Testemunho de Lúcia Bettencourt
Sobre as Jornadas Literárias de Passo Fundo
Thanks Giving
Os americanos têm uma festa que admiro – o dia de ação de graças. Um dia quando todos param para agradecer as dádivas que receberam durante o ano. Todos nós, se procurarmos um pouco, temos algo a agradecer a Deus, ou seja lá o nome que preferirmos – Acaso, Jeová, Buda, Alá ou Tupã.
Mercedes Sosa, por exemplo, agradece, na bela canção, à Vida, que tanto lhe deu. Eu agradeço, a quem de direito, por algumas das coisas que recebi (Também reclamo das que me foram tiradas, mas isso é assunto para outra conversa.) Um dos agradecimentos mais sinceros que faço é por ter tido a oportunidade de ir à Jornada de Passo Fundo.
Somente quem ama a Literatura pode avaliar a emoção que senti quando, naquela noite fria, gelada mesmo, e prateada por uma lua enorme, cheguei ao local em que ela se realizava e descortinei a proporção do projeto. As tendas montadas, enormes, conservavam um pouco de suas cores graças à iluminação. Milhares de pessoas circulavam pelos espaços, centenas de pessoas trabalhavam, todos com um ar de expectativa, de festa, de alegria desmedida.
Mesmo antes de entrar na tenda principal, eu podia sentir a vibração, a agitação de pessoas que se haviam deslocado de todos os cantos do país e do mundo, enfrentado nevoeiros e atrasos, para se reunir ali naquele recanto do Rio Grande do Sul, dentro do belo campus da Universidade de Passo Fundo.
Cheguei lá após uma viagem de avião, outra de ônibus, e outra de van. Pois, se soubesse o que me aguardava, teria feito como os peregrinos de Compostela, e caminhado até lá, entre cânticos, clamando pelas estradas para que me seguissem e descobrissem as maravilhas da Literatura.
Passei todos os dias da Jornada num encantamento e numa alegria de devota que chega ao perfeito local de romaria. Era ali a minha pátria espiritual, o local onde encontrava pessoas com os mesmos interesses, com o mesmo brilho no olhar e, embora com livros diferentes nas mãos, o mesmo desejo de compartilhar e descobrir. Se, na primeira noite, tive a impressão de sonho, os dias que se seguiram confirmaram uma realidade cheia de seiva e vigor. As tendas coloridas, o incessante vai-e-vem de pessoas, as múltiplas atividades, mas sempre a mesma paixão, que impedia que, tangidas pelo frio, a platéia se dispersasse.
É preciso ir a Passo Fundo, pois as palavras faltam para descrever as Jornadas. Mas, depois que vamos até lá, descobrimos que nunca mais podemos sair de lá. Algo de nós fica para sempre perdido por lá, e talvez seja nosso coração.
Texto de Lúcia Bettencourt - Escritora
Veja o blog da escritora: Nadanonada
Foto de Leonid Streliaev