Terça-feira, 11.11.08

Feira do livro, o macaco e os arco-íris subversivos

José Carlos Machado dos Santos

 

Mais de quarenta anos atrás, em novembro de 1964, por ocasião da 10ª Feira do Livro, o centro de  Porto Alegre viveu um momento inesquecível. Naquela tarde, um grupo de militantes do Partido Comunista organizou uma manifestação que, insuspeitada e espontaneamente, acabou envolvendo milhares de pessoas.

 

A manifestação era simples. Discretamente foi solto na Praça da Alfândega um macaco, conduzindo no pescoço uma pequena tabuleta em que estavam manuscritas algumas críticas à política salarial do Governo Federal.

 

O macaco começou a chamar a atenção das pessoas, andando desajeitadamente por entre os canteiros da praça. Dali a pouco, foi percebido pela Guarda Civil. Os guardas tentaram capturar o macaco e este subiu, com agilidade, na árvore mais próxima que encontrou.

 

Lá de cima, instalado no primeiro galho, o macaco ainda carregava a tabuleta e, contam alguns, mostrava-a de um lado ao outro, para as pessoas no chão, provocando risos e causando a maior irritação nos guardas.

 

Impotentes, estes pediram reforço de tropa. Em seguida chegou uma viatura da rádio-patrulha, que após avaliar a dimensão da ocorrência, chamou pelo rádio de emergência, ao Corpo de Bombeiros. Já estavam lá então aglomeradas umas 500 pessoas.

 

Os bombeiros vieram com uma viatura dotada de escadas elásticas e as posicionaram até bem próximo do local onde estava o macaco. Um soldado subiu a escada com uma rede especial e tentou encaçapar o bicho. Este fugiu de seu alcance para um galho mais alto da árvore. Nova tentativa e nada. Raios! Agora o macaco até trocara de árvore e já estava lá nos jacarandás mais altos, junto à rua da Praia.

 

 

Naquele momento, a praça já estava cheia de autoridades competentes. A guarda civil, a polícia civil, os bombeiros e, à luz da época, o autoritarismo já havia decretado: “Aquele macaco, que ousava criticar o governo, era um elemento subversivo”.

 

Tinha de ser preso a qualquer custo.

 

Os bombeiros pediram novos reforços. Dali a pouco, sob o soar espetacular de bizarras sirenes importadas, chegou uma nova guarnição completa, desta vez com uma portentosa escada Magirus. Já se concentravam entre praça da Alfândega e na rua da Praia umas 3.000 pessoas E o macaco, quietinho, lá em cima.

 

A escada foi içada em direção ao perigoso elemento transgressor. Sobe um soldado com uma nova rede em semi-arco circular e tenta encaçapar o macaco. Este muda de árvore e tem-se que mover a escada, com certa morosidade, para a nova posição. Nova tentativa e nada.

 

Nesta altura a multidão, a cada troca de galho ou de árvore, exclama num coro jocoso e afinado. Óóóóóóóóóóóóóh!. Não é preciso dizer que a galera toda estava torcendo para lado frágil, o macaquinho assustado.

 

Frustrado, o soldado bombeiro desce da escada, abandona a rede e sobe, agressivo, munido com uma potente mangueira. Ligada a bomba, fortes jatos d’água atingem o suspeito e este muda de posição a todo momento. O foco da mangueira não acerta um alvo tão pequenino e os jatos se perdem no espaço. A multidão vibra a cada movimento e até o soldado fazer nova pontaria, o macaco já mudou novamente de lugar.

 

A praça, naquela época, era bastante ensolarada e aqueles jatos d’água que se perdiam no espaço, precipitavam-se sobre a rua da Praia sob a forma de uma finissima névoa, formando sucessivos arco-íris que vinham descendo, descendo até extinguirem-se sobre o leito da rua.

 

Após horas de luta, o macaco extenuado acabou finalmente capturado e segundo consta foi conduzido prisioneiro ao Zoológico de Sapucaia. Eu estava lá, por mais de uma hora e assisti, com outras 5.000 pessoas aquele espetáculo de violência em que, pela primeira vez publicamente, o povo estava torcendo abertamente contra os bombeiros, contra a polícia, contra o Governo.

 

Mas, se aquele macaco era tão subversivo, por que não prenderam também aqueles arco-íris que teimavam em se formar, para a alegria de todos? Era a única coisa bonita que resultava bem naquele circo de violência desproporcional. Para mim, aqueles arco-íris também seriam subversivos e deveriam ter sido recolhidos todos, a falta de um lugar adequado, ao Instituto Coussirat de Araújo, o nosso centro de meteorologia daquela época.

