Terça-feira, 06.01.09

Siron Franco.2009

 

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publicado por ardotempo às 20:29 | Comentar | Adicionar

Entrevista: Henrique Chagas - Verdes Trigos

Entrevista ao Blog Papo em Comunidade

 

PIT - Olá Henrique, bem vindo ao Papo em Comunidade.
 
Henrique Chagas - É uma honra me apresentar à comunidade judaica, e de falar sobre literatura e sobre o site Verdes Trigos neste seu precioso espaço. Obrigado pela oportunidade que me concede.
 
 
PIT - Você é advogado, mas se dedica à literatura. Como se deu este interesse?
 
HC - Muito antes de me tornar advogado já tinha vontade de ser escritor. Na verdade sempre tive interesse pela leitura. Cresci vendo meu pai ler, ele lia muito e de tudo, tive o privilégio de aprender a ler com ele. Ensinou-me que somente o conhecimento poderia dar-nos um destino e uma vida melhor. Ainda adolescente, minhas veias literárias já saltavam através de poemas, de crônicas e de um pequeno romance inacabado. Para mim o livro mantém uma carga simbólica enorme. Foram os livros que despertaram em mim, ainda estudante, o desejo vulcânico de mudar o mundo sem armas, apenas com palavras, com letras e rimas, mesmo arriscando às atrozes conseqüências advindas do regime daqueles anos de chumbo. Queria mudar o mundo com uma prosa diferente, com palavras transformadoras, que alterassem o rumo das coisas. Por isso, independentemente da profissão que exerço o livro e a literatura tem lugar especial no meu viver.
 
PIT - Há muito tempo você criou o site Verdes Trigos. O que te levou a criá-lo?
 
HC - Foi em novembro de 1998, quando os blógues ainda não existiam. Imaginava escrever um livro “on line” com a participação do leitor, todavia desisti da idéia, pois o processo de criação é algo solitário. O que eu pretendia era escancarar o processo criativo com a interação dos leitores. Sequer existiam os conceitos da web 2.0, mas surgia, ali, um embrião do blógue, com meus comentários sobre os livros que lia e que davam fundamentação ao meu pensar. Preferi continuar o livro off line e dei seguimento à publicação de resenhas e ensaios literários. Assim nasceu o site Verdes Trigos.
 
PIT - Por que o nome Verdes Trigos?
 
HC - O escritor israelense Amós Oz afirmou que costuma, às manhãs, caminhar pelo deserto para captar suas vozes. Diz ele que as vozes do deserto são regalos para a sua escrita. Faz sentido porque desde menino eu ouço as vozes do vento, aprecio dias de ventania, pois o vento carrega com ele o som do primeiro dia da existência. Aquele mesmo vento, após bilhões de anos, ainda ecoa sobre nós. Desde pequeno aprendi a ouvir a voz do vento, quando criança passava horas admirando o balançar das espigas do trigo e captando o ruach criador. Diz o texto sagrado que, após a criação do mundo, o vento do Senhor pairava sobre as águas; é este o vento que me inspira a escrever.
 
Ao dar nome ao meu site cultural e literário, busquei inspiração no vento que balança as espigas do trigo, uma cena que carrego comigo. Como aprecio a arte de Van Gogh, associei a sua arte aos verdes trigos da minha infância, e à marca Verdes Trigos atribui conceito filosófico, que representa a esperança de um mundo melhor, que se conquista pela solidariedade, tolerância e pelo repartir do conhecimento.
 
PIT - Você recebe muitos livros. Você consegue ler todos?
 
HC - Por conta do site Verdes Trigos  http://www.verdestrigos.org/  recebo muitos livros, seja dos seus autores ou das editoras. Recebo-os, em sua maioria, acompanhados por resenhas e apresentação para que sejam incluídos no site. Por uma questão de tempo, não consigo lê-los todos como também não divulgo todos. Entretanto, dependendo do conteúdo, da abordagem, eu procuro lê-los e, se for o caso, fazer uma nota para site ou publicar uma resenha. Muitas vezes compro determinado livro, leio e o divulgo quando julgo interessante. O livro que me interessa é aquele que, além de uma ficção ou não-ficção, possui algo de perene a dizer. Livros que não dizem “nada” não me interessam. E o “nada” é a ausência de harmonia com a criação.
 
