano - 51

Sujeito

 

 

"Acredito no conceito da vida como um sonho extenso, talvez sem o sonhador. Um sonho que se sonha a si mesmo, um sonho sem sujeito."

 

©Jorge Luis Borges / Borges Verbal, Emecé Editores – Buenos Aires Argentina

publicado por ardotempo às 22:10 | Comentar | Adicionar

Ateliê de Siron Franco

Ateliê de pintura

 

 

Ateliê de Siron Franco - Aparecida de Goiânia GO - Brasil

Fotografia de Pierre Yves Refalo

publicado por ardotempo às 18:10 | Comentar | Adicionar

Juridiquês e arabescos

Frase torcida, crase escondida
 
Agora que o Carnaval passou, disponho-me, caro leitor, a conversar com você sobre uma questão que exige mais lucidez do que euforia momesca: aquela decisão do Supremo Tribunal Federal que deixa em liberdade todo e qualquer acusado até que ele seja julgado em última instância.
 
O que, no Brasil, significa quase que deixá-lo livre para sempre.
 
Pode-se dizer, então, que, com isso, o nosso mais alto tribunal de Justiça acabou com a punição no Brasil? Há quem considere exagerada uma tal conclusão, mas, de qualquer modo, se se leva em conta que há processos que duram 20, 30 anos, se o acusado não gozar de boa saúde, morre inocente. Sim, porque a base da decisão do Supremo é a presunção de inocência, consignada na Constituição Federal.
 
Esse argumento de que a lentidão da Justiça torna inaceitável a decisão da Suprema Corte não resiste ao contra-argumento dos que a defendem: não pode o acusado pagar por um problema que não foi provocado por ele. Se a Justiça tarda, a providência correta é torná-la ágil, rápida, e não punir quem não tem culpa disso.
 
Estou de acordo. Só que a questão não é bem essa. Ela, a meu ver, reside na interpretação discutível do princípio constitucional da presunção de inocência. Esse princípio está consignado no artigo 5º, inciso 57, da Constituição de 1988, que diz o seguinte: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
 
Como a redação é ruim, pode caber mais de uma interpretação. Pois é, um artigo de nossa Carta Magna, que devia ser claramente entendida por todos, está redigido em "juridiquês" e não em português claro. A maioria dos ministros do STF entendeu que aí estaria dito que todo mundo será considerado inocente até ser julgado em última instância. Mas pergunto: se alguém foi condenado por um tribunal de primeira instância, não houve "trâmite em julgado de sentença condenatória"? Ou seja, aquela instância de Justiça, após avaliar provas e argumentos, não concluiu pela culpa do réu? Não é à Justiça que cabe decidir se alguém é culpado ou inocente?
 
Como, então, pode ainda prevalecer a presunção de inocência depois que um tribunal o condenou? Condenado, pode ele recorrer, claro, mas não mais como inocente, sim, como sentenciado, ou seja, na condição de alguém que teve sua culpabilidade reconhecida pela Justiça. Se a condenação em primeira e segunda instâncias não determina a culpa do acusado, então de que valem? Para que servem essas instâncias judiciais? Não sou jurista, mas, como cidadão, necessito que as decisões da Justiça sejam não apenas justas mas também transparentes, aceitas pelo consenso da cidadania, uma vez que o convívio social depende delas. Não tem cabimento uma pessoa ser dada como inocente, depois que um tribunal de Justiça a reconheceu culpada.
 
Na prática, a referida interpretação do STF só vem agravar a sensação de impunidade que toma conta do país. Parece evidente que quem pode pagar bons advogados está praticamente fora do alcance da lei. O caso mais notório é o do jornalista Pimenta Neves, homicida confesso, que, condenado a 19 anos de prisão, continua solto. Haverá coisa mais patética do que o julgamento daquele médico, que matou e esquartejou a ex-namorada? Confessou o crime, foi condenado à pena mínima e saiu livre e serelepe do tribunal. Mas talvez nem seja mais preciso um bom advogado para manter o réu em liberdade, já que a decisão do Supremo não dá margem a exceções: enquanto couberem recursos, o acusado estará livre.
 
