Tim James Booth
Gostava de ter algo de novo a acrescentar sobre a obra de um dos maiores escritores do séc. XX mas, na verdade, não tenho. Apenas a minha visão sobre a sua obra mais reconhecida, Ficções.
O livro está dividido em duas partes, “O jardim dos caminhos que se bifurcam(1941)” e “Artifícios(1944)”, cada uma com um pequeno prólogo onde o autor explica alguns dos contos que as partes contêm. No total são dezasseis os contos que compõem este livro e o difícil é conseguir destacar um ou outro. Cada um deles é, numa palavra, genial. Abre-se logo com uma entrada perdida numa enciclopédia sobre um país inexistente, Uqbar (”Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”) para logo de seguida examinarmos a obra de um autor que reescrevia D. Quixote (”Pierre Menard, autor do Quixote”) e ficamos imediatamente perdidos no mundo imaginário de Borges.
Seguem-se outros contos com visões desconcertantes do mundo, caso de “A Biblioteca de Babel” onde se sabe que todos os livros que alguma vez possam ser imaginados estão já escritos e na biblioteca - se não estão então é porque não são possíveis.
O imaginário de Borges é imperdível. Mergulhar na ideia de um mundo completamente aleatório (”A lotaria da Babilónia”) para logo depois lermos contos de índole policial (”O jardim dos caminhos que se bifurcam”, “A forma da espada”) é um privilégio que apenas se encontra nos livros do mestre argentino.
Difícil é escolher um, e apenas um, dos contos como favorito. É claro que como ninguém me pede isso, não o faço. Nota-se uma clara tendência para um mundo fantástico, tipicamente sul-americano (isto é, tipicamente após a obra de Borges onde muitos bebem a sua inspiração), fascinante e, simultaneamente, reflexivo. Talvez por isso mesmo “A Biblioteca de Babel” seja um dos contos mais marcantes, a noção de que todo o conhecimento do mundo, que foi e que será, esteja numa biblioteca é, deveras, apetecível.
A prosa de Borges é limpa com uma suave mistura entre o erudito e o comum. A estrutura frásica é simples e clara, característica especialmente evidente nos contos onde o autor faz a recensão crítica de uma obra, ou de um autor, inexistente, caso do famosíssimo “Análise da obra de Herbert Quain” que ganhou corpo fora do conto e figura, entre outros sítios, na obra prima de Saramago O Ano da Morte de Ricardo Reis.
Borges é a maior das figuras da literatura Latino-Americana, uma das maiores da Literatura Mundial, um escritor único com um imaginário sem igual. Ficções é uma excelente porta de entrada para o seu mundo particular, como o foi para mim, e o princípio de um caso sério de enamoramento literário. Várias vezes, enquanto lia este livro, dizia para mim “Onde andaste toda a minha vida, Jorge Luis Borges”. Onde andou não sei. Sei onde vai passar a andar: dentro do panteão dos meus autores favoritos.