PIT - Qual o seu critério para divulgá-los no site?
 
HC - O livro para ser divulgado no site Verdes Trigos, além de bom – na forma e no seu conteúdo - deve atender à nossa filosofia de trabalho e aos aspectos culturais que envolvem o site. Cremos que as boas idéias, bons pensamentos e os bens culturais devem ser disponibilizados socialmente, até mesmo como forma de entretenimento; é por isso que invisto tempo e dinheiro no site Verdes Trigos, cujo retorno cultural me é altamente satisfatório. Como já dito, advogo uma causa que me é muito particular: que a maior riqueza está no conhecimento, no aprendizado, na grande herança que recebi de meu pai (o desejo de sempre aprender). A mudança não acontece apenas porque achamos que é possível, mas especialmente porque nos preparamos para o futuro. No site aceitamos e instigamos a polêmica, entretanto jamais aceitamos idéias intolerantes, racistas ou desagregadoras. Essa é a nossa política. Os textos publicados devem trazer em seu bojo a busca pela completude humana, a busca pelo entendimento, pela harmonia e por um futuro melhor.
 
PIT - Qual o seu gênero literário e escritor preferidos?
 
HC - Procuro ler um pouco de tudo, mas gosto mesmo é da literatura ficcional, com forte conteúdo histórico, sócio-político ou filosófico, seja romance ou conto. Meu autor predileto é Amós Oz, que permanece na fila de um Prêmio Nobel. Sou fã dele, cito-o constantemente. Na seqüência, não posso deixar de citar o albanês Ismail Kadaré e o contista Nathan Englander que muito me impressionou com o seu "Para Alívio dos Impulsos Insuportáveis", um livro que me foi presenteado pela escritora Noga Lubicz Sklar. Dos meus escritores brasileiros preferidos no momento peço licença para citar os gaúchos Moacyr Scliar e Alfredo Aquino.
 
PIT - Qual o seu livro de cabeceira?
 
HC - Como leio muito, e em todo lugar, metaforicamente “na cabeceira” está hoje o livro “Tirando os sapatos”, de Nilton Bonder. E claro, desde que aprendi a ler, eu costumeiramente leio a Bíblia. Possuo várias; a última que comprei foi a “Bíblia Hebraica”, da Editora Sefer, de São Paulo.
 
 
PIT - Que livro você indicaria atualmente?
 
HC - Indico os livros do Nathan Englander, os dois livros publicados no Brasil. Indico também um livro corajoso, “Carassotaque”, do gaúcho Alfredo Aquino. Estou lendo este último, é simplesmente ótimo, ele descreve as relações de poder e medo.
 
PIT - Qual o seu maior sonho?
 
HC - Meu maior sonho é terminar de escrever e publicar um romance, cuja temática é uma reflexão sobre o sentido da existência humana, muito mais profundo que nosso sentido meramente filosófico, ao contrário, projeto nas personagens as nossas dificuldades de compreensão do sagrado e do profano. Não existem coisas sagradas e coisas profanas. Tudo é sagrado, como já dizia Djavan. Nessa busca por uma identidade, por um lugar no mundo, os personagens se esbarram com a sua inexorável pequenez frente ao universo, ao aquecimento global, à escassez de água que já se avista, embora neste mundo pós-moderno tudo seja facilitado pela tecnologia de ponta. Já adianto que o enredo passa por uma busca de identidade pessoal, que perpassa pelas ruas de Tel Aviv, pelas planícies da Galiléia e desemboca no Pontal do Paranapanema [local conflituoso], onde uma empresa israelense de exploração de água se instala. Em meio ao comércio de águas para irrigação e exportação, nossos personagens constroem o futuro. O resto é suspense.
 
PIT - Qual a sua relação com o Judaísmo?
 