Na mesma página de jornal onde lia a decisão do Supremo, estava a notícia da condenação de um sujeito que estuprara e assassinara uma menina de 15 anos. O exame de DNA não deixara dúvida quanto à autoria. Não obstante, como o advogado logo declarou que ia recorrer da sentença, não duvido de que a esta hora ele já não esteja livre e desimpedido para estuprar e matar de novo, se lhe der na veneta.
 
Em face do clamor provocado por aquela decisão, o presidente do STF declarou que os ministros apenas interpretaram o texto constitucional, que, como já observamos, não é claro. Se a intenção do legislador era afirmar que um cidadão será considerado inocente até ser julgado em última instância, por que não o formulou claramente? É que, se o fizesse, não seria aprovado pela maioria? Redigido, como está, em jargão jurídico, pouco claro, obriga a interpretações discutíveis. A Constituição de um país deveria ser entendida por todos e não apenas por exegetas. A nossa está necessitando de um bom copidesque.

 

 

© Ferreira Gullar - Publicado na Folha de São Paulo / UOL

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publicado por ardotempo às 12:04 | Comentar | Adicionar

Desastre Cultural

A França premiou a pilhagem da China
 
Elio Gaspari
 
O leilão de Yves Saint Laurent remunerou o colonialismo e os saqueadores do Palácio de Verão de Pequim
 
O “Leilão do Século”, no qual foi vendida em Paris a coleção de arte do costureiro francês Yves Saint Laurent, foi um sucesso de renda para a casa Christie's (US$ 484 milhões), mas será lembrado também como um desastre cultural.
 
 
Amparado pela Justiça, o viúvo de Saint Laurent passou adiante, por US$ 31 milhões, duas esculturas setecentistas roubadas no saque do Palácio de Verão de Pequim por tropas anglo-francesas, em 1860. Elas formavam um conjunto de 12 peças, das quais a China já recuperou três, ao preço de US$ 4 milhões.
 
As figuras do coelho e do rato vendidas em Paris tornaram-se símbolos de uma mentalidade colonial do século 19 reciclada pela arrogância pecuniária do século 21.
 
O incêndio do Palácio de Verão marca o pior momento da humilhação da China pelas potências europeias que invadiram o país, entre outras coisas, para preservar suas redes de tráfico de ópio. À época, a pilhagem foi denunciada pelo romancista francês Victor Hugo. Guardadas algumas diferenças, o saque do palácio assemelhou-se à vandalização do Museu Nacional de Bagdá em 2003.
 
O mundo das antiguidades está mais civilizado. O museu Metropolitan de Nova York já devolveu peças gregas escavadas no século 20 e contrabandeadas por mercadores. Boa parte das coleções roubadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra foi resgatada.
Com as esculturas do Palácio de Verão, a França e a Christie's puseram o governo chinês numa boa briga. Desta vez Pequim não quis participar do leilão e avisou que procurará atrapalhar os negócios do leiloeiro.
 
A consistência das reclamações dos países pilhados sempre pode ser discutida. Por exemplo: os cavalos de bronze da Basílica de São Marcos devem ser devolvidos à Turquia? Neste caso, os turcos deveriam devolvê-los à Itália, onde enfeitavam o arco de Trajano. Finalmente, acabariam na Grécia, onde foram esculpidos. O busto da rainha egípcia Nefertiti que está em Berlim foi achado numa escavação legal e partilhada. (No século 19, o pachá Mehmet Ali queria usar os blocos das pirâmides em projetos de construção civil.)
 
As frisas de mármore do Parthenon de Atenas foram embarcadas para Londres com uma licença marota do Império Otomano. No caso das esculturas do Palácio de Verão nada de parecido aconteceu. As peças tinham seu valor reconhecido pela China e foram roubadas pela força das armas. Antes de chegar a Saint Laurent, elas passaram por pelo menos três donos. Por coincidência, o saque do palácio foi comandado pelo filho do lorde inglês que pilhou as frisas de Atenas.
 
Elio Gaspari - Publicado na Folha de São Paulo / UOL
publicado por ardotempo às 12:02 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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