 

 

© José Carlos Machado dos Santos

 

 

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publicado por ardotempo às 15:46 | Comentar | Ler Comentários (2) | Adicionar

Angola

Moça de Ondjive 

 

 

Fotografia - Sergio Afonso - (Angola) 2008

Uma saudação especial nesse dia 11 ao amigo Zé Kahango, de Angola.

 

Publicado no blog Bimbe

publicado por ardotempo às 14:59 | Comentar | Adicionar

Pluralidade

 

"A globalização leva ao mundo cinzento.

Somente as culturas locais podem defender a pluralidade."

 

Abraham B. Yehoshúa - Escritor israelense

 

 

publicado por ardotempo às 14:23 | Comentar | Adicionar

Três Perguntas

Daniel Feix - Zero Hora

 


  

A experiência do artista plástico Alfredo Aquino como autor de livros vem de longe – além de escrever e editar títulos de arte, seus desenhos já ilustraram por exemplo o volume de contos Cartas (2004), de Ignácio Loyola Brandão. Mas sua estréia como ficcionista se deu apenas em 2007, com A Fenda, também este um livro de contos. Carassotaque (2008), que ele autografa hoje, às 18h30min, na Praça de Autógrafos - 54ª Feira do Livro de Porto Alegre, é seu primeiro romance.



 

ZH – Você é um artista visual, escreve sistematicamente em blog, já publicou contos... O que o levou ao romance? Foi a complexidade do tema – as identidades culturais?



 

Alfredo Aquino – O livro fala muito do medo, tema universal que toca a todos, que faz parte do nosso cotidiano. Ele tem a haver com a arte contemporânea em geral. Essa questão da identidade é crucial também: ser percebido, ser reconhecido e harmonizar seus valores democraticamente, saber ouvir e também conseguir ser ouvido. Mas, se isso vale para uma pintura, também vale para a literatura.

 

Escrever é apenas outro modo de expressão, de inventar um mundo de fantasia em que nos identifiquemos, autor e leitor, numa espécie de vertigem. A interpretação que quem lê o livro faz, as identificações multiplicadas, isso é muito rico. Mas acontece também na pintura, nos desenhos...



 

ZH – Carassotaque tem como protagonista um fotógrafo, ou seja, um artista visual, que vive longe de suas origens. O quanto ele tem da sua experiência e da sua visão de mundo?



 

Aquino – Alguma coisa. Na verdade, o protagonista é o outro, o que nos chama atenção, o que nos ensina a ver com seu olhar diferente do nosso – diferente do meu próprio olhar. O estrangeiro faz perguntas porque tenta entender o que para ele não faz sentido – aquilo a que nós já estamos acostumados ou até resignados.

 

Existem situações imaginárias que são de um coletivo, fazem parte do imaginário de muitos de nós. Ocorreu uma publicação de um pequeno trecho de Carassotaque em Portugal, e lá os portugueses se identificaram, então isso mostra a dimensão dessa fantasia coletiva que não é localizada. Nesse universo sugerido, que é um tanto visual também, fica proposto um olhar de imagens, que é onírico, é o dos nossos sonhos, podemos nós mesmos imaginar os cenários, acompanhar os diálogos, nos posicionarmos. Esse livro se escreveu quase sozinho, em muitos momentos eu escrevia como se estivesse lendo, para saber o que iria acontecer. Eu também queria saber para que lado aquela história se conduzia.



 

ZH – Em que medida as artes visuais influenciam sua literatura?



 

Aquino – As linguagens são diferentes, mas acontece a mesma coisa, os procedimentos são semelhantes: tento sempre experimentar, inventar um jeito novo de expressar, busco correr riscos, fugir da fórmula conhecida e confortável. É isso o que vale na Arte verdadeira, seja ela a visual ou a literária. Porque fazer o que outros já fizeram? Não faz sentido ser cubista hoje, não faz sentido fazer pastiches de Marcel Duchamp hoje – um grande artista que teve seu apogeu em 1920, 1930, no século passado, quase cem anos atrás... É importante buscar caminhos, ver o que os outros estão fazendo, não para fazer igual, mas justamente tentar um vôo diferente. Sempre existem jeitos e motivações para isso. A literatura é um desafio assombroso...

 

Publicado em Zero Hora - RS 

 

publicado por ardotempo às 13:16 | Comentar | Adicionar

Editor: ardotempo / AA

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