HC - Descobri que tenho raízes na cultura judaica. Meus avós são descendentes de marranos perseguidos pela inquisição portuguesa. Judeus que se converteram na marra ao catolicismo. Meu avô mudou de sobrenome em razão da perseguição. Depois desta descoberta, fui a Israel. Encantei-me com Jerusalém, senti-me como se tivesse voltado à terra dos meus ancestrais. Passei, então, a estudar o judaísmo, um judaísmo nada ortodoxo. Comecei também a estudar a língua hebraica. Assim, creio que não sou nada religioso no sentido comum, mas sou extremamente religioso no sentido ontológico da palavra. Busco sempre identificar-me com Aquele cujo nome é impronunciável, inclusive quando escrevo. Posso afirmar que minha relação com o Judaísmo é de total encantamento, não somente por acreditar que está no sangue, mas especialmente por acreditar que é possível ter uma relação de temor e amor com o Criador; que é possível viver os valores intrínsecos à cultura e religiosidade dos nossos ancestrais.
 
PIT - Henrique, obrigada por sua entrevista e deixe aqui o seu recado.
 
HC - Obrigado pela oportunidade de estar no seu espaço, por sua generosidade.
Serei eternamente grato. Aos leitores desta entrevista, agradeço de coração e convido-os a nos acompanhar navegando em verdes trigais:
 
Verdes Trigos  -  http://www.verdestrigos.org/
 
Que todos nós sejamos abençoados. Obrigado!
 
Publicado no blog Papo em Comunidade

 

publicado por ardotempo às 18:36 | Comentar | Adicionar

Farol de José Ignácio

Mauro Holanda

 

 

 

 

Fotografia - Farol de José Ignácio (Uruguay) - Mauro Holanda - 2008

publicado por ardotempo às 15:27 | Comentar | Ler Comentários (1) | Adicionar

Ter um lugar no mundo

Crônica da pomba branca
 
António Lobo Antunes
 
O sítio onde moro em Lisboa é uma aldeia. Tem merceariazinhas, lojecas, cabeleireiros pequenos, uma constelação de restaurantezitos, sapateiros, costureiras, capelistas. Não o habitam pessoas ricas, o que se percebe pelos automóveis, pela roupa, pelas caras. Toda a gente se conhece. Há pombos a sujarem os tejadilhos
 
(ainda bem que as vacas não voam)
 
gatos à Stuart Carvalhais e, no que respeita ao meu quarteirão, do algeroz para cima sou o melhor escritor. Ignoro se sabem o que faço, julgo que têm uma ideia vaga. Há quem me trate por senhor doutor e quem me trate por senhor António. Prefiro senhor António: afinal de contas sou um carpinteiro. Aqui ao lado, sempre que saio, um grupo de reformados joga à moeda. Digo
 
– Boa noite meus senhores
 
desbarretam-se
 
– Boa noite senhor doutor
 
e o jogo continua atrás de mim, solene. É à hora alegre e triste em que os candeeiros começam a acender-se e uma fininha melancolia, como escreveu o poeta cabo-
-verdiano Jorge Barbosa
 
(quem aqui não sentiu esta nossa fininha melancolia)
 
entra devagar em nós, doce, quase agradável, com a lembrança das pessoas de quem gostámos dentro, transparentes, a sorrirem. Caixotes de lixo cambulhando para a rua. Mulheres sentadas na soleira e o senhor António passando por elas com o livro na cabeça e a saudade dos mortos. Há armazéns também, eternamente fechados. Nas janelas iluminadas lustres, ângulos de armário, prateleiras forradas e eu cheio de ternura por aquilo tudo. Nem um pingo de vento nas árvores. O que estarás a fazer? A entrar em casa, a jantar? Daqui a poucos dias desatam a tornar-se pequenos e o cinzento deles a desbotar no meu peito, a fininha melancolia engrossando. Jorge Barbosa
 
Onde pára aquela que morava
do outro lado da cidade,
acolá no alto, de onde se via o mar?
 
E onde páras tu, senhor António? Metes a chave no buraquinho, entras e a sala enorme, escura. Livros, quadros, retratos. Os cortinados escondem os prédios em frente, o escritório negro, negro. Onde pára aquela que morava do outro lado da cidade, acolá no alto, de onde se via o mar? Fininha melancolia vem e cobre-me. Não me abandones neste momento que preciso de coisas suaves, dedos na minha testa, uma voz que me garanta ter um lugar no mundo. Não derivado aos livros, pelo menino que sou. Que desamparo às vezes: tenho esperança de escondê-lo bem. Sou tão importante eu, sou um grande autor e acabei de nascer. Uma impressão num dente mas a perspectiva da broca
 
– Ora cá temos uma cáriezinha
 
desagrada-me. E os caixotes do lixo cambulhando para a rua. Vivo só. Não me custa. Quer dizer às vezes, à noite, custa, mas faz de conta que não custa. Ando a escrever um livro que não faço a menor ideia quando acabarei: são tão difíceis as palavras e demorei anos a dar conta disso. Ao princípio era canja. Até a gente perceber que há uma diferença entre escrever bem e escrever mal: então começa a angústia. Um pouco mais tarde percebe-se que há uma diferença, ainda maior, entre escrever bem e obra-prima: então a aflição é completa. De forma que aqui ando eu, de caneta na mão, na minha aldeia no centro da cidade em que acabado o jantar mulheres da vida, travestis. Bares de alterne perto, com uma fila de taxis à espera: tudo isso cheira a miséria rasca. Onde pára aquela que morava no alto da cidade? Num degrau à espera? Nasci de uma mulher e há ocasiões em que me esqueço disso. Devia lembrar-me o tempo inteiro. Onde pára o meu pai que, de certeza, se foi embora do cemitério para a companhia dos seus cachimbos, dos seus livros. Dizia
 
– Bem vês
 
e fazia um silêncio antes de continuar. Bem vejo o quê, pai? Os pais estão entre nós e a morte. Se calhar um homem só se torna homem depois do pai morrer. Homem no sentido mais profundo do termo, qualquer que tenha sido a nossa relação com ele. Depois do enterro do meu avô o meu pai fechou-se no escritório e pôs Bach tão forte que se devia ouvir na Venezuela. Ficou para ali horas a ensurdecer o mundo. Quem aqui não sentiu esta nossa fininha melancolia? Chamo-me António. Ao encontrar-me de manhã para a barba penso
 
– Chamo-me António
 
um nome tão comum, de pobre. Se fosse rico chamava-me Bernardo ou Lourenço ou Gonçalo. Assim, consolo-me com António. Apesar de tudo parece-me menos feio que Hernâni. O que importa? Chamo--me Eu. E o Eu debruçado para o papel nas redacções em que tenho gasto a vida. António porque os meus dois avôs eram Antónios. O que será de mim? Gosto do andar onde moro, não penso mudar-me mais, assenta-me bem nos ombros. António não: senhor António. Olha, se calhar envelheci. Cruzes canhoto: envelheci uma ova.
 
Tenho quinze anos e vou para o treino de hóquei do Benfica. Nos intervalos não estudava e compunha versos, furioso com a sua mediocridade. O mendigo do costume pede-me cigarros: dou-lhe o que estou a fumar. Não fala, murmura, quase não se aguenta nas canetas. Nem sequer cheira mal, isto é ainda tão sujo que está para além dos cheiros. Olhinhos piscos, dedos incertos. Isto junto do templo adventista onde nunca vi ninguém entrar, frente a umas escadinhas que conduzem sei lá onde. Que bonitos os pés das mulheres agora, em Julho, que linda a sua forma de andar. Pouso a caneta, olho as minhas mãos. Estão vazias. Mas tenho a certeza que, se as juntar, ao abri-las sai uma pomba branca. Como os ilusionistas do circo na época em que eu menino. Aí está ela, cheia de arrulhos, a bater as asas em mim.
 
 
 

 

© António Lobo Antunes

Escultura em mármore de Vasco Prado. Fotografia de Leopoldo Plentz (Porto Alegre - Brasil) 

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publicado por ardotempo às 12:10 | Comentar | Adicionar

Mulher sentada na cama

Botero

 

 

Pintura - Mulher sentada na cama - Fernando Botero - Óleo sobre tela - 1996 

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publicado por ardotempo às 12:04